Comprova verifica conteúdo duvidoso, divulgado na internet, sobre protestos em ParisReprodução
O primeiro vídeo, visualizado mais de 63 mil vezes no TikTok antes de ser apagado pelo usuário na quinta-feira (3), foi gravado em Estocolmo, na Suécia, no dia 22 de janeiro de 2022. A legenda inserida na imagem mente duas vezes: primeiro, ao dizer que o ato ocorreu em frente ao prédio da Pfizer em Paris, e novamente ao dizer que o motivo da manifestação eram mortes e reações adversas provocadas pela vacina.
O segundo vídeo, compartilhado no Facebook, realmente mostra uma manifestação em frente à sede da Pfizer em Paris, no dia 29 de janeiro de 2022. Mas a legenda também mente sobre o motivo do protesto. Ele também era contra o passaporte vacinal, instituído na França em 24 de janeiro.
Consultadas pelo Comprova, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA), a Food and Drug Administration (FDA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) não identificaram “milhares de mortes” relacionadas às vacinas. E afirmam que a grande maioria dos efeitos adversos são leves e de curta duração, sendo raros os casos graves.
Procurado, o autor da postagem no TikTok afirmou que recebeu o conteúdo por um grupo de WhatsApp e repostou. Após contato do Comprova, o vídeo foi excluído. Já a mulher que fez a publicação no Facebook não respondeu às mensagens.
O Comprova classificou esses conteúdos como falsos porque alteram a pauta dos protestos de modo deliberado, para espalhar uma mentira.
As buscas levaram aos vídeos originais, por meio dos quais foi possível identificar as pautas das manifestações e seus organizadores. Nos protestos, nas reportagens que cobriram os eventos e nas páginas dos responsáveis pelos atos não há qualquer menção a “milhares de mortes e efeitos adversos das vacinas”.
Em seguida, o Comprova buscou dados oficiais sobre efeitos adversos das vacinas e possíveis mortes relacionadas aos imunizantes. Foram procurados, por e-mail, a EMA, a OMS, a FDA e o CDC.
Também procuramos o governo francês e a Pfizer, que é citada nas postagens. Tivemos respostas da EMA, da FDA, da OMS e da Pfizer.
Por fim, o Comprova entrou em contato com os autores das publicações.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 4 de fevereiro de 2022.
A partir do mecanismo de busca reversa, o Comprova encontrou o vídeo original, publicado no dia 22 de janeiro pela página de um grupo sueco chamado Frihetsrörelsen — Movimento de Liberdade, em tradução livre.
Buscando por notícias locais sobre o protesto na Suécia, os resultados retornaram uma matéria do Svenska Dagbladet, que informa que, no dia 22, ocorreram manifestações em Estocolmo e Gotemburgo contra o passaporte da vacina. A primeira reuniu entre 8 e 9 mil participantes, que partiram da praça Norrmalmstorg e marcharam ao longo de Hamngatan até a praça Sergel.
Ao buscar por esses locais no Google Street View, foi possível identificar prédios, placas e outros elementos que correspondiam às imagens do vídeo. Dessa forma, confirmamos que o protesto não ocorreu em frente ao prédio da Pfizer em Paris e, sim, em Estocolmo.
As manifestações aconteceram no dia 29 em diversos pontos da França. Tanto a imprensa francesa quanto a internacional (1, 2, e 3) noticiaram os atos. O jornal Le Parisien publicou que o Ministério do Interior calculou em 30 mil pessoas o número de manifestantes em 162 atos espalhados pelo país naquele sábado.
Na capital, Paris, foram cerca de 5,3 mil pessoas em quatro atos distintos, sendo um deles uma marcha até o prédio sede da Pfizer, na Av. du Dr Lannelongue. Este vídeo da agência Ruptly mostra os manifestantes próximos ao edifício sede da farmacêutica, mesmo local onde foi feito o material postado no Facebook. O vídeo fala em cerca de 250 participantes.
Os dados divulgados pelo Ministério do Interior mostraram, contudo, um número menor de manifestantes e de atos em todo o país. Se no dia 29 foram 30 mil pessoas em 162 manifestações, no final de semana anterior tinham sido 38 mil manifestantes em 171 protestos espalhados por toda a França.
No caso dos atos ocorridos na França, há pelo menos três organizadores. O grupo Union Citoyenne pour la Liberté, cuja logomarca aparece em faixas nos protestos, os chamados coletes amarelos e o candidato à presidência pelo partido de direita Patriots, Florian Philippot.
Um texto publicado no portal francês InfoDuJour, uma convocação favorável aos atos do dia 29 de janeiro e que se refere à política de saúde da França como “estúpida, restritiva e enganadora”, diz que os atos são contra a política sanitária e contra o presidente Emmanuel Macron. Os atos ocorreram a 75 dias do primeiro turno das eleições presidenciais na França, sem mencionar mortes ou reações adversas pelas vacinas.
A EMA é responsável pela avaliação científica, supervisão e monitoramento da segurança dos medicamentos em utilização nos países da União Europeia (UE) e do Espaço Econômico Europeu (EEE). São 30 países no total, incluindo França e Suécia, onde ocorreram as manifestações que aparecem nos vídeos aqui verificados.
A agência afirma que todas as vacinas autorizadas para uso na Europa são seguras e efetivas no combate à covid-19. São elas: ComiRNAty (Pfizer/BioNTech), COVID-19 Vaccine Janssen, Vaxzevria (AstraZeneca) e Spikevax (Moderna).
“Elas foram avaliadas em dezenas de milhares de participantes em ensaios clínicos e atenderam aos padrões científicos da EMA para segurança, eficácia e qualidade”, diz a agência.
Na página com informações sobre a vacina da Pfizer, à qual se referem os vídeos aqui verificados, a EMA informa que os efeitos adversos mais comuns do imunizante são geralmente leves e moderados, e incluem dor e inchaço no local da injeção, cansaço, dor de cabeça, dores musculares e nas articulações, calafrios, febre e diarreia.
No último boletim da EMA sobre segurança das vacinas, de 20 de janeiro, a agência informa que estudos estão em andamento para confirmar outro possível evento adverso: a síndrome de extravasamento capilar (Capillary leak syndrome) – um distúrbio caracterizado pelo vazamento de fluido dos vasos sanguíneos, causando inchaço dos tecidos e queda da pressão arterial.
Não há alertas da EMA sobre risco de morte relacionado a qualquer efeito adverso da vacina.
Os dados sobre supostos eventos adversos das vacinas são coletados no sistema EudraVigilance, que recebe notificações espontâneas de indivíduos e agentes de saúde. De acordo com a EMA, esses dados são avaliados pelo Comitê da Farmacovigilância da agência (Prac, sigla em inglês) para a detecção de possíveis comportamentos inesperados.
Segundo dados do EudraVigilance, foram espontaneamente notificados 522 mil casos de supostos eventos adversos após a vacina da Pfizer, sendo 6.490 desses com resultado final morte. Os números aparecem no último boletim de segurança das vacinas, e são acompanhados da seguinte observação:
“O fato de alguém ter tido um problema médico ou ter morrido após a vacinação não significa necessariamente que isso tenha sido causado pela vacina. Isso pode ter sido causado, por exemplo, por problemas de saúde não relacionados à vacinação”.
Já o site do EudraVigilance traz a seguinte ressalva em relação às notificações espontâneas de eventos adversos:
“As informações neste site referem-se a efeitos colaterais suspeitos, ou seja, eventos médicos que foram observados após a administração das vacinas COVID-19, mas que não estão necessariamente relacionados à vacina ou tenham sido causados por ela. Esses eventos podem ter sido causados por outra doença ou estar associados a outro medicamento tomado pelo paciente ao mesmo tempo”.
A informação é reforçada em troca de e-mail entre a EMA e o Comprova:
Neste vídeo, a EMA afirma que as notificações de casos suspeitos de efeitos colaterais pós-vacinação “são, frequentemente, não relacionados à vacina”.
Sobre a análise desses dados, a agência afirma que:
“A avaliação científica da EMA leva em consideração muitos outros fatores, como o histórico médico do paciente, a frequência da suspeita de reação adversa na população vacinada em comparação com a frequência na população geral e se é biologicamente plausível que a vacina possa ter causado o evento. Apenas uma avaliação detalhada de todos os dados disponíveis permite tirar conclusões robustas sobre os benefícios e riscos das vacinas covid-19”.
A última atualização no site do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, de 31 de janeiro deste ano, aponta nove mortes por trombose com síndrome de trombocitopenia (TTS) associadas à vacina da Janssen, em um total de 18,1 milhões de doses aplicadas do imunizante. O número corresponde a 0,00005% do total de casos.
As vacinas em utilização nos EUA são a ComiRNAty (Pfizer/BioNTech), Spikevax (Moderna) e Janssen COVID-19 Vaccine.
Assim como a EMA, o FDA e o CDC classificam as vacinas contra a covid-19 como seguras e efetivas no combate à covid-19.
Sobre mortes e reações adversas provocadas pela vacina, informou que “a Pfizer encara com muita seriedade os eventos adversos potencialmente associados à vacina ComiRNAty. A companhia acompanha de perto todos os eventos e coleta informações relevantes para dividir com autoridades reguladoras globais”.
Em nota, acrescentou que “a Pfizer já distribuiu globalmente mais de 2,7 bilhões de doses da vacina ComiRNAty em mais de 168 países ao redor do mundo e não há, até o momento, qualquer alerta de segurança ou preocupação, de modo que o benefício da vacinação segue se sobrepondo a qualquer risco”.
“A observação consistente até agora, em todos os países, foi que os benefícios das vacinas superam em muito os riscos”, diz a OMS.
O vídeo, de fato, foi apagado do aplicativo após o contato do Comprova. Porém, segue disponível no perfil do Facebook de Marconi com a legenda “Prédio da Pfizer cercado em Paris, o povo grita assassinos, devido às milhares de mortes e efeitos adversos das vacinas. Isso a Globo não mostra.” Na publicação, o homem ainda marcou o deputado Carlos Jordy, as deputadas Carla Zambelli e Bia Kicis e o presidente Jair Bolsonaro.
O Comprova também procurou a autora do post no Facebook, Elza Elice Monfradini, mas não tivemos resposta até o momento.
As postagens compartilhadas no TikTok e no Facebook aqui verificadas acumulavam mais de 63 mil interações nas duas redes, antes de o vídeo do TikTok ser retirado do ar pelo usuário, na tarde da última quinta-feira, 3. Embora eles mostrassem imagens de protestos que realmente aconteceram, as duas postagens enganavam ao afirmar que as pessoas se manifestaram contra mortes e reações adversas graves provocadas por vacinas. Os atos eram, na verdade, contra o passaporte vacinal.
O MonitoR7 também checou a veracidade do vídeo do protesto ocorrido em frente ao prédio da Pfizer. Publicações que questionam a segurança das vacinas são constantemente checadas pelo Comprova. Recentemente, a equipe mostrou que os efeitos adversos à vacinação são raros e os benefícios superam os riscos e que não há registro de mortes de crianças causadas por vacinas contra a covid-19 no Brasil.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
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