Pedro DuarteFoto Divulgação

Em muitas cidades do mundo, estacionar é um ato simples: basta procurar uma vaga, pagar a tarifa oficial e seguir a vida. Na cidade do Rio de Janeiro, virou um teste de paciência e, muitas vezes, de coragem. Em bairros como Copacabana, Méier e Barra ou Tijuca, parar o carro em uma vaga pública pode significar uma cobrança ilegal, sem valor definido e quase sempre acompanhada de coação. É o retrato de uma cidade que transformou a desordem em rotina.
A figura do guardador de carros já teve, um dia, um papel socialmente aceito. Mas o que vemos hoje é um sistema paralelo de cobrança por vagas públicas, muitas vezes controlado por grupos criminosos ou por oportunistas que se aproveitam do medo das pessoas. Motoristas pagam não por escolha, mas por receio. A sensação é de abandono: a rua pública se tornou território privado.
Há pontos da cidade em que os flanelinhas chegam a cobrar R$ 50 por uma vaga que deveria custar R$ 2 pelo sistema oficial. O resultado é previsível: o carioca ou o turista paga caro, o comércio perde movimento, e a cidade abre mão de milhões de reais que poderiam ser revertidos em melhorias urbanas. Em 2024, a Prefeitura do Rio arrecadou apenas R$ 2,4 milhões com o sistema Rio Rotativo. Em São Paulo, que já adotou o modelo digital, a arrecadação anual ultrapassa R$ 86 milhões.
A boa notícia é que o Rio de Janeiro pode estar prestes a virar essa página. A Câmara Municipal aprovou recentemente o substitutivo ao Projeto de Lei nº 156/2025, de autoria do vereador Marcelo Diniz, com coautoria minha e de outros parlamentares, que cria a “Área Azul Digital”, um novo sistema de estacionamento rotativo com pagamento via aplicativo, Pix, cartão ou parquímetro eletrônico. A proposta prevê fiscalização com reconhecimento de placas e o fim definitivo da cobrança “por fora”. O objetivo é simples, mas transformador: devolver previsibilidade, segurança e transparência ao uso do espaço público.
Não se trata de criminalizar quem busca trabalho, mas de substituir um modelo informal e abusivo por outro transparente, digital e justo. É um passo importante para recuperar a confiança nas ruas e reequilibrar a convivência urbana.
Em cidades que adotaram soluções parecidas, como Niterói, Vitória, Belo Horizonte e Curitiba, a mudança trouxe resultados imediatos: mais rotatividade, menos confusão e maior sensação de segurança. O mesmo pode acontecer aqui. O estacionamento regulamentado não é um inimigo do carioca; é uma ferramenta de organização. O que precisamos é de regra clara e de um poder público que a faça valer.
No fundo, o debate sobre os flanelinhas não é apenas sobre vagas. É sobre a autoridade do Estado nas ruas. Quando o poder público se omite, outros ocupam o espaço, e o resultado é o medo. Onde há ordem e transparência, há confiança. Onde há improviso, reina a incerteza.
O Rio precisa decidir se quer retomar o controle do espaço público. Implementar o sistema digital é um primeiro passo para resgatar a lógica do que é justo: pagar o preço certo, no canal certo, com segurança e respeito. Porque a rua, afinal, não é de quem se impõe pela força, é de quem vive, trabalha e acredita que o Rio de Janeiro ainda pode funcionar.