Pedro Herz comandou o processo de expansão da Livraria CulturaPerspectiva/Divulgação

O livreiro e empresário Pedro Herz, dono da Livraria Cultura, morreu em São Paulo nesta terça-feira, 19, aos 83 anos. Ele foi o responsável por transformar a empresa, fundada pela mãe, Eva Herz, em uma das maiores potências do mercado literário brasileiro.
Sérgio Herz, filho do livreiro e atual CEO da Cultura, confirmou a morte e revelou que o pai sofreu um ataque cardíaco fulminante durante a madrugada. O velório vai ocorrer nesta quarta-feira, 20, às 10h, no Cemitério Israelita do Butantã, seguido do enterro, às 12h.
Em 2017, Pedro Herz publicou O Livreiro (Editora Planeta), em que narra sua trajetória de vida, sempre atrelada à Livraria Cultura. Ele descreve desde a chegada de sua família ao Brasil, judeus alemães que fugiam dos horrores da Segunda Guerra Mundial.
Sua mãe, Eva, começou a trabalhar com livros importados, oferecendo um serviço de aluguel de títulos em alemão para seus compatriotas que também sentiam falta de ler na língua de origem.
Com o tempo, acrescentou obras nacionais ao acervo, e logo decidiu abrir uma livraria. O primeiro endereço foi a Rua Augusta. Mais velho, Pedro Herz virou sócio da mãe. Foi junto dele que Eva levou a Livraria Cultura para o Conjunto Nacional, em 1969. Ali, encerrou os serviços de aluguel de livros, focando na comercialização de títulos diversos.
A Cultura, que naquela época ocupava um espaço menor no Conjunto Nacional, virou ponto de encontro de pessoas influentes: políticos, escritores, jornalistas e intelectuais diversos. Os eventos eram agitados, e, durante a ditadura militar, chegavam a receber visitas de agentes do regime disfarçados, conforme narrou Herz em sua biografia.
A livraria se expandiu e passou a ocupar várias lojas no edifício. Foi somente em maio de 2007 que elas se agruparam para formar a famosa e gigantesca unidade, com três níveis, rampas e escadas, tornando-se atração imperdível da Avenida Paulista — e da cidade como um todo. Enquanto estava à frente da empresa, Herz era visto na loja com frequência.
A Cultura atraía grandes eventos, como concorridas noites de autógrafo - Rita Lee, Jô Soares, José Saramago e até o cineasta David Lynch foram alguns artistas cujos lançamentos movimentaram enormes filas.
Crise e recuperação judicial
Após anos de uma política de expansão pela cidade e por outros estados brasileiros, nos anos 2000, a Cultura mergulhou em crise Em 2018, pediu recuperação judicial, com uma dívida de R$ 285,4 milhões com fornecedores e bancos. Na mesma época, a Saraiva enfrentou a mesma conjuntura — resultado de mudanças pungentes que atingiam o mercado editorial, somadas à crise econômica que abalou o País entre 2014 e 2017 e problemas de gestão que pioraram nos últimos anos.
A Cultura chegou a ter 17 lojas e 1,5 mil funcionários, e já enfrentava dificuldades quando resolveu adquirir as operações da rede francesa Fnac, que estava deixando o país, e comprar a Estante Virtual. Os atrasos de pagamento a editoras e as dívidas aumentaram. Todas as unidades da livraria da família Herz foram sendo fechadas gradativamente desde então, restando apenas a unidade do Conjunto Nacional e outra no Bourbon Shopping, em Porto Alegre.
Em 2023, foi decretada a falência da Cultura duas vezes, ambas revertidas: primeiro em fevereiro, sendo suspensa alguns dias depois, e depois em maio. A empresa não teria cumprido os compromissos do plano de recuperação firmado nos anos anteriores, havendo ainda indícios de fraude em movimentações financeiras dos sócios. Em 26 de junho, a unidade do Conjunto Nacional foi fechada, o que gerou grande repercussão e comoção no mundo livreiro.
A loja foi reaberta em 6 de julho. Mas, em agosto, a livraria ainda enfrentou uma ordem de despejo, revertida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Em fevereiro de 2024, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou um recurso da livraria e autorizou a continuidade da ordem de despejo. Por enquanto, a Cultura segue funcionando normalmente.
'Se você não lê, como você quer que seu filho leia?'
Em 2016, Herz falou ao Estadão sobre a crise na Cultura e retração econômica que o País sofria. Naquela época, em que os e-books começaram a chegar ao mercado nacional e as lojas de varejo online ganham maior espaço, ele dizia que o momento era de conservadorismo, de colocar para funcionar o que já existe e fazer bem o que se propôs a fazer.
O livreiro contou que era muito questionado sobre o futuro do livro em papel. Para ele, no entanto, essa era a pergunta errada "Não é o livro que vai acabar. É o leitor que vai acabar. E isso preocupa", disse. Para ele, a iniciação na literatura devia começar desde cedo: "Meus filhos passaram a pegar livros sem serem alfabetizados. Eles imitavam o que eu estava fazendo. A campanha que deveria ser feita é mais ou menos assim: Se você não lê, como você quer que seu filho leia?". Lembre aqui a entrevista.