Eu nasci e cresci em São Cristóvão e vivi a maior parte da minha vida em Água Santa. Sou, por assim dizer, cria do subúrbio. Mas houve um momento em que, traindo essas raízes, decidi morar na Zona Sul. Afinal, quem nunca pensou nisso, amigos? Na época, anos 70, eu estava separado e tinha sido adotado por um vira-lata, que escolheu o meu portão para bater, ou melhor, latir. Eu abri e ele entrou para ficar. Seu nome era Oposição.
Na época, o Zé Rodrix havia lançado a música “Casa no Campo”, uma espécie de homenagem à vida no subúrbio rural. Mas nem isso mudou minha decisão. Depois de alguns meses, fiz minha mala, levei Oposição para um hotelzinho no Grajaú e segui ao Leme, onde aluguei uma quitinete.
Demorei a me adaptar ao novo e pequeníssimo espaço. Meu corpo parecia um ímã atraído pelos móveis e paredes, tamanha a quantidade de esbarrões que eu dava quando tentava me deslocar pelo apartamento. Mas, eu pensava, não importa, afinal estou morando a poucas quadras da praia, e meu objetivo era aproveitar os poucos dias de folga para, finalmente, mergulhar no mar.
Acontece que, a Zona Sul também abriga conhecidos. Boêmios, artistas, muitos jornalistas, enfim, tudo o que queria. Durante os sete meses que vivi ali, todo fim de semana, eu colocava a sunga e o chinelo e partia para a orla. Mas nunca consegui pisar na areia. No máximo, até a Avenida Atlântica. Tinha sempre um amigo à espreita em algum dos muitos bares da região. E lá ia eu beber com ele.
Deu saudade de um hábito muito comum para quem tem casa no subúrbio. E resolvi fazer um churrasquinho no apartamento. Mas diferentemente do que acontece quando asso uma carne aqui na caverna, a fumaça lá não atraiu os vizinhos, mas o Corpo de Bombeiros, que bateu a porta com a mangueira em punho para acabar com a festa.
Quando a sirene do bombeiro parou de tocar, eu só ouvia a música que vinha do rádio do vizinho: “Eu quero uma casa no campo, onde eu possa ficar no tamanho da paz”. Foi a gota d’água.
No dia seguinte, encerrei o contrato, juntei minhas coisas, fui até o hotelzinho no Grajaú para resgatar o meu amigo Oposição. Ele me reconheceu, mas irritado, rosnou e me mostrou os dentes. Eu já estava preparado para isso. Usando uma artimanha que aprendi com minha amiga Lelê, tirei um ossinho do bolso e reconquistei a amizade do cãozinho.
Voltamos para o subúrbio. Mas no caminho de casa, paramos na Chave de Ouro, entre o Méier e o Engenho de Dentro, para pedir dois angus na barraca do João., para viagem.
No rádio do carro, o sucesso de Zé Rodrix ainda tocava:
“Eu quero uma casa no campo, onde eu possa plantar meus amigos, meus discos e livros e nada mais. ”
Bem, reencontrei os amigos, que hoje são velhos como eu. E, sempre fazemos churrascos, quando o bolso permite.