Assim, as minhas viagens aconteciam mais silenciosamente. Até que passei a conhecer recortes da vida de quem me guiava pelo caminhoArte: Paulo Márcio

Minha curiosidade como passageira de carros de aplicativo começou timidamente. De início, algum item no espelho retrovisor interno me fazia imaginar a realidade de quem estava ao volante. Um terço me levava a pensar na fé do motorista enquanto itens de pelúcia instigavam a minha imaginação de que havia alguma criança na família. Seriam filhos, sobrinhos, afilhados? Alguns condutores traziam avisos bem claros, como na mensagem impressa em papel ofício e colada atrás dos bancos dianteiros: "Não coma no carro". Em outro, reparei que havia um tapete, daqueles de banheiro com direito a desenho dos pés, para evitar sujeira. Assim, as minhas viagens aconteciam mais silenciosamente. Até que passei a conhecer recortes da vida de quem me guiava pelo caminho.
Atenta, eu ouvia e reparava nas histórias de cada motorista e chegava ao destino final tendo conhecido um pouco mais de um novo universo. Ouvi de um deles que resolveu morar em uma cidade litorânea do Estado do Rio, e, segundo ele, bem mais calma. Enquanto seguia o caminho do GPS, ele ainda me relatou ter descoberto o prazer pela jardinagem, além da prática de colocar bebedouros para os pássaros na varanda. Disse ainda que os amigos comentaram que ele estava falando mais pausadamente. O ritmo de vida era outro.
Eu também gostava especialmente quando solicitava uma corrida e uma motorista havia aceito a viagem. Fico feliz por saber que as mulheres estão ganhando espaço em uma profissão até então dominada pelos homens, embora elas tenham relatado ainda se sentirem mais expostas a situações de perigo. Conheci uma que estava fora do seu mercado de trabalho e guiava o carro de aplicativo enquanto não conseguia uma nova oportunidade na sua profissão. De outra, soube que era universitária e tinha planos de fazer concurso público. Enquanto isso, dirigia pelas ruas do Rio aproveitando uma flexibilidade maior para conciliar os seus horários.
No caminho, também havia tempo para dicas. Uma delas me recomendou uma loja boa para comprar roupas e ainda me revelou o desejo de um dia parar em outro comércio, que vendia potes plásticos. Mas nunca dava tempo, lamentou.
No engarrafamento, um outro motorista me garantiu que o congestionamento não o deixava estressado. O que lhe causava irritação era a buzina, ele me dizia. Como em um dia em que um passageiro com dificuldades de locomoção estava desembarcando do seu veículo e o carro atrás dele não parava de acionar o sinal sonoro.
Entre semáforos, buzinas, engarrafamentos e muita conversa, eu viajava nas histórias e confirmava que nenhuma jornada é igual à outra. Pelo simples fato de que as pessoas são únicas. No meio de tanto vaivém e tantos cumprimentos protocolares de 'bom dia', 'boa tarde' ou 'boa noite', eu tive a sensação de que as pessoas querem ser ouvidas. Mesmo que por apenas alguns minutos.
Em um mundo de tantos barulhos, a impressão é de que muito se fala, mas pouco se escuta. E por falar em sons, havia também os motoristas que me perguntavam se eu tinha alguma preferência de música para escutar durante a viagem. Lembro que em um dia logo pela manhã entrei em um carro e já tocava MPB. Era Maria Bethânia ecoando sua voz feito poesia pela rádio. Uma sintonia perfeita! Adorei a escolha e segui para mais um destino, certa de que ouvidos atentos nos fazem pegar carona com uma boa melodia e histórias de vida.