EUA alteram gênero da deputada Erika Hilton para masculino em visto: 'Não me surpreende'
Parlamentar criticou a postura do governo Trump e afirmou que os documentos oficiais são ignorados e alterados 'conforme os desejos de retirada de direitos do presidente da vez'
A deputada federal Erika Hilton (PSOL), uma das primeiras parlamentares trans eleitas para a Câmara, teve o visto para os Estados Unidos emitido com a classificação de gênero masculino, contrariando sua identidade autodeclarada. O caso ocorreu durante o processo de emissão de visto para sua participação oficial na Brazil Conference at Harvard & MIT 2025, em Cambridge.
A deputada enviou um ofício ao Ministério das Relações Exteriores solicitando uma reunião com o ministro Mauro Vieira e o Itamaraty avalia a possibilidade do encontro. Ela informou que também já articula uma ação jurídica internacional contra o governo de Trump.
Um visto anterior expedido pelo mesmo país em 2023, antes da atual gestão de Donald Trump, informava que ela era do gênero feminino, em acordo com a identidade da parlamentar.
Sua participação no evento foi autorizada pela presidência da Câmara dos Deputados como missão oficial da parlamentar nos EUA. Neste tipo de viagem oficial, a Casa solicita o visto de seus representantes diretamente à embaixada do país a ser visitado.
De acordo com a assessoria de Erika Hilton, o trâmite foi marcado por obstáculos desde o início, com orientação inicial equivocada para solicitar visto de turista. Apesar da correção posterior, o documento emitido em 3 de abril registrou seu sexo como masculino. "Em nenhum momento preenchi documentação com tal informação", afirmou a deputada.
Segundo o entendimento da equipe da parlamentar, não há como questionar juridicamente o documento, já que se trata de um ato de soberania do governo norte-americano.
Nas redes sociais, a deputada criticou a postura do governo Trump e afirmou que os "documentos oficiais acerca da existência dos próprios cidadãos" são ignorados e alterados "conforme a narrativa e os desejos de retirada de direitos do presidente da vez".
"Não me surpreende. Isso já está acontecendo nos documentos de pessoas trans dos EUA faz algumas semanas. Não me surpreende também o nível do ódio e a fixação dessa gente com pessoas trans. Afinal, os documentos que apresentei são retificados, e sou registrada como mulher inclusive na certidão de nascimento", escreveu.
"Ou seja, estão ignorando documentos oficiais de outras nações soberanas, até mesmo de uma representante diplomática, para ir atrás de descobrir se a pessoa, em algum momento, teve um registro diferente", continuou.
A parlamentar também apontou que os seus direitos são garantidos e existência é respeitada pela constituição, legislação e jurisprudência do Brasil.
"(...) Isso não vai parar em nós ou atingir apenas as pessoas trans, a lista de alvos dessa gente é imensa. (...) E essa lista de alvos continua crescendo, e faz parte de uma agenda política de ódio global, que também não para nos EUA. Mas, aqui no Brasil, é uma agenda política de ódio que já derrotamos uma vez. E derrotaremos quantas vezes forem necessárias", concluiu.
Diante da situação, a deputada se recusou a utilizar o documento e não foi ao evento para o qual havia sido convidada. A Brazil Conference aconteceu no último sábado (12).
A Câmara dos Deputados, que solicitou o visto diretamente à embaixada norte-americana para esta missão oficial, não se manifestou sobre o caso. O Itamaraty ainda não se pronunciou sobre eventuais medidas em relação ao ocorrido.
Política contra identidade de gênero
Em seu primeiro dia de governo, em janeiro, o presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva reconhecendo apenas os gêneros feminino e masculino.
A ordem estabelece que formulários governamentais que solicitam informações sobre sexo devem oferecer apenas as opções "masculino" ou "feminino", e não devem pedir informações sobre identidade de gênero.
O decreto, que visa "restaurar a verdade biológica", também estipula que "os fundos federais não devem ser usados para promover a ideologia de gênero".
O primeiro passaporte norte-americano com o gênero "X" foi entregue em outubro de 2021 pelo Departamento de Estado, que então especificou que "X" estava reservado para "pessoas não binárias, intersexo" e, de forma mais ampla, para aquelas que não se reconhecem dentro dos critérios propostos até então.
Durante sua campanha, Trump criticou as políticas de diversidade, equidade e inclusão do governo Biden e do setor empresarial, e prometeu acabar com o que chamou de "delírio transgênero" nos Estados Unidos.
Além disso, anunciou que ordenaria que todas as agências federais suspendessem auxílios para tratamentos hormonais para transição de gênero e sugeriu proibir que mulheres transgênero participem de competições esportivas femininas. Essa proibição já está em vigor em escolas de metade dos estados do país.
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