Especialista aponta que reprodução humana está politizadaMarcelo Camargo/Agência Brasil
Embora as taxas de mortalidade materna e de gravidez indesejada permaneçam em queda, os avanços em termos de direitos sexuais e reprodutivos estão desacelerando ou, inclusive, estagnando, adverte o documento do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
Há 30 anos, durante uma conferência no Cairo, 179 países assumiram o compromisso de transformar os direitos sexuais e reprodutivos em um eixo central do desenvolvimento sustentável.
"Isto abriu o caminho para décadas de progresso", explica Natalia Kanem, diretora-executiva do UNFPA, no documento sobre o estado da população mundial.
Desde então, o número de mulheres que utilizam anticoncepcionais dobrou e ao menos 162 países promulgaram "leis contra a violência doméstica", segundo Kanem.
Porém, apesar dos avanços, milhões de mulheres e meninas foram privadas dos benefícios devido a considerações sobre a sua identidade ou origens. No relatório, o UNFPA cita "racismo, sexismo e outras formas de discriminação" como obstáculos.
Kanem destaca ainda que "parte do problema atual reside também no desejo de politizar o corpo das mulheres e transformá-lo em um campo de batalha".
A diretora-executiva do UNFPA citou, em uma entrevista coletiva, os exemplos do aborto ou questões relacionadas à fertilidade e lamentou que "a reprodução humana esteja politizada". A opinião dela é amarga: "O progresso está desacelerando e, em muitos aspectos, estagnou por completo" e pode ser revertido.
O relatório adverte que não houve redução da mortalidade materna desde 2016 e que a taxa está aumentando em um número alarmante de países. Também aponta que a violência de gênero continua generalizada.
Além disso, quase metade das mulheres ainda não pode tomar decisões sobre o próprio corpo nem exercer seus direitos de saúde sexual e reprodutiva.
Aborto e pressões políticas
"Os esforços para proteger a vida e o bem-estar das mulheres e das meninas não deveriam ser submetidos a pressões políticas nem ser interrompidos dependendo do governo da vez", acrescentou.
Outra preocupação, segundo Kanem, é a mutilação genital feminina, que aumentou 15% no mundo desde 2016. O exemplo mais recente é Gâmbia, onde o Parlamento começou a debater em março um projeto de lei para retirar a proibição da prática.
O relatório também mostra que as desigualdades nas sociedades e nos sistemas de saúde são cada vez maiores.
As mulheres pobres, que pertencem a minorias étnicas ou à comunidade LGBT+, com deficiência ou que vivem em um país em conflito, correm um risco maior de enfrentar problemas de saúde sexual e reprodutiva.
Uma mulher africana que enfrenta complicações durante a gravidez ou o parto tem quase 130 vezes mais probabilidades de morrer do que uma mulher que vive na Europa ou na América do Norte. O relatório também destaca a persistência de focos de desigualdade dentro dos países ou de regiões.
Nas Américas, as mulheres afrodescendentes têm maior probabilidade de morrer durante o parto do que as mulheres brancas e, nos Estados Unidos, registram uma taxa de mortalidade materna três vezes superior à média nacional.
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