Por tabata.uchoa
Rio - ‘Eu não sou político.’ Quantas vezes os eleitores, no Brasil ou fora dele, ouviram essa afirmação nas últimas eleições? A crise de representação vivida pela classe política deu brecha para muitos candidatos se apresentarem como alternativas novas e desvinculadas do sistema tradicional. E muitos deles foram bem sucedidos eleitoralmente.

Basta conversar com a população na rua para perceber a descrença nos políticos tradicionais. Em alguns casos, até o modelo democrático é colocado em xeque. “Eu não gostava da ditadura militar, mas até que agora ela poderia voltar para fechar o Senado. Para que serve o Senado?”, pergunta o vendedor de doces Protenor Magalhães, de 73 anos. “Nenhum presta. Só olham o lado deles”, diz.

'Não tem como acreditar. Já roubaram tudo que tinha para roubar. E esses que se dizem apolíticos vão ter que se enquadrar no sistema da mesma forma'%2C diz Michelle SchmidtDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

Na visão de especialistas, o cenário preocupa. Para o cientista político Maurício Santoro, professor da Uerj, o maior perigo consiste na possibilidade de intervenções autoritárias se fortalecerem em meio à desvalorização da política. “É um risco nunca totalmente eliminado em democracias jovens como a do Brasil”, opina.

Santoro explica que o desprezo aos políticos vem desde a crise econômica global de 2008. E culmina, agora, na ascensão de nomes como Donald Trump, nos Estados Unidos; João Doria (PSDB), em São Paulo; e Alexandre Kalil (PHS), em Belo Horizonte; detentores de discursos ‘apolíticos’. “Esses fatores são comuns mundo afora, mas em cada região há particularidades no modo como eles se manifestam.”

'Nenhum presta. Só olham o lado deles%2C o que favorece o lado deles. Pode ser que agora melhore%2C porque os antigos nunca fizeram nada'%2C diz Protenor Magalhães%2C vendedorDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

No Brasil, segundo o professor, a crise desta década evidencia problemas crescentes desde a redemocratização. “Corrupção desenfreada, fragmentação partidária de dezenas de siglas sem programas claros, pouca transparência e pouca prestação de contas por parte dos eleitos.”

A solução, contudo, não passaria por intervenções autoritárias ou pelo populismo eleitoreiro, e sim por um aprimoramento da própria democracia. “O país precisa de uma reforma política profunda, com todas as dificuldades em se definir uma pauta nessa direção. Os políticos precisam responder, entre outras questões, à demanda por maior participação e representatividade”, completa Santoro.

É nessa linha que pensa a gerente de mercearia Michele Schmidt, de 30 anos, moradora de São Cristóvão. Apesar de também estar insatisfeita com a classe política, ela aposta no surgimento de novos quadros e partidos em vez de acreditar nos candidatos de fora, “que vão ter que se enquadrar no sistema.” Mas, por enquanto, ela só tem uma certeza: é contra a candidaturas de empresários. “Eles querem privatizar tudo!”.

'Não dá mais para confiar nesses políticos. Anulei meu voto. Estamos sem confiança. A saída é apostar em novos%2C contra a roubalheira'%2C diz Rogério MoreiraDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

‘Perderam credibilidade histórica’, avalia sociólogo

Um dos sociólogos mais renomados do Brasil, o professor da UFRJ Muniz Sodré remete ao filósofo francês Alexandre Kojève para explicar o atual momento. Kojève, diz Sodré, proclamou no pós-guerra o ‘fim da história e da política’, que seria transformada na ‘administração das coisas’.

“É o que agora acontece: o ‘não-político’ emerge na falência da democracia representativa, na desagregação dos partidos. A política e a classe política perderam a credibilidade histórica. Ser ‘não-político’ transforma-se em virtude eleitoral”, aponta o professor.

Quanto ao futuro próximo, Sodré é pessimista. “Não há reversão à vista. Sem mais representar a soberania do povo, os partidos políticos giram loucamente ao redor de seus próprios interesses. O voto, que deveria ser o ápice da democracia representativa, torna-se a confirmação jurídica do poder sem referência popular”, analisa.

Conhecido pela experiência na área de comunicação, o professor vê a internet e as redes sociais como elementos que podem impulsionar o discurso populista e antipolítico.
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“Transbordam ódio. A educação poderia ser um antídoto, mas as elites perversas sabem disso e terminarão fazendo de alvos as escolas em seus diversos níveis”, opina.

‘Presunção de mudanças profundas’

Saturnino se aposentou em 2006Banco de imagens

O ex-prefeito, ex-senador, ex-deputado federal e ex-vereador Saturnino Braga, afastado há dez anos da vida pública, acompanha de longe o momento vivido pelos ex-colegas de profissão. “Tenho visto como presunção de mudanças profundas. A situação atual é de completa inviabilidade. Isso aí não tem futuro — essa desmoralização da vida política de um modo geral. A vida política vai ter que encontrar novos caminhos”, vaticina.

Ex-correligionário do pedetista Leonel Brizola, com quem veio a romper ainda enquanto chefe do Executivo municipal, ele acredita que, seja qual for o caminho, a ‘fase final’ vai ser de aprofundamento da democracia — de modo mais participativo. “Mas às vezes isso passa por fases instáveis, de autoritarismo”, reconhece e lamenta o primeiro prefeito escolhido por voto popular no Rio.

Reconhecido como um homem de honestidade ímpar, o Saturnino Braga prefeito, eleito em 1985 com o apoio do governador Brizola, ficou marcado pelo decreto de falência do município, em 1988. Ele confessa que até hoje há quem lembre daquele momento — repleto de versões —, mas garante que a opinião geral já é outra.
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“Ainda lembram, mas já há o convencimento de que foi uma falência provocada principalmente pelo governo federal”, afirma o sereno Saturnino, que vê como grande legado de sua administração a tentativa de implementar uma espécie de democracia participativa no município, tema muito discutido atualmente.
Deputado federal que cumpre o 11º mandato na Câmara, o experiente Miro Teixeira (Rede-RJ) é conciso ao opinar sobre o atual descrédito da classe. “A culpa é dos políticos, não da política. Existem os pilantras que iludem a opinião pública”, diz. Para combater a generalização, ele indica a abertura incessante ao debate e a construção da própria imagem como caminhos a seguir.
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“Mas não há uma negação da política. Quem se candidata a um cargo já está demonstrando interesse político. (Acreditar ou não) depende de quem ouve o discurso”, completa o deputado, que já pertenceu a diversos partidos desde a década de 1960, entre eles o PMDB, o PDT e o PT.
Novidade real ou mais do mesmo?
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O cientista político Maurício Santoro avalia que o sucesso eleitoral de nomes empresariais, que se autoproclamam ‘gestores’, não costuma resultar em mudanças efetivas na forma de conduzir um governo. “Me parece que na prática as diferenças são pequenas. Empresários que viraram políticos, como Silvio Berlusconi na Itália ou Sebastián Piñera no Chile, acabaram muitas vezes caindo nos mesmos problemas dos políticos tradicionais que tanto criticaram”, comenta.
Também cientista político, o professor Ricardo Ismael, da PUC-Rio, que vê com cautela a ideia de que há uma ascensão de apolíticos, ressalta o modo como os ‘gestores’ terão de aceitar a vida política. “Não tem jeito. Vai ter que confrontar interesses políticos. A função do prefeito é política, não adianta dizer que vai administrar como se fosse uma empresa”, pondera.
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Reportagem do estagiário Caio Sartori