Basta conversar com a população na rua para perceber a descrença nos políticos tradicionais. Em alguns casos, até o modelo democrático é colocado em xeque. “Eu não gostava da ditadura militar, mas até que agora ela poderia voltar para fechar o Senado. Para que serve o Senado?”, pergunta o vendedor de doces Protenor Magalhães, de 73 anos. “Nenhum presta. Só olham o lado deles”, diz.

Na visão de especialistas, o cenário preocupa. Para o cientista político Maurício Santoro, professor da Uerj, o maior perigo consiste na possibilidade de intervenções autoritárias se fortalecerem em meio à desvalorização da política. “É um risco nunca totalmente eliminado em democracias jovens como a do Brasil”, opina.
Santoro explica que o desprezo aos políticos vem desde a crise econômica global de 2008. E culmina, agora, na ascensão de nomes como Donald Trump, nos Estados Unidos; João Doria (PSDB), em São Paulo; e Alexandre Kalil (PHS), em Belo Horizonte; detentores de discursos ‘apolíticos’. “Esses fatores são comuns mundo afora, mas em cada região há particularidades no modo como eles se manifestam.”

No Brasil, segundo o professor, a crise desta década evidencia problemas crescentes desde a redemocratização. “Corrupção desenfreada, fragmentação partidária de dezenas de siglas sem programas claros, pouca transparência e pouca prestação de contas por parte dos eleitos.”
A solução, contudo, não passaria por intervenções autoritárias ou pelo populismo eleitoreiro, e sim por um aprimoramento da própria democracia. “O país precisa de uma reforma política profunda, com todas as dificuldades em se definir uma pauta nessa direção. Os políticos precisam responder, entre outras questões, à demanda por maior participação e representatividade”, completa Santoro.
É nessa linha que pensa a gerente de mercearia Michele Schmidt, de 30 anos, moradora de São Cristóvão. Apesar de também estar insatisfeita com a classe política, ela aposta no surgimento de novos quadros e partidos em vez de acreditar nos candidatos de fora, “que vão ter que se enquadrar no sistema.” Mas, por enquanto, ela só tem uma certeza: é contra a candidaturas de empresários. “Eles querem privatizar tudo!”.

‘Perderam credibilidade histórica’, avalia sociólogo
Um dos sociólogos mais renomados do Brasil, o professor da UFRJ Muniz Sodré remete ao filósofo francês Alexandre Kojève para explicar o atual momento. Kojève, diz Sodré, proclamou no pós-guerra o ‘fim da história e da política’, que seria transformada na ‘administração das coisas’.
“É o que agora acontece: o ‘não-político’ emerge na falência da democracia representativa, na desagregação dos partidos. A política e a classe política perderam a credibilidade histórica. Ser ‘não-político’ transforma-se em virtude eleitoral”, aponta o professor.
Quanto ao futuro próximo, Sodré é pessimista. “Não há reversão à vista. Sem mais representar a soberania do povo, os partidos políticos giram loucamente ao redor de seus próprios interesses. O voto, que deveria ser o ápice da democracia representativa, torna-se a confirmação jurídica do poder sem referência popular”, analisa.
‘Presunção de mudanças profundas’

O ex-prefeito, ex-senador, ex-deputado federal e ex-vereador Saturnino Braga, afastado há dez anos da vida pública, acompanha de longe o momento vivido pelos ex-colegas de profissão. “Tenho visto como presunção de mudanças profundas. A situação atual é de completa inviabilidade. Isso aí não tem futuro — essa desmoralização da vida política de um modo geral. A vida política vai ter que encontrar novos caminhos”, vaticina.
Ex-correligionário do pedetista Leonel Brizola, com quem veio a romper ainda enquanto chefe do Executivo municipal, ele acredita que, seja qual for o caminho, a ‘fase final’ vai ser de aprofundamento da democracia — de modo mais participativo. “Mas às vezes isso passa por fases instáveis, de autoritarismo”, reconhece e lamenta o primeiro prefeito escolhido por voto popular no Rio.