Pedro DuarteFoto Divulgação

O carioca ainda vive os reflexos de uma das maiores operações policiais de sua história, com mais de cem mortes de bandidos, pelo menos 90 fuzis apreendidos e uma repercussão que atravessou fronteiras mundo afora. O momento é propício para conjugar esforços, levando a questão da segurança pública para campos como urbanismo, educação e saúde, a exemplo do que fizeram outras cidades que enfrentaram de forma exitosa o problema da violência; Medellín por exemplo. E é nesse ponto que precisamos pensar em soluções que envolvam também atribuições do poder público na esfera municipal.
Há décadas, as favelas e periferias do Rio vivem à margem das políticas públicas. Faltam pavimentação, iluminação, transporte de qualidade e oportunidades. Nesse vazio, o crime se organizou, impôs regras próprias e passou a gerir serviços, como transporte alternativo, distribuição de gás, até “segurança”, criando uma cidade sob leis paralelas, onde policiais são covardemente assassinados! Quando o Estado chega apenas com operações policiais, mas sem sua presença permanente, o resultado é previsível: o
domínio do medo volta rapidamente.
A operação no Alemão mostrou a coragem das forças de segurança, mas também escancarou o quanto ainda estamos reagindo, e não planejando. A verdadeira pacificação não se alcança apenas com incursões, mas com a reconstrução do território. Ela começa quando as vielas ganham luz, as calçadas deixam de ser armadilhas, o transporte conecta o morro ao asfalto; e o jovem encontra no bairro um espaço de cultura, lazer e trabalho.
O exemplo de Medellín, na Colômbia, segue como um marco dessa virada de chave. A cidade viveu nos anos 1990 uma guerra urbana mais violenta do que a do Rio, mas recuperou sua autoestima com o “urbanismo social”: escadas rolantes integrando encostas, bibliotecas-parque, teleféricos e espaços públicos vibrantes. A lógica era simples: substituir domínio das armas pelo domínio da
cidade, e funcionou. Medellín reduziu em 80% seus índices de homicídio e voltou a pertencer aos seus cidadãos.
Não podemos mais naturalizar o fato de que cerca de 4,9 milhões de pessoas vivem em áreas sob influência direta do crime organizado e das milícias na capital e na Região Metropolitana do Rio, segundo pesquisa do Datafolha. É
inaceitável que esses moradores sejam obrigados a conviver com a ameaça constante de homens armados com fuzis circulando em seus bairros.
É hora de resgatar e atualizar essa visão. Integrar políticas urbanas e sociais às ações de segurança. Estabelecer metas de impacto territorial. Priorizar investimentos nas áreas mais vulneráveis. E garantir presença contínua do poder público, não apenas em momentos de crise. O Rio precisa combinar firmeza policial com a transformação urbana.
Enquanto nada disso mudar, vamos continuar todos vivendo no paradoxo revelado por uma pesquisa Quaest: embora 64% dos moradores do Estado do Rio considerem bem-sucedida a megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha, 52% afirmam sentir-se mais inseguros depois da ação.
As armas podem vencer em um ou outro dia. Mas é a presença constante do Estado que vence o tempo. O Rio precisa dos dois: coragem para agir e visão para transformar. É necessário retomar, ocupar e urbanizar.