Publicado 14/02/2022 14:25
Rio - A repercussão da fala do youtuber Bruno Aib, conhecido como Monark, sobre a legalização de partidos nazistas no Brasil e o caso do comentarista Adrilles Jorge, demitido da Jovem Pan após fazer um gesto apontado como uma saudação nazista reacendeu o debate sobre o crescimento de ideias antisemitas em nosso país e o uso do "dog whistle" como estratégia política. O termo, que traduzido para a língua portuguesa significa "apito de cachorro", faz analogia ao fato deste objeto ser inaudível para os humanos e ter um som ensurdecedor para os cães. Ou seja, a mensagem é captada por determinados grupos, mas não é compreendida pela maioria.
"Quem faz algum tipo de sinal que é identificado por grupos neonazistas ou supremacistas brancos está sinalizando para estes grupos que 'estão com eles', já que o dog whistle é uma tática que indica pertencimento, ajudando a indicar quem é do grupo e a recrutar novos participantes ", explica o professor de Filosofia, doutorando pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador da extrema direita, Renato Levin.
O educador também frisa que a medida é uma tática utilizada globalmente entre extremistas como uma forma de comunicação, que foi introduzida no Brasil em 2013 pelo grupo Movimento Brasil Livre (MBL) cujo mentor brasileiro foi o autointitulado filósofo Olavo de Carvalho. "Os conspiracionistas acreditam que estão dentro de um jogo, em que eles são a parte que luta contra um grande ser, uma grande mídia que esconde a verdade, assim como ilustrado no filme Matrix. E quando isso migra para a política, com a ajuda das redes sociais, vemos sua gameficação".
Outro ponto importante sobre "dog whistle", de acordo com Levin, é o fato de quem o pratica não admitir que o fez, colocando quem o identifica como "lacrador" — termo muito utilizado na internet para se referir àqueles que "querem aparecer". "Essa tática só funciona bem porque é facilmente dissimulada", aponta.
Já o cientista político integrante do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV NPII), Leonardo Paz, destaca que a utilização do "dog whistle" é uma forma de tornar mais palatável um discurso que não é bem visto, além da tática também ser interpretada como uma forma de provocação.
Paz ressalta ainda que o fato do "dog whistle" usar uma linguagem camuflada, que só é identificada por integrantes de determinados grupos, dificulta a responsabilização judicial de quem a pratica. "Quem faz o gesto acaba passando uma mensagem de que fez um ato considerado ilegal, mas que não aconteceu nada, de que eles não vão ser pegos, gerando assim uma sensação de impunidade".
Cinco vezes em que a estratégia de 'dog whistle' teria sido utilizada no contexto brasileiro
O governo Bolsonaro e pessoas ligadas ao bolsonarismo colecionam momentos em que foram relacionados ao Nazismo, de acordo com pesquisadores. Confira abaixo alguns deles:
Gesto nazista na Jovem Pan
O ex-BBB e comentarista político Adrilles Jorge causou revolta nas redes socias ao fazer a saudação nazista, ao vivo, durante o programa "Opinião", comandado pelo jornalista William Travassos, na Jovem Pan News, nesta terça-feira. Ao final de sua fala, Adrilles fez uma variação do "sieg heil", saudação usada por Hitler e seus apoiadores.
A variação da saudação nazista feita por Adrilles não é a mais conhecida. O gesto feito pelo comentarista político, com o braço flexionado e a mão aberta na altura do rosto, era realizado por Hitler e pelo ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels, após discursarem em resposta a saudação feita pelo público.
Assessor da presidência e gesto da supremacia branca
O assessor internacional do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Filipe Martins, fez um gesto de "OK" com as mãos de um jeito específico, como se mantivesse três dedos retos em forma da letra W. O momento foi flagrado durante transmissão na TV Senado, em março de 2021. O gesto é apontado como um símbolo da supremacia branca e faz referência ao nazismo.
Roberto Alvim e Joseph Goebbels
Em janeiro de 2020, o então secretário da Cultura Roberto Alvim apareceu em um vídeo em que falava trechos de uma citação do ministro de propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels. As imagens foram utilizadas para divulgar o Prêmio Nacional das Artes e foi postada nas redes sociais pela Secretaria Especial da Cultura do governo Bolsonaro. Além do discurso, a estética do vídeo, com Alvim sentado em uma mesa, com quadro atrás e cabelos também penteados para trás, eram muito semelhantes a uma fotografia de Goebbels. Alvim foi demitido por Bolsonaro após a repercussão do caso.
Copo de leite
Durante uma transmissão em seu perfil no Facebook, em maio do ano passado, Jair Bolsonaro surgiu bebendo leite. O ato foi relacionado a uma prática de movimentos neonazistas americanos, que tomam leite como símbolo da supremacia branca.
Devido a repercussão do caso, Eduardo Bolsonaro ironizou as críticas recebidas pelo pai e postou uma foto dos atores Lázaro Ramos e Thais Araújo bebendo leite puro para mostrar que a relação feita por estudiosos não era verídica. Dias depois, o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos repetiu o gesto do presidente em outra live.
Saudação de paraquedistas
Também em maio de 2020, ex-colegas de Jair Bolsonaro, que atuaram com ele como paraquedista das Forças Armadas, fizeram um ato em frente ao Palácio do Planalto. Na ocasião, eles saudaram o chefe do Executivo com o braço direito estendido, e gritaram “Bolsonaro somos nós”. A atitude foi vista por historiadores como alusão a integrantes do regime nazista.
Leia mais
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.