Fachada da boate Buda Beach Lounge que fica no Boulevard Canal, um dos pontos mais nobres da cidade Internet
Por O Dia
Publicado 07/07/2021 21:06 | Atualizado 07/07/2021 21:09
Um caso de estupro dentro de uma boate em Cabo Frio, está sendo investigado pela Polícia Civil trouxe enorme repercussão em todo Estado, especialmente na Região dos Lagos. Uma mulher relatou ter sido vítima de abuso sexual por parte de dois funcionários do Buda Beach Lounge, no dia 8 de maio.
A casa noturna pertence ao capitão da Polícia Militar e ex-candidato a prefeito, Diogo Souza da Silveira, ao deputado estadual do PSL, Filipe Poubel, e a uma mulher, Ediléia Freire Cecconi. Poubel e Capitão Diogo estavam presentes no evento, realizado de forma ilegal, durante a pandemia, na véspera do Dia das Mães.
A vítima que realizou a denúncia contou que saiu da cidade do Rio de Janeiro para passar o final de semana com a família em Cabo Frio.
Publicidade
No dia do crime, ela teria encontrado com alguns amigos e foi à festa clandestina que acontecia no restaurante, que também funciona como boate. A mulher disse que a entrada acontecia pela cozinha do estabelecimento e o uso do celular era proibido.
Ainda segundo o relato da vítima, ela ingeriu bebida alcoólica e chegou a ficar inconsciente. Foi nesse momento que dois funcionários teriam praticado o abuso sexual. Eles negam a denúncia: “Tinha bebido vodka, comecei a beber um drink pronto com energético. Eu bebi vários desses. Mas isso nunca aconteceu comigo, de entrar em coma alcoólico e apagar dessa forma. Isso nunca tinha acontecido antes”, contou a mulher em uma reportagem que foi ao ar na 2ª edição do RJTV, da Rede Globo.
Publicidade
Quando acordou, ela já estava no segundo andar da boate, que “era uma espécie de área VIP”. A jovem diz não se lembrar de como foi até o local. “Uma amiga chegou lá em cima e tentou me acordar, não consegui e vi um vulto. Um deles estava de uniforme, ainda assim, continuei apagada”, relembra.
Um amigo da vítima afirma que procurava por ela junto com uma outra amiga e a encontrou jogada no sofá, “de perna aberta, desacordada. Na frente dela tinha dois caras. Era um local muito escuro, que estava desativado. Quando me lembro desse lugar, inclusive, me dá muito medo”.
Ainda segundo o relato do homem, a mulher estava muito suja: “Parecia vômito, mas não consegui identificar”.
Publicidade
O amigo tentou buscar ajuda com uma funcionária da casa. “Falei com a hostess que minha amiga tinha sido abusada e ela me levou para dentro de um banheiro, não sei se era pra me tirar da frente das câmeras, e me perguntou o que tinha acontecido. Expliquei e quando estávamos indo de volta para a minha amiga, ela me falou que Poubel e Diogo estavam no local”.

Ele relembra que ao entrar novamente no local muitas pessoas estavam comentando sobre o ocorrido e acabou pedindo para que a festa fosse interrompida. “Nesse momento ouvi as ordens do Poubel mandando que me segurassem e me chamando de viadinho de merda”, e foi impedido por cerca de sete seguranças do deputado.

“Eu lembro dele dando muita ordem: segura esse viadinho de merda, quer tumultuar minha casa’. Fazia muitas palavras de injuria e homofobia, ele estava perto de mim. Ele e os seguranças. Me seguraram, tentaram me agredir, eu me agarrei em uma estrutura do lugar e me deram um ‘mata-leão”, contou.

O homem foi retirado pelos seguranças do estabelecimento. “Me jogaram na parte de trás da boate, na rua de trás, acredito que por não haver câmeras e evitar tumulto. Cerca de 15 minutos depois, o Diogo saiu com três seguranças e começou a conversar comigo. Falei que só queria tirar minha amiga de lá e queria ir para a delegacia. Ele sabia o que tinha acontecido e ficava me enrolando. Um flanelinha passou e disse que a minha amiga estava na frente da boate. Dei a volta e quando cheguei lá, ele estava com ela e a hostess”, relata.
A vítima estava com os cabelos e as roupas sujas “e completamente exposta. Eu tentava a todo tempo levá-la para a delegacia e o Diogo me impedia, questionando se ela realmente queria ir prestar queixa. Ele não dava nenhuma ajuda. Eu não aguentava mais. Eu trabalho, estudo, não teria porque inventar tudo isso”.
Uma outra amiga da vítima também prestou depoimento com uma versão parecida do crime.

INVESTIGAÇÃO SOB SIGILO
Policiais civis estiveram no local nesta quarta-feira (7) - Internet
Policiais civis estiveram no local nesta quarta-feira (7)Internet

O caso foi registrado na Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM) de Cabo Frio e a investigação ocorre sob sigilo. Conforme a reportagem do RJTV2, oito pessoas já prestaram depoimento até esta terça-feira (6). Novas testemunhas deverão ser ouvidas nos próximos dias.
Publicidade
O sofá da boate foi apreendido em julho pela Polícia Civil, para que seja realizada perícia, mais de um mês após o registro da ocorrência.
A mulher passou por um exame toxicológico no Instituto Médico Legal (IML) e deixou o vestido que foi usado no dia do crime. O resultado do laudo ainda não foi concluído. A advogada da vítima, Letícia Delmindo, considera a postura dos proprietários da casa noturna desrespeitosa.
Publicidade
“É lamentável tudo isso que está acontecendo. O crime ocorreu dentro da casa noturna de propriedade do Deputado e do Capitão da PM. São duas figuras representativas, um veio como candidato, o outro é representante legislativo, ambos são servidores públicos, então isso tem um peso maior. Eles não estão sendo acusados de estupro, mas o crime ocorreu dentro do estabelecimento deles, então o mínimo que se espera, em respeito aos envolvidos, é que seja buscada uma forma de sensibilidade ou empatia com aquela pessoa que está fragilizada”, comentou.

VÍTIMA ESTÁ EM DEPRESSÃO

Após todo o trauma vivido, a mulher está em depressão e vive trancada em casa. Segundo relato de amigos, ela e as testemunhas tiveram que excluir as redes sociais e tem vivido com medo. Inclusive, realizaram uma denúncia na Comissão de Defesa da Mulher da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A vítima, que é uma mulher de 34 anos casada e tem uma filha, afirma que ela e a família estão fazendo acompanhamento psicológico e psiquiátrico.

“Está sendo muito difícil para mim e para minha família porque além de ter acontecido tudo o que aconteceu, o dono do estabelecimento está me culpando, divulgando foto minha no dia para justificar, como se eu tivesse bêbada, como se eu tivesse dando em cima dele, que nem é o acusado. Além de todo o ocorrido, o modo como os donos do estabelecimento estão lidando com a situação, tem agravado mais ainda as consequências”, conta.

Ela garante que os donos do estabelecimento estão se isentando da responsabilidade pelo o que acontece no local e dos frequentadores.

“Eu nunca imaginei que isso fosse acontecer lá dentro. Eu achei que fossem se responsabilizar pela segurança de quem estava lá. Não foi isso que aconteceu, estão se isentando de responsabilidade. Os dois donos, um capitão da polícia e um deputado, eles têm conhecimento da lei. E está sendo totalmente o contrário que está acontecendo”, diz.

Além de resolver o caso, a vítima deseja entender realmente o que aconteceu.

“O que eu quero é fechar o caso, entender o que aconteceu, porque a maior parte eu não me lembro, pois estava inconsciente. Da casa eu já sei que não vou ter ajuda porque eles já mostraram que não estão a disposição para ajudar a entender tudo o que aconteceu, estão fazendo justamente o contrário: o tempo inteiro me culpabilizando por isso, como se fosse drama meu”, lamenta.

LOCAL CONTINUA FUNCIONANDO
Uma das casas mais exuberantes da noite cabofriense, realizava festas clandestinas em meio a pandemia, descumprindo medidas restritivas Internet

O Buda Beach Lounge continua funcionando normalmente em Cabo Frio. Segundo a advogada do caso, a investigação não teve avanço e, até então, o deputado Filipe Poubel não prestou depoimento. Ele disse que não foi notificado.

“É mais do que necessário o comparecimento de todos para auxiliar nessa investigação. Mas o cenário que aparece é outro, proprietários não aparecem em sede policial, permanecem em silêncio e quando se apresentam colocam como se a mulher fosse culpada. Não juntam as câmeras de segurança, o sofá onde foi o delito não é apresentado. E o pior: [o local] continua funcionando como se nada tivesse acontecido”, conta.

Diversos agentes da Polícia Civil estiveram no local no início da tarde desta quarta-feira (7). A divulgação de eventos como happy hours com cantores de pagode, continua sendo feita nas redes sociais da boate.

FUNCIONÁRIOS NEGAM CRIME

Conforme o depoimento dos funcionários acusados pela vítima, eles não praticaram o crime. Um deles disse que abordou a mulher, foi correspondido e ficou com ela próximo ao balcão por um tempo.
O homem negou ter tido relações sexuais com a vítima e contou à polícia que foi ameaçado de morte por traficantes da comunidade onde mora, se tivesse “culpa no cartório”.
Já o outro funcionário garante que não esteve onde aconteceu o caso, no segundo andar do estabelecimento, não sabe quem esteve no local e não conhece a vítima.
Capitão Diogo, que ainda é lotado no 22º BPM, na Maré, em processo de demissão a pedido, disse que a mulher teria insistido em falar com ele e se insinuou, tentando beijá-lo. Ele afirmou ter ido para um dos camarotes, para evitar as investidas, e depois não a viu mais. Cerca de meia hora depois, ele viu “um tumulto”.
A mulher teria retornado até ele, afirmando estar com vergonha. Diogo disse que ela estava consciente, mas não contava o que havia acontecido. Ele não se lembra se ela estava chorando.
Através de um vídeo (veja na íntegra no final da matéria), o deputado Filipe Poubel disse que no dia do ocorrido, a boate realizava uma festa particular, sem bilheteria, e que ele estava lá apenas para cuidar da parte administrativa. Ele afirmou que não foi notificado oficialmente para prestar depoimento, mas se comprometeu a falar de maneira voluntária. “Não sou homofóbico. Inclusive, tenho funcionários no meu gabinete que são homossexuais”, declarou.

DEPUTADO E PM POSTAM FOTO COM BRINDE E SUPOSTA VÍTIMA
Deputado Poubel e seu sócio, capitão Diogo postaram brindando depois da denuncia veio a público. A outra imagem procura desqualificar a vítimaInternet
Na noite dessa terça-feira, o deputado Filippe Poubel e o capitão da PM Diogo Souza publicaram duas fotos em que aparecem no Buda Lounge.

Em uma das imagens, os sócios fazem um brinde. Na outra, que teria sido capturada no dia do suposto estupro, o rosto de uma mulher, que é a suposta vítima, foi coberto. Na publicação, Diogo escreveu: “Só aguardando as verdades dos fatos! Toda a verdade! Quem não deve não teme!”.

A advogada da vítima considera a atitude desrespeitosa.

“O que se mostra é que infelizmente para eles a dor do outro não importa, são pessoas completamente desrespeitosas. Fazer uma festa e brindar após uma situação tão complexa é você estigmatizar cada vez mais a mulher, a vítima de crime sexual e também a homofobia que está muito presente no nosso dia a dia. O que a gente espera é que realmente seja apurado e que o acusado responda, que ele seja responsável pelos atos dele, mas a forma como eles se comportam, só demonstra o verdadeiro deboche em relação a tudo o que está acontecendo e cada vez mais reforça esse posicionamento retrógado deles, infelizmente”.

Através do instagram, o Capitão Diogo Souza hostilizou o contato de jornalistas que pediram um posicionamento. A reportagem do O Dia tentou contato com os dois proprietários. A assessoria do Deputado Felipe Poubel emitiu uma nota e um vídeo.

“O deputado Filippe Poubel não é acusado e na condição de sócio do empreendimento está contribuindo com as investigações. Sempre repudiou qualquer ato de violência contra mulheres, e demonstrou solidariedade às vítimas”.
Publicidade
Leia mais