Cenas do vídeo no momento que João Alberto, negro, é espancado e assassinado por asfixia por seguranças (brancos) do Carrefour em Porto Alegre - Captura de vídeo
Cenas do vídeo no momento que João Alberto, negro, é espancado e assassinado por asfixia por seguranças (brancos) do Carrefour em Porto AlegreCaptura de vídeo
Por O Dia
No Dia da Consciência Negra o Brasil, que tem 56,10% da sua população declarada negra (soma de pretos e pardos), está de luto. Um homem negro foi espancado e morto por dois vigilantes brancos, sendo um deles policial militar temporário, em uma unidade do supermercado Carrefour em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O crime ocorreu na noite de quinta-feira.

A vítima, o soldador João Alberto Silveira Freitas, tinha 40 anos, o Beto, tinha ido com a esposa Milena Borges Alves, de 43, fazer compras. Na hora de passar os produtos pelo caixa, o homem foi chamado por seguranças e começou o show de horrores, filmado por funcionários da rede e pessoas que estavam no local e tentavam intervir, mas eram impedidas. Milena, após passar as compras no caixa, viu as agressões contra o marido e tentou ajudar, mas foi empurrada pelos agressores. A Brigada Militar foi chamada e os dois homens foram presos em flagrante. Eles responderão por homicídio triplamente qualificado, por asfixia e impossibilidade de resistência da vítima.

A morte de João Alberto causou revolta nas testemunhas que presenciaram o ato brutal. Paulão Paquetá, vizinho da vítima, contou que as pessoas tentaram impedir a ação, mas sem sucesso. "Estava chegando no local na hora das agressões. Eu estava a uns 10 metros quando começou. Tentamos intervir, mas não conseguimos", relata.

Números
É importante destacar que dos 209,2 milhões de habitantes do país, segundo o IBGE, 19,2 milhões se assumem como pretos, enquanto 89,7 milhões se declaram pardos. Os negros – que o instituto conceitua como a soma de pretos e pardos – são, portanto, a maioria da população. Ou seja, 56,10% da população brasileira.

Pelo Twitter, o vice-governador do Rio Grande do Sul e secretário estadual da Segurança Pública, Ranolfo Vieira Júnior, condenaram a ação violenta dentro do supermercado e disseram que vão apurar exaustivamente o caso. "Vamos apurar esse fato a sua exaustão, não podemos admitir ações dessa natureza", afirmou o governador.
Cenas do vídeo no momento que João Alberto, negro, é espancado e assassinado por asfixia por seguranças (brancos) do Carrefour em Porto Alegre - Captura de vídeo
Cenas do vídeo no momento que João Alberto, negro, é espancado e assassinado por asfixia por seguranças (brancos) do Carrefour em Porto AlegreCaptura de vídeo

A dinâmica do crime
Vídeos compartilhados nas redes sociais mostram parte das agressões sofridas por João Alberto Silveira Freitas e o momento que ele é atendido por socorristas. Em uma das gravações, o homem é derrubado e atingido por ao menos 12 socos. Ao fundo, uma pessoa grita "vamos chamar a Brigada (Militar)".

Uma mulher vestindo uma camisa branca e um crachá, que também seria funcionária do supermercado, aparece ao lado dos agressores, filmando a ação. Ela já foi identificada e será ouvida. Outro registro mostra a vítima desacordada, enquanto há marcas de sangue no chão.

Nota do Carrefour
Em nota enviada à reportagem, o Grupo Carrefour considerou a morte "brutal" e disse que "adotará as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos".
O Carrefour informou também que vai romper o contrato com a empresa responsável pelos seguranças envolvidos e que o funcionário que estava no comando da loja durante o crime "será desligado".
O grupo disse ainda que a loja será fechada em respeito à vítima e que dará o "suporte necessário" à família da vítima.
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'Ela (Milena) viu matarem o marido', lamenta amigo
Paulão Paquetá, vizinho da vítima, conta que a esposa de Beto também viu o espancamento, mas foi impedida de intervir. "Ela viu o marido sendo morto", lamenta. Segundo ele, cerca de outros oito seguranças ficaram no entorno da área, impedindo a aproximação das pessoas que tentavam parar com as agressões.
"Não pararam. A gente gritava 'tão matando o cara', mas continuaram até ele parar de respirar, fizeram a imobilização com o joelho no pescoço do Beto, tipo como foi com o americano (George Floyd, morto por policiais neste ano nos Estados Unidos).
"O presidente da Associação de Moradores e Amigos do Obirici, Paulão Paquetá, estima que as agressões duraram cerca de sete minutos. Ele diz que alguns motoboys que filmaram a violência tiveram os celulares tomados para não registrar toda a ação. "Quando viram que ele parou de respirar, eles se apavoraram. Chamaram a Brigada, que isolou ali e a Samu tentou reanimar, mas ele estava morto."

"Eu estava pagando no caixa, daí ele desceu na minha frente. Quando eu cheguei lá embaixo, ele já estava imobilizado. Ele pediu: 'Milena, me ajuda'. Quando eu fui, os seguranças me empurraram", contou Milena, mulher de Beto.

"É muito difícil. Revolta pela maneira que ele foi morto brutalmente. Ser humano nenhum merece ser agredido daquele jeito, ter a vida ceifada de maneira tão brutal, tão animal", diz Paulão.
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Cachorro conhecido como Manchinha foi agredido e morto por segurança do Carrefour - Reprodução Redes Sociais
Cachorro conhecido como Manchinha foi agredido e morto por segurança do CarrefourReprodução Redes Sociais
Relembre o caso da cadela Manchinha
Esta não é a primeira vez que o Carrefour protagoniza uma história de agressão. Em novembro de 2018, um outro segurança do supermercado que trabalhava em Osasco (SP) envenenou uma cadelinha, a Manchinha, e a espancou até a morte.

O Ministério Público estipulou que o Carrefour deveria pagar R$ 1 milhão em razão dos maus-tratos cometidos pelo funcionário. Do valor, R$ 500 mil serão destinados exclusivamente à esterilização de cães e gatos; R$ 350 mil para compra de medicamentos para o Hospital Municipal Veterinário ou que estejam no canil e R$ 150 mil para a aquisição de rações para associações destinadas ao cuidado de animais.
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Para Mourão, não existe racismo no Brasil. Números desmentem o vice
MORTES DE NEGROS NO BRASIL
MORTES DE NEGROS NO BRASILARTE O DIA
No Brasil, segundo especialistas, existem dois países: para negros, assassinatos cresceram 11,5% em 10 anos, e para brancos, caíram 13%, os percentuais constam do Atlas da Violência 2020. O levantamento é realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério da Economia. Mas para o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, "não existe racismo no Brasil". O mesmo discurso negacionista foi feito pelo presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo.

Já um estudo inédito feito pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e pela organização Terra de Direitos mostra que desde o início do ano passado o País registrou pelo menos 49 casos de discursos racistas proferidos por autoridades públicas. Desse total, 12 partiram do presidente Jair Bolsonaro.

O levantamento considerou o período a partir de 1º de janeiro do ano passado até o dia 6 deste mês. Do total de 49 casos identificados, 20 resultaram em abertura de algum tipo de apuração, seja por inquérito policial, ação ou procedimento administrativo. Até o momento, contudo, nenhum dos autores foi responsabilizado. E muitos dos casos foram arquivados.

"Nós estamos cansados de pedir providências às autoridades e elas rebaterem que isso se trata de liberdade de expressão", comentou Givania Maria da Silva, que integra a Conaq. "Essas autoridades têm imunidade do cargo, e nosso levantamento mostra que estão usando isso. A imunidade seria para outro fim, mas as autoridades a usam para proferir suas práticas de racismo."

Entre os registros, 12 partiram do presidente Jair Bolsonaro e outros 12 de deputados estaduais. Chefes de autarquias, de secretarias ou de outros órgãos de governo (11 casos), deputados federais (6), vereadores (5) e membros do sistema de Justiça (3) completam a lista.
Nos discursos racistas proferidos por autoridades públicas foram mapeados cinco tipos principais: reforço de estereótipos racistas; incitação à restrição de direitos; promoção da supremacia branca; negação do racismo; e justificação ou negação da escravidão e do genocídio.

Para Givania, "o discurso do presidente encoraja os racistas". Ela alertou ainda que os crimes mapeados partem de pessoas que, no fim das contas, exercem seus cargos às custas da população. "(O racismo) é sustentado e fomentado pelas instituições públicas, que, por sua vez, são bancadas por nossos impostos."

'Ocorrido não pode ser classificado como racismo'
O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou lamentar a morte de um homem negro espancado por seguranças em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre, mas disse que o ocorrido não pode ser classificado como um episódio de racismo. "Digo com toda a tranquilidade para você: não existe racismo no Brasil", afirmou Mourão.

Para Mourão o assassinato de João Alberto Freitas não teria algum componente racial. "Eu digo para vocês o seguinte, porque eu morei nos EUA: racismo tem lá. Eu morei dois anos nos EUA, e na escola em que eu morei lá, o 'pessoal de cor' andava separado. Eu nunca tinha visto isso aqui no Brasil. Saí do Brasil, fui morar lá, era adolescente e fiquei impressionado com isso aí. Isso no final da década 60", disse.

"Mais ainda, o pessoal de cor sentava atrás do ônibus, não sentava na frente do ônibus. Isso é racismo. Aqui não existe isso. Aqui você pode pegar e dizer é o seguinte: existe desigualdade. Isso é uma coisa que existe no nosso país", prosseguiu Mourão.

Damares Alves
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, se solidarizou e colocou a pasta à disposição da família de João Alberto Silveira Freitas. Nas redes sociais, Damares disse que as imagens do ocorrido causam indignação e revolta".

"Nós do @mdhbrasil estamos trabalhando para que nenhum pai de família, ou quem quer que seja, passe por situação semelhante. Aqui trabalhamos com os direitos humanos das vítimas de crimes, política que está em formulação e será em breve apresentada".

Enquanto isso na Fundação Palmares...
O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, também afirmou, por meio de uma rede social, que não há "racismo estrutural" no Brasil. Para Camargo, o racismo no Brasil é "circunstancial". É importante destacar que a Fundação Palmares tem como atribuição preservar valores da cultura negra.

"Não existe racismo estrutural no Brasil; o nosso racismo é circunstancial — ou seja, há alguns imbecis que cometem o crime. A 'estrutura onipresente' que dia e noite oprime e marginaliza todos os negros, como defende a esquerda, não faz sentido nem tem fundamento", escreveu o presidente da fundação no Twitter.
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No CNJ, Fux pede 1 minuto de silêncio pela morte de Beto
O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu a sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ontem, pedindo um minuto de silêncio em homenagem a João Alberto Silveira Freitas.

"Independentemente de versões, o que deve nos preocupar é a violência desacerbada. Toda violência deve ser banida da nossa sociedade, mas esse episódio é triste, porque ocorreu exatamente no dia em que comemoramos o Dia Nacional da Consciência Negra", lamentou Fux.

No Twitter outras personalidades se manifestaram. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) escreveu que "o racismo é a origem de todos os abismos desse país". Segundo o ministro do Superior Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, "o episódio só demonstra que a luta contra o racismo e contra a barbárie está longe de acabar".

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro escreveu que deseja que os responsáveis pela morte de João Alberto sejam "punidos com rigor".

A ex-presidente Dilma Rouseff (PT) fez uma sequência de tuítes, e finalizou com: "Só haverá paz e democracia plena quando o racismo estrutural for enfrentado, punido e destruído".
Davi Alcolumbre, presidente do Senado, afirmou que a morte de João Alberto "estarrece e escancara a necessidade de lutar contra o terrível racismo estrutural que corrói nossa sociedade".
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Protestos e comemoração no Dia da Consciência Negra
Rio de Janeiro 20/11/2020 - Manifestantes ocuparam a filial do Carrefour na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, em protesto pelo assassinato de um homem numa unidade do supermercado em Porto Alegre. Foto: Luciano Belford/Agencia O Dia
Rio de Janeiro 20/11/2020 - Manifestantes ocuparam a filial do Carrefour na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, em protesto pelo assassinato de um homem numa unidade do supermercado em Porto Alegre. Foto: Luciano Belford/Agencia O Dia Luciano Belford/Agencia O Dia
O Dia da Consciência Negra no Rio de Janeiro foi divido: de um lado celebração à cultura negra e fortalecimento de seus laços no monumento de Zumbi dos Palmares, no Centro. De outro, protestos cobraram justiça pela morte de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, assassinado por seguranças do Carrefour em Porto Alegre.
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De outro lado, comemorações do Dia da Consciência Negra - Estefan Radovicz / Agencia O Dia
De outro lado, comemorações do Dia da Consciência NegraEstefan Radovicz / Agencia O Dia


No Rio de Janeiro, uma multidão se reuniu dentro de uma das unidades do hipermercado pedindo explicações. Nas imagens, é possível ver os manifestantes gritando "assassino Carrefour". Vídeos do momento foram compartilhados nas redes sociais.

Protestos ocorreram em todo país. Em Belo Horizonte, uma multidão se reuniu em frente ao Carrefour localizado no Centro da capital mineira. O Rapper Djonga esteve no ato que tem como bandeira 'Nossas vidas importam! Parem de nos Matar!'.

Em São Paulo uma manifestação pacífica acabou com vidraças quebradas no shopping Pamplona, onde tem um supermercado Carrefour. Em Brasília a manifestação foi em frente ao mercado na Asa Norte.