São enganosas postagens na internet que vinculam morte de adolescente, na Paraíba, à vacina contra a covid-19. Autoridades de saúde investigaram o caso e descartaram relação de causalidade entre a aplicação do imunizante e o óbitoReprodução da internet
Em 29 de outubro, o canal entrevistou a mãe do menino e informou que o caso ainda estava sob investigação. Ele havia tomado a primeira dose da vacina em 8 de outubro e morreu no Hospital Infantil Arlinda Marques, no dia 26. A família relatou dores de cabeça, tonturas e enjoo nos primeiros dias após a vacinação, seguidos de convulsões e paradas cardíacas quando o quadro de saúde se agravou.
Procurada pelo Comprova, a Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba disse que o Ministério da Saúde apurou o caso e descartou qualquer relação da vacina com a morte. Segundo a pasta, o adolescente tinha uma doença cardiológica congênita, e a família recebeu todas as informações sobre a conclusão do ocorrido em janeiro de 2022. Em nota, o governo federal confirmou a informação: “O Ministério da Saúde informa que a investigação sobre esse caso foi encerrada com a conclusão de que o óbito não teve causalidade relacionada com as vacinas covid-19”.
Em janeiro, quase três meses depois de o caso ser noticiado pela TV Arapuan, políticos e usuários anônimos do Facebook passaram a expor novamente a história do menino para atacar os imunizantes contra a covid-19. O vereador de Garanhuns Thiago Paes (DEM-PE) e a deputada federal Alê Silva (PSL-MG) amplificaram a desinformação em suas redes, assim como um suposto economista em um blog na internet.
O Comprova tentou contato com eles, mas não obteve retorno. Os posts foram considerados enganosos nesta checagem porque retiram um conteúdo de seu contexto original e confundem a população com dados desatualizados e omissão de informações.
Em seguida, para atualizar o andamento do caso, os jornalistas procuraram, por e-mail e telefone, a Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa, a Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba, o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Por meio de buscas avançadas no Google, o Comprova chegou a um documento do governo do Estado da Paraíba sobre o caso do menino e a perfis de familiares no Facebook que ajudaram a identificar o seu nome. A verificação tentou contatar a mãe do adolescente, mas não conseguiu entrevistá-la até a publicação desta checagem.
Por fim, a verificação analisou as postagens com o nome do adolescente, neste mês, no Facebook, e constatou que elas ganharam alcance por meio de posts de políticos e em meio a um caso de aplicação irregular de vacinas na Paraíba. O Comprova buscou o contraponto dos principais agentes de desinformação por meio de contatos públicos, como números de telefone dos gabinetes e e-mails, mas não houve resposta.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de janeiro de 2022.
A nota informativa nº 46 da Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba, divulgada em 27 de outubro, aponta que o caso foi notificado como uma possível reação adversa da vacina pelo Hospital Arlinda Marques. Apesar de o documento não citar o nome do paciente, os dados conferem com o relato da família para a TV Arapuan: era um adolescente, sexo masculino, 15 anos, residente de João Pessoa, que havia recebido a vacina da Pfizer, no dia 8, e morreu na instituição, em 26 de outubro.
"O caso está sendo investigado desde o dia da notificação, através da coleta de informações domiciliares e hospitalares de forma conjunta pelo Estado e município, dado o caminho percorrido pelo referido paciente na rede assistencial", informa o documento: "Para a investigação, é solicitada documentação complementar (prontuários médicos, laudos de exames laboratoriais e de imagem, relatórios de evolução de todos os serviços em que o paciente deu entrada para atendimento). O caso grave e pareceres estão sendo discutidos com corpo técnico do PNI/MS, visando a elucidação do caso."
Com base nessas informações, o Comprova entrou em contato com as autoridades de saúde para atualizar o andamento da investigação. A Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba respondeu por e-mail, em 20 de janeiro: "O caso em questão foi investigado pelo Ministério da Saúde, que afastou a relação com a vacina. O menor tinha uma doença cardiológica congênita. A família recebeu da equipe de infectologistas do Ministério todas as informações em janeiro", declarou a pasta.
Procurado no mesmo dia, o governo federal confirmou a informação. "O Ministério da Saúde informa que a investigação sobre esse caso foi encerrada com a conclusão de que óbito não teve causalidade relacionada com as vacinas covid-19", respondeu, por e-mail.
De acordo com a pasta, os eventos adversos pós-vacinação são raros, e todos os casos graves suspeitos são discutidos semanalmente em um comitê formado pelo Programa Nacional de Imunização (PNI), pela Gerência de Farmacovigilância da Anvisa, pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz) e outros especialistas de diversas áreas da medicina, em conjunto com as secretarias estaduais.
O Comprova pediu mais detalhes ao Ministério da Saúde e à Anvisa, incluindo a causa exata da morte do adolescente e os fatores que levaram os técnicos a descartarem a relação entre o óbito e a vacina da Pfizer. A Anvisa respondeu que não é possível abordar o assunto publicamente em observância à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). O Ministério da Saúde não retornou esse segundo contato até a publicação desta checagem.
Comparando o vídeo da reportagem completa no canal da TV Arapuan, no YouTube, com a peça compartilhada pelo vereador, o Comprova constatou que foi suprimido o trecho inicial da reportagem, em que o apresentador do telejornal e o repórter citam o nome do jovem e a sua idade, 15 anos.
Ao omitir esses dados básicos, o político dificulta a busca por mais informações sobre o caso e pode causar confusão quanto à aplicação de vacinas pediátricas em crianças de 5 a 11 anos — faixa etária que foi incluída recentemente na campanha de imunização contra a covid-19. É possível notar o engano em comentários no post, onde usuários suspeitam que o menino tenha sido vacinado com doses destinadas a adultos, o que não faz sentido, já que o imunizante da Pfizer para adultos foi liberado para todas as pessoas com mais de 12 anos.
O post do vereador também omite o trecho final da entrevista da TV Arapuan com a secretária executiva da Saúde da Paraíba, Renata Nóbrega, em que ela fala sobre a necessidade de coleta de mais informações e da conclusão de exames para confirmar se a morte realmente teve alguma relação com a vacina.
A reportagem original foi veiculada no programa "Rota da Notícia", em 29 de outubro de 2021. O Comprova chegou ao vídeo ao pesquisar palavras-chave no campo de busca do YouTube. Em contato com os verificadores, a gerente de jornalismo da TV Arapuan, Dayana Lucas, reforçou que o conteúdo não é atual e que a Secretaria da Saúde já se manifestou sobre o resultado do laudo, descartando a hipótese de que o adolescente tenha morrido em decorrência da vacina.
De acordo com relatório da Secretaria Estadual da Saúde obtido pelo G1, vacinas vencidas e destinadas a adultos foram aplicadas em 36 crianças da cidade, enquanto outras 13 receberam a dosagem errada do imunizante, mas dentro do prazo de validade. O caso está sendo investigado pelo Ministério Público Federal (MPF).
Um dos perfis que aproveitou os acontecimentos recentes para espalhar desinformação foi o da deputada federal bolsonarista Alê Silva (PSL-MG), em 16 de janeiro. "Também na Paraíba (há 2 meses), lamentavelmente, morreu […], 15 anos, depois de sentir fortes dores de cabeça, tontura e vômito no dia seguinte à v@c*n@", escreveu a deputada, trocando letras por caracteres na palavra "vacina". Essa é uma tática comumente adotada para fugir do monitoramento de conteúdo das plataformas.
O post de Alê Silva é o mais antigo entre aqueles publicados em janeiro no Facebook contendo o nome do menino, segundo levantamento do Comprova, realizado por meio da ferramenta CrowdTangle. Depois, o mesmo texto foi repostado pelo deputado federal Éder Mauro (PSD-PA), e prints da mensagem circularam em páginas e grupos de apoio ao governo Jair Bolsonaro (PL) e entre apoiadores anônimos.
Antes mesmo de o caso da aplicação irregular de vacinas em Lucena ser conhecido, um blog na internet divulgou um link de um texto, escrito em 15 de janeiro, contendo a mesma gravação antiga da TV Arapuan, com os mesmos cortes que aparecem no post do vereador de Garanhuns. Assim como os demais, o site não citou o desfecho das investigações dos órgãos de saúde, que descartaram a relação entre a morte e a vacina da Pfizer.
Diante da viralização de conteúdos similares, o UOL Confere publicou uma notícia esclarecendo que a morte do adolescente em João Pessoa não teve relação com a vacina da Pfizer. A reportagem informou sobre o parecer do Ministério da Saúde no dia 19 de janeiro.
Perfis de viés antivacina costumam espalhar supostos casos de eventos adversos das vacinas nas redes sociais para questionar a segurança dos imunizantes — omitindo posicionamentos do Ministério da Saúde, da Anvisa e de entidades médicas, além de órgãos de saúde internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatos enganosos sobre esse tema podem desestimular a vacinação de crianças e adolescentes.
Não é a primeira vez que o Comprova desmente a relação entre uma morte e os imunizantes contra a covid-19. O projeto mostrou recentemente, por exemplo, que um adolescente brasileiro de Vale do Anari (RO), de 13 anos, teve o nome exposto em um protesto anti-vacina nos Estados Unidos, mas não morreu por causa da vacina.
Da mesma forma, um vídeo que mostra um pai desesperado em um hospital foi filmado depois que uma mulher e o filho morreram durante um parto prematuro em Manaus, em 2019, antes da pandemia da covid-19. Posts nas redes sociais resgataram o conteúdo agora para dizer que o homem estaria revoltado com a morte de uma criança por causa da vacina, o que é falso.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
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