Vilma Nascimento, de 85 anos, considerada a maior porta-bandeira de todos os tempos, acusa a loja da Duty Free do Aeroporto de Brasília de injúria racial. Segundo a filha da baluarte, Danielle Nascimento, 47 anos, que a acompanhava, funcionárias teriam impedido a saída das duas do estabelecimento por, suspostamente, "portar um objeto que não havia sido pago", na terça-feira (21). Vilma voltava de uma homenagem na Câmara dos Deputados pelo Dia da Consciência Negra.
Baluarte do carnaval, Vilma Nascimento denuncia injúria racial em loja do aeroporto de Brasília Crédito: Arquivo Pessoal pic.twitter.com/v8geB30zSG
Danielle, que é bacharel em Direito, relatou que estava comprando chocolates para sua família enquanto Vilma circulava pelo espaço. "Minha mãe é curiosa. Enquanto eu fazia minhas compras, ela ficou rodando pela pela loja, olhando as prateleiras", disse.
Ao final, após pagar os produtos, a filha chamou a ex-porta-bandeira para ir embora. Segundo ela, nesse momento, duas funcionárias a abordaram dizendo que ambas "estavam em posse de produtos que não haviam sido pagos". Danielle se defendeu dizendo que havia pago pelos itens que estava carregando e que, inclusive, dispunha da nota fiscal que comprovava o pagamento.
Durante a abordagem, ela teria ouvido pelo rádio de uma das colaboradores que "teria que revistar a senhora que estava atrás", se referindo à Vilma Nascimento. Segundo a filha, a idosa ficou "extremamente irritada, inclusive pelo fato de uma uma fiscal ir para a porta da loja".
"Minha mãe nunca pegou nada de ninguém. Ela ficou surpresa, revoltada e envergonhada, porque tudo aconteceu no meio da loja, na frente de clientes e outras pessoas. Foi muito constrangedor. Revoltante!", desabafou.
No entanto, por orientação da filha, a ex-porta-bandeira permitiu a revista nos seus pertences, que foi gravada. Após nada ser encontrado, Danielle disse que chamaria a polícia para denunciar o caso, e relatou desprezo por parte das funcionárias.
"Depois que elas olharam as coisas da minha mãe, eu falei que ia chamaria a polícia, e fiz alguns questionamentos do porquê daquelas acusações. Só que, tanto a fiscal, quanto a atendente, ignoraram tudo que eu estava falando", relatou.
Danielle, então, contou que, com a proximidade do horário do embarque - marcado para 18h - decidiu ir embora, mesmo sem a chegada de uma autoridade policial, e ainda teria ouvido que "elas querem fugir", de uma das funcionárias.
Vilma e a filha se dirigiram então ao guichê de embarque da companhia aérea que as levariam de volta ao Rio de Janeiro. Ao chegarem no local, teriam sido acolhidas por funcionárias que ofereceram água para as mulheres. Segundo Danielle, a ex-porta-bandeira teve dificuldades de locomoção devido a uma queda sofrida alguns dias antes.
"Todo esse acontecimento atrasou a gente e quase perdemos o voo. Minha mãe teve que andar rápido, mesmo sentindo dor, porque caiu a uns dias atrás. Quando as atendentes da Latam viram nosso estado, se prontificaram a ajudar, colocando minha mãe para repousar, e nos deram um pouco de água", contou.
Elas teriam sido orientadas a buscar ajuda policial mas, de acordo com Danielle, por medo de perder o voo, preferiram seguir viagem. "Nós ficamos preocupadas em não conseguir embarcar e ficar por lá. Minha mãe tem idade e toda aquela situação já estava cansativa para ela", disse. Apesar disso, ela pretende entrar com uma ação contra a empresa.
Procurada pelo DIA, a assessoria da Duty Free se posicionou por meio da seguinte nota. A empresa afirmou que pretende procurar a família.
"A Dufry Brasil, uma empresa do Grupo Avolta, pede publicamente desculpas pelo lamentável incidente ocorrido na loja do aeroporto de Brasília. A abordagem feita pela fiscal de segurança da loja está absolutamente fora do nosso padrão. Em razão da falha nos procedimentos, a profissional foi afastada de suas funções. Este tipo de abordagem não reflete as políticas e valores da empresa.
A Dufry está reforçando todos os seus procedimentos internos e treinamentos, em linha com as suas políticas, para impedir que situações assim se repitam."
A Inframerica, concessionária que administra o Aeroporto de Brasília, não se manifestou sobre o incidente. O espaço segue aberto.
Repercussão nas redes sociais
Após a divulgação dos vídeos da abordagem nas redes sociais, políticos e personalidades do carnaval carioca se manifestaram sobre o caso. A deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ), repudiou o caso na sua página do Instagram: "Um dia homenageada pelo parlamento, no outro, discriminada. A nossa excelentíssima Vilma Nascimento, presente no cortejo solene do Dia da Consciência Negra da Câmara, foi vítima de racismo em uma loja do aeroporto de Brasília. Esse é um retrato certo de como funciona o debate racial no país. Na prática, o procedimento é outro!"
O repórter da TV Globo, Alex Escobar também comentou o incidente: "Que tristeza, que absurdo". Enquanto a apresentadora Astrid Fontenelle estava entre os famosos que demonstraram indignação: "Mais um lamento! Absurdo!"
A atual porta-bandeira da Portela, Squel Jorgea, 40 anos, também se manifestou: "Que absurdo...que tristeza esse relato, sentimento de impotência".
Portela emite nota de repúdio
A Escola de Samba Portela, onde Vilma passou grande parte da sua trajetória no carnaval, divulgou em uma rede social uma nota que em "repudia veementemente o preconceito sofrido pela baluarte. Confira a íntegra:
"A luta por uma sociedade mais justa e humana passa pelo combate ao racismo. O G.R.E.S Portela repudia veementemente o preconceito sofrido por Vilma Nascimento, o Cisne da Passarela, no aeroporto de Brasília, em companhia de sua filha Danielle Nascimento.
Vilma é um dos ícones da Portela e do carnaval. É uma sambista de destaque, que trás na pele a marca de nossa ancestralidade. O constrangimento, demonstrado nas imagens divulgadas, é sentido por todos que temos no samba parte importante de nossa identidade, e que enxergamos em Vilma uma de nossas grandes referências.
Em nome dessa ancestralidade, que orgulhosamente compartilhamos e exaltamos, levantamos nossa voz pedindo para que o caso seja apurado pelas autoridades. Este é um dever do Poder constituído não apenas para com os sambistas, mas para toda a população preta de nosso país, que não admite mais ser discriminada em lugares públicos."
"Cisne da Passarela"
Vilma Nascimento estreou como porta-bandeira da Portela em 1957, aos 19 anos, substituindo outra personalidade do carnaval carioca, Tia Dodô. Logo no primeiro ano, estrou com vitória, seguidos de outras três conquistas consecutivas. A desenvoltura lhe rendeu o apelido de Cisne da Passarela pelo jornalista Valdinar Ranulfo devido à elegância com que mudou o estilo de dança das porta-bandeiras, que nessa época passaram a ser um dos quesitos julgados no desfile.
A baluarte ainda faturou três estandartes de ouro (1977,1978,1979) após seu retorno à Águia de Madureira, depois de uma saída para fundar outra escola tradicional: a Tradição, onde, posteriormente, ganharia outro prêmio, em 1989. Em 2014, recebeu o Troféu Apoteose, em reconhecimento à sua história no carnaval carioca.
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