O Rio havia sido a primeira cidade a aderir à resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) - Fernando Frazão/Agência Brasil
O Rio havia sido a primeira cidade a aderir à resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS)Fernando Frazão/Agência Brasil
Publicado 26/03/2025 18:30 | Atualizado 26/03/2025 18:54
Rio - O prefeito Eduardo Paes revogou a resolução que reconhece oficialmente as práticas ancestrais de matrizes africanas como parte da promoção da saúde complementar ao Sistema Único de Saúde (SUS). A medida foi publicada no Diário Oficial de terça-feira (25) e criticada por religiosos que consideram a decisão um retrocesso e um desrespeito às tradições afro-brasileiras.
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A resolução legitimava rituais milenares como banho de ervas, defumação, chás, escalda pés, Ebó, Bori, Amaci, entre outros, além de reconhecer o trabalho das benzedeiras, como equipamentos promotores de saúde e cura complementares e integrativos ao SUS. A medida engloba religiões como Umbanda, Candomblé, Omolokô, Ifá Nigeriano e Afro-Cubano, Quimbanda, Catimbó e suas variações.
"Desde a publicação da resolução, mesmo recebendo com entusiasmo, nossa comunidade aguardava os efeitos práticos da medida, pois nossos terreiros, desde sempre, são hospitais da alma, espaços de restabelecimento de energias espirituais e físicas e já foram comprovados os efeitos que a espiritualidade, associadas aos tratamentos médicos, traz resultados benéficos na cura dos enfermos. Infelizmente, é um retrocesso, que com certeza sofre a pressão dos radicais evangélicos que condenam as nossas práticas", disse Alex d’Oxalá, coordenador do Movimento Umbanda Rio, ao DIA
A socióloga, escritora e líder religiosa Mãe Flávia Pinto, matriarca da Comunidade de Terreiro Afroindígena Casa do Perdão, também criticou a decisão da prefeitura, classificando-a como um caso de racismo religioso.
"Por que é possível o país usar a medicina do Oriente, como a acupuntura e outras mais, e reconhecê-las como tratamento complementar, mas é impossível fazer o mesmo com práticas de origem africana, a ponto de aprovar uma resolução e depois revogá-la, dizendo que não são válidas? Sabemos que isso é racismo religioso, o que é lamentável, pois o prefeito do Rio de Janeiro havia dado um salto histórico", criticou Mãe Flávia. 
Alex d’Oxalá defendeu ainda a importância da integração entre os saberes tradicionais e a medicina convencional. "Pessoas nos procuram com inúmeros problemas de saúde, principalmente nas áreas de saúde mental, e detectamos que muitas vezes esses desequilíbrios podem ser de origem mediúnica. A pessoa conhece a doutrina, se trata e continua sendo acompanhada por seus médicos assistentes nas áreas de psicologia e psiquiatria, pois as tradições africanas entendem os cuidados de saúde de forma integral, aliando corpo, mente e espírito. O intercâmbio entre sacerdotes, médicos e especialistas seria um avanço enorme", explicou.
O professor do Programa de História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e babalaô Ivanir dos Santos demonstrou esperança de que a decisão seja revista. Ele ressaltou o papel fundamental dos terreiros no suporte às comunidades, especialmente no campo da saúde.
"São práticas de saúdes tradicionais, ancestrais, que sempre cuidou das comunidades. Quando a prefeitura, através de um decreto, reconhece essa prática, ela deu um passo muito importante no sentido de não só reconhecer a sabedoria, mas também de combate a intolerância religiosa. Quando, agora, tem o cancelamento, o veto, isso é um prejuízo muito grande. É como se essas práticas fossem do mal. Eu estou esperando que essa condição possa ser revista", pontuou.
Mãe Flávia enfatizou que as práticas de cura das religiões afro-brasileiras já são amplamente utilizadas pela população.
"As práticas ancestrais de medicina milenar africana e indígena podem ajudar muito, como já ajudam! Isso não é novidade! Inúmeras pessoas frequentam rezadeiras, recebem passes, vão a terreiros para o jogo de búzios ou uma orientação. Muitas pessoas deixam de tentar o suicídio ou de cometer alguma besteira porque receberam o aconselhamento de uma autoridade religiosa, de uma ancestral que transmite conhecimento com sabedoria, ajudando a pessoa a se equilibrar. Nós preparamos banhos, rezas, camas, oferendas, e a pessoa melhora", enumera. 
O Rio havia sido a primeira cidade a aderir à resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS), de 2023, que reconhece as manifestações da cultura popular dos povos tradicionais de matriz africana e as unidades territoriais tradicionais de matriz africana (terreiros, terreiras, barracões, casas de religião, etc.) como equipamentos promotores de saúde e cura complementares do SUS.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura do Rio não esclareceu os motivos para a revogação da resolução. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.
 
 
 
 
 
 
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