Resolução limita o acesso de pessoas transgênero a cirurgias de redesignação de gênero antes dos 18 anosMarcelo Camargo / Agência Brasil
O texto define como incongruência de gênero uma discordância acentuada e persistente entre o gênero vivenciado por um indivíduo e o sexo atribuído, sem necessariamente implicar sofrimento.
Já a disforia de gênero é definida pelo documento como grave desconforto ou sofrimento causado pela incongruência de gênero.
Bloqueadores hormonais
“A vedação não se aplica a situações clínicas reconhecidas pela literatura médica, como puberdade precoce ou outras doenças endócrinas, nas quais o uso de bloqueadores hormonais é cientificamente indicado.”
Terapia hormonal
De acordo com a publicação, o paciente que optar por terapia hormonal cruzada deverá:
- iniciar avaliação médica, com ênfase em acompanhamento psiquiátrico e endocrinológico por, no mínimo, um ano antes do início da terapia hormonal;
- obter avaliação cardiovascular e metabólica com parecer médico favorável antes do início do tratamento;
- não apresentar doença psiquiátrica grave, além da disforia, ou qualquer outra doença que contraindique a terapia hormonal cruzada.
Cirurgias de redesignação
“Os procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero previstos nesta resolução somente poderão ser realizados após acompanhamento prévio de, no mínimo, um ano por equipe médica.”
Serviços que realizam esse tipo de procedimento cirúrgico deverão, obrigatoriamente, cadastrar os pacientes e assegurar a disponibilização dessas informações aos conselhos regionais de medicina da jurisdição em que estiverem sediados.
Arrependimento
Atendimento clínico
“Homens transgêneros que mantenham órgãos biológicos femininos devem ser acompanhados por ginecologista. Mulheres transgêneros com órgãos biológicos masculinos devem ser acompanhadas por urologista.”
Validade
Análise
O médico ginecologista Rafael Câmara, conselheiro pelo estado do Rio de Janeiro e um dos relatores da resolução, destacou que se trata de um tema em que as evidências e os fatos mudam a todo instante. “É natural que essas resoluções sejam alteradas”.
Ao tratar da vedação da terapia hormonal cruzada para menores de 18 anos, ele lembrou que a resolução anterior do CFM estabelecia 16 anos como a idade mínima para a administração de hormônios sexuais com essa finalidade.
“Não é algo inócuo”, disse, ao citar riscos como o aumento de doenças cardiovasculares e hepáticas, incluindo câncer; fertilidade reduzida; calvície e acne, no caso da testosterona; e problemas tromboembólicos e câncer de mama, no caso do estrogênio.
Sobre bloqueadores hormonais, o médico destacou que o uso desse tipo de terapia, no intuito de suprimir a puberdade em crianças e adolescentes, é motivo de discussões e questionamentos frequentes.
Câmara lembrou que, em abril do ano passado, o Reino Unido aboliu o uso de bloqueadores sexuais. Segundo ele, Finlândia, Suécia, Noruega e Dinamarca, “países com sistemas de saúde fortes e de tendência progressista”, também proibiram a terapia.
“A exposição a hormônios sexuais é importante para a resistência óssea, para o crescimento adequado e para o desenvolvimento de órgãos sexuais”, disse, ao citar, entre as consequências, densidade óssea comprometida, altura alterada e fertilidade reduzida.
O médico ressaltou que a vedação do uso de bloqueadores não se aplica a situações clínicas reconhecidas pela literatura médica nas quais o uso é cientificamente comprovado, incluindo quadros de puberdade precoce e doenças endócrinas.
Na coletiva, Câmara citou ainda o aumento de relatos de arrependimento de transição e mesmo de destransição sexual desde 2020, o que levou diversos países a revisarem seus protocolos para lidar com a incongruência e a disforia de gênero.
Outro ponto destacado por ele trata do sobrediagnóstico, sobretudo entre menores de idade. “Mais crianças e adolescentes estão sendo diagnosticados com disforia de gênero e, com isso, levados a tratamentos. Muitos, baseado em estudos, no futuro, poderiam não ser trans, mas simplesmente gays e lésbicas”.
“Estudos mostram que, alguns anos atrás, a tendência, quando se tinha casos diagnosticados [de disforia de gênero], era tentar fazer com que a criança não mantivesse [o quadro]. Hoje, a tendência é fazer um viés de confirmação. Se a criança de 4 anos diz que é trans, muitos serviços acabam mantendo ou estimulando.”
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