Fausto Fawcett e Fernanda Abreu durante show em Brasília, em 2022Divulgação / @jpsofranz

Rio - Uma prostituta se envolveu em uma confusão dentro de uma boate na Avenida Brasil, altura de Irajá. Isso é o que o músico Fausto Fawcett, de 66 anos, se lembra da notícia que leu nas páginas de polícia de uma edição de 1986 de O DIA. A manchete despertou seu interesse e resultou na música "Kátia Flávia, A Godiva do Irajá", que iria ecoar no tempo, fazendo sucesso até hoje, quase 40 anos depois.


"Era uma notícia com destaque, quase metade da página, sobre uma mulher, e o que me chamou atenção foi o nome Kátia Flávia e a confusão que ela armava nessa boate. Achei um personagem interessante porque, segundo a notícia, ela já tinha uma ficha corrida de reclamações, pois pegava clientes das outras", lembra o artista.

Composta em 1987 por Fawcett em parceria com Carlos Laufer, a música sobre a "louraça Belzebu provocante" nasceu como um conto de 12 a 15 minutos, mas que, pela boa recepção do público, transformou-se na composição de pouco mais de 4 minutos, que se popularizou na voz de Fernanda Abreu e ganhou as rádios do país.

"Eu me interessei e resolvi incrementar. Só uma garota de programa arrumando confusão não era suficiente. Aí, eu me lembrei da história da Godiva, uma rainha que desafiou o rei, pedindo para que ele baixasse os impostos. Coloquei isso no subúrbio, sendo uma mulher de um contraventor, e um terceiro elemento, que era o míssil exocet, famoso na Guerra das Malvinas", descreve o artista, explicando que optou pela estética exagerada ao retratar a personagem andando nua pelas ruas do Irajá, de madrugada, em um cavalo branco.

"Fazendo jus à notícia, ela acaba sendo perseguida e escapa para Copacabana. Eu vou contando o trajeto… Ela pega o 434 (ônibus), passa no Maracanã com sua pistola com silenciador, mata o bandeirinha no jogo do Fluminense, foge roubando uma joaninha (o fusca da polícia), pega o rádio do carro e diz: 'alô polícia! Eu tô usando um exocet, calcinha'", detalha o compositor, recitando um trecho da canção.

Primeiro rap popular

Fausto Fawcett confessa que se surpreendeu com a repercussão de "Kátia Flávia". "É o primeiro rap de sucesso popular, falado de forma veloz e com certa dicção. Além disso, foi uma coisa inesperada para todo mundo, essa característica de uma letra com informações que deixam as pessoas com a pulga atrás da orelha, como exocet, godiva e as expressões em inglês", relata, que já soube até de fãs que colocaram o nome nas filhas, em referência à música.

O músico diz que a letra entrou no imaginário das pessoas e se diverte com as versões populares. "'Get out' virava 'geral' e 'exocet', 'eu sou sexy'. A pessoa gosta sem entender, e isso é muito legal", conta o artista, em meio a risos.

Parceria com Fernanda Abreu
Dez anos depois de escrita e lançada pelos autores, a "louraça satanás" foi gravada por Fernanda Abreu, que tornou-se quase a dona do hit, como o próprio Fausto Fawcett já disse ao longo dos anos.

De acordo com a intérprete, a ideia de gravar "Kátia Flávia" veio do DJ Memê, que achou a música a cara da cantora. "Acabou virando mais minha do que dos compositores. É bem emblemática, pois foi um dos primeiros raps dos anos 1980, quando o que predominava era o rock. Foi muito inovadora para época", comenta Fernanda.

A cantora, que já gravou outras músicas de Fausto, como "Rio 40 graus", afirma que esses sucessos são obrigatórios em seus shows. "O público espera que eu cante, compram o ingresso para ouvir. Até hoje me surpreende, pois tem meninos jovens, de 20 anos, que me parabenizam. Incrível".

Kátia Flávia em filme

O fenômeno da "Godiva do Irajá" rendeu dois videoclipes, um com Fausto Fawcett e outro com Fernanda Abreu, e quase virou filme, mas a ideia, inclusive com a atriz Maitê Proença como protagonista, não se concretizou. No entanto, o compositor não descarta: "Filme, história em quadrinhos… Estão sempre com possibilidades de acontecer. Então, volta e meia tem um aceno para isso, mas, até hoje, não aconteceu".

Para Fausto Fawcett, "Kátia Flávia" é mais atual do que nunca. "O Rio já foi uma cidade com um problema dentro. Agora, é o contrário: uma cidade dentro de um problema. Neste sentido, uma personagem dessas com essas ligações está mais na linha de frente do que nunca. Ainda não apareceu na música popular brasileira uma mulher tão poderosa como ela", conclui.