Eu tava jogando sinuca quando o grupo de amigos apareceu. A turma se comunicava com um vocabulário estranho que eu demorei a entender. Só palavras que caíram em desuso e que eram comuns nas décadas de 40 e 50. Esses meninos da terceira idade, ou da segunda infância, são formidáveis.
Lembrando que antigamente, muito antigamente, a palavra formidável queria dizer coisa não muito boa. Hoje em dia é considerado algo magnífico. Foi Fernando quem explicou.
- Estão dizendo que essas palavras desapareceram do vocabulário. Resolvemos então resgatá-las. Um protesto em defesa do passado.
E Nelson completou: - Dizer que as palavras desaparecem é balela. Vosmecê pode, por obséquio, colocar na vitrola uma boa trilha de Orlando Silva, a Sapoti, a Emilinha Borba.
Não me contive e gritei bem alto: 
- Supimpa!
Parei a sinuca, que eu jogava sozinho nos fundos da caverna, e fui tratar de arrumar a mesa do coreto do quintal.
A conversa alertou a patroa que, de ouvidos na prosa, chegou com os pratinhos de bolinho de aipim e empadinhas de palmito. Tudo sequinho, sem muita gordura.
- É para o convescote - ela disse.
Bom, agora faltava o líquido precioso.
Enquanto aguardávamos a bebida, começamos a listar as palavras que levaríamos às ruas. Caramba a patroa não trouxe líquidos preciosos. Trouxe café, adoçado com açúcar mascavo. 
- Que quiproquó é esse?
As palavras antigas mexem com a memória, pelo menos dos mais velhos. Quiçá também dos mais novos. São palavras do tempo do “Onça”, expressão que todos conhecem. E é tão antiga que até mesmo a origem do seu significado desapareceu. Ela se refere ao capitão Luiz Vahia Monteiro, que foi governador do Rio de Janeiro nos anos de 1700 e alguma coisa..., um sujeito violento que ganhou o apelido de onça comentou Fred.
- Mas essa história é antiga até mesmo para gente - rebateu Ibiapina.
Mas só valem palavras? Por que também desapareceram objetos. O chapéu palhinha, por exemplo, eu ainda tenho. Eu guardo com todo o carinho. Só tiro ele do cofre para passear em locais bem calmos, sem violência, sem assalto, sem furtos. Ah, o chapéu palhinha. Muito bom para o nosso verão escaldante. E os ternos e camisas de linho?
Hoje em dia, custam olhos da cara. Então, corri até meu quarto, escolhi camisa e calça de linho, guardadas e conservadas com carinho, vesti o conjunto e voltei, com os velhos trajes. Fui recebido com palmas, zoeira, fuzarca e a pergunta do Júlio: tá de ceroulas também? Respondi na bucha:
- Quiçá. E completei: - Vosmecê nunca usou?
Ih, tudo virou fuzarca...