Lola AronovichArquivo pessoal
Por LUANA BENEDITO
Publicado 17/03/2019 21:35 | Atualizado 18/03/2019 16:20

Rio - A professora universitária Lola Aronovich, 51 anos, conhece de perto o efeito nocivo dos fóruns anônimos da deep web, os chans. Desde 2012, a escritora cearense, autora do blog Escreva, Lola, Escreva, já registrou 11 boletins de ocorrência contra os grupos extremistas que disseminam o ódio contra mulheres, negros, a população LGBT entre outras minorias. E sentiu na pele a perseguição destes grupos: ela, que é feminista, e o marido foram sabotados virtualmente e até ameaçados de morte.

Logo após o atentado na escola Raul Brasil, em Suzano, na região metropolitana de São Paulo, Lola declarou que o crime era uma tragédia anunciada, em virtude das ameaças dos channers (como são chamados os frequentadores dos fóruns). Em entrevista a O DIA, a escritora faz duras críticas à falta de investigação desses grupos virtuais que cultuam como "heróis" autores de massacres como o ocorrido em uma escola em Realengo, em 2011.

Ela também critica posicionamentos do presidente Jair Bolsonaro em relação a armas. "Qualquer estudo mostra que a liberação das armas aumenta a violência. Mas de um presidente que durante toda a campanha ensinou crianças a fazer arminha e até defendeu que crianças de 5 anos tivessem acesso às armas não se pode esperar nada de bom", diz.

Lola dá nome a uma lei, aprovada em abril de 2018, que atribui à Polícia Federal a investigação de crimes cibernéticos de misoginia. Mesmo assim, ainda vê a solução para o problema. Recentemente, sofreu ameaça de morte um usuário de um fórum ("disse que deste ano eu não passo") e passou todas as informações para as autoridades. Até agora, sequer foi chamada para depor. 

O DIA - Em um texto no seu blog, você diz que o massacre em Suzano era uma tragédia anunciada, por quê?

Lola Aronovich - Porque parece que de fato um dos atiradores frequentava o Dogolachan e avisou que iria cometer um massacre. Há prints. Porém, independentemente disso, eu monitorei o Dogolachan durante quatro anos, e não houve um dia sequer em que os membros não fantasiavam como iriam matar "a escória" (mulheres em geral, feministas em particular, negros, LGBT etc) assim que as armas fossem liberadas. Faz no mínimo quatro anos que eles cultuam "heróis" como o do Massacre de Realengo ou o do massacre na Califórnia, em 2014. Desta forma, eles tentam convencer outros rapazes a matarem para se tornarem "ícones" também.

Quando você entrou em contato com os chans? As ameaças começaram logo de cara?

Eu já havia sido atacada por alguns chans por ser feminista. Mas o chan que mais me perseguiu, o Dogolachan, foi uma criação do Marcelo (Valle Silveira Mello, fundador deste e de outros fóruns de disseminação de ódio) no segundo semestre de 2013, pouco depois que ele saiu da prisão. Só fiquei sabendo do chan no início de 2014, e isso porque Marcelo fez questão de me enviar um link. Ele queria que eu acompanhasse as ameaças diárias de morte, estupro e tortura contra mim.

Você procurou a polícia? Recebeu alguma orientação ou algum tipo de proteção na ocasião?

O primeiro boletim de ocorrência eu fiz em janeiro de 2012, por conta das ameaças do site de ódio Silvio Koerich, mantido por Marcelo e Emerson (Eduardo Rodrigues Setim, parceiro de crimes de Marcelo). Depois eu fiz vários outros BOs (11, no total). Um dos primeiros foi contra o Dogolachan, no final de 2014, quando eu estava recebendo ameaças por telefone na minha casa. Eu levei os prints que tirava. Lá eles planejavam tudo. Marcelo dava ordens para um neonazista gaúcho, que hoje está internado num manicômio, me ligar. Nunca recebi qualquer orientação ou qualquer tipo de proteção de qualquer polícia, seja Civil, Federal ou Delegacia da Mulher.

Qual o perfil dos integrantes desses fóruns de propagação de ódio?

A grande maioria dos channers (frequentadores de fóruns anônimos), dos Sanctos (como se autodenominam os homens do Dogolachan), e dos incels (celibatários involuntários, mais conhecidos como "virjões") mora com os pais. São adultos, maiores de idade, mas não estudam nem trabalham. Passam o dia espalhando ódio diante de um computador. Se eu fosse mãe e sustentasse um filho, gostaria de saber o que ele faz no computador o dia inteiro. Sei que não é fácil, há vários casos de Sanctos que batem na própria mãe. Mas tem Lei Maria da Penha para coibir isso.

Quais avanços você sentiu desde que a lei que leva o seu nome entrou em vigor?

Um mês depois que a Lei Lola entrou em vigor, Marcelo foi preso pela Operação Bravata. Mas não por causa da lei. As investigações haviam começado muito antes. A Lei Lola ainda está no começo. A Polícia Federal precisa levá-la mais a sério e nos orientar como denunciar e em qual casos. Um dos grandes avanços da Lei Lola é que, pela primeira vez, a palavra misoginia aparece numa lei.

Acredita que é possível combater esses fóruns?

Creio que seja impossível acabar com os chans, ainda mais na deep web, mas combatê-los é possível. Realmente, não há controle sobre o que acontece na Deep Web. Mas o Dogolachan existiu desde a segunda metade de 2013 até setembro de 2018 — ou seja, mais de cinco anos — na superfície. Houve algum tipo de monitoramento da polícia durante esses cinco anos? Algum agente tentou se infiltrar para descobrir a identidade dos criminosos? Por que não?

Eu não entendo como, no Brasil, um movimento legítimo e pacífico como o dos Sem Terra é considerado por muitos como uma organização terrorista, e um movimento de homens extremistas e frustrados na internet, que tem cometido centenas de crimes nos últimos anos, é visto como brincadeira de moleques. Mesmo na deep web, grupos extremistas devem ser monitorados. Eles são perigosos. Também os pais desses rapazes anti-sociáveis e revoltados deveriam saber o que seus filhos estão fazendo na internet.

Qual a importância da educação neste combate? 

É fundamental que uma discussão sobre questões de gênero, diversidade sexual, racismo, seja feita nas escolas. O caminho para uma sociedade com menos ódio tem que envolver a educação. Sabemos que liberar as armas, como este governo já começou a fazer, irá aumentar e muito o número de massacres em escolas e lugares públicos.

Qualquer estudo mostra que a liberação das armas aumenta a violência. Mas de um presidente que durante toda a campanha ensinou crianças a fazer arminha e até defendeu que crianças de 5 anos tivessem acesso às armas não se pode esperar nada de bom.

Lola AronovichArquivo pessoal
Como corporações responsáveis por redes sociais poderiam ajudar contra os crimes de ódio? 

As empresas da internet, como Google, Facebook, Twitter, WhatsApp etc também têm grande responsabilidade. Elas têm mecanismos não só para coibir o ódio, como também para incentivar os direitos humanos. É preciso que elas ajam e excluam perfis que espalhem ódio e mentiras. Já passou da hora de misóginos serem combatidos como terroristas.

As buscas pelos termos e por nomes de grupos da deep web aumentaram, vê isso como um ponto positivo ou um alerta?

Creio que um pouco dos dois. É algo positivo porque mostra que a população está se conscientizando de que esse perigo de fóruns de ódio existe. É também um alerta porque uma parte das pessoas que procura pode acabar influenciada pelos grupos.

Em um artigo recente seu (para o site The Intercept), a senhora menciona que Emerson Setim — um dos alvos da operação Bravata — está foragido na Espanha. Como  a senhora lida com um dos seus ameaçadores solto e agindo em um lugar que até as autoridades desconhecem os métodos?

Emerson não foi preso em maio do ano passado porque ele já havia fugido para a Espanha antes. Quando a Operação Bravata emitiu um mandado de prisão contra ele, ele já não estava mais no Brasil. Como havia um mandado para prendê-lo e ele não foi encontrado, creio que ele está foragido. Sei que o Jean Wyllys já enviou para a polícia a localização de Emerson em Madrid. Não entendo por que ele ainda não foi preso. Emerson é um lunático perigoso e um dos que me difamam e ameaçam, mas ele esta longe demais para representar um risco pra mim. Há channers mais perigosos.

Por exemplo, um rapaz chamado Breno Alves, de Franca. No dia 26 de fevereiro deste ano, ele me enviou uma ameaça de morte por e-mail dizendo que o Dogolachan vai contratar um pistoleiro para me matar em Fortaleza, e que deste ano eu não passo. Em junho do ano passado Breno gravou um vídeo com seu rosto dizendo que ele seria o próximo a se matar e me levaria junto com ele.

Eu sei o nome completo dele, sei a cidade onde ele mora, tenho imagens dele, ele faz parte do Dogolachan há anos, e faz dois anos agrediu um rapaz negro numa praça em Franca (saiu nos jornais locais; foi aberto inquérito). Eu passei tudo isso pra Polícia Federal e pra Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Por que a polícia ainda nem sequer o chamou para depor?

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