Pedro DuarteFoto Divulgação
A cidade vive momento relevante no que diz respeito ao enfrentamento do abandono urbano. A regulamentação da “desapropriação por hasta pública”, em 2024, e sua aplicação recente representam evolução. Pela primeira vez, imóveis privados declarados de utilidade pública podem ser desapropriados e leiloados com regras claras. O avanço, no entanto, contrasta com o ponto de inércia em que se encontram espaços abandonados que são de propriedade do poder público. O que vale para Chico tem que valer para Francisco, concorda?
É preciso pegar o exemplo dos imóveis abandonados privados e avançar em outras direções. O mecanismo da hasta pública, incluído no Plano Diretor através de uma emenda de minha autoria, começou a destravar casos históricos no Centro, envolvendo imóveis na Rua do Teatro, Largo de São Francisco, Rua do Ouvidor e Lapa. Muitos estavam degradados há décadas, presos a dívidas milionárias ou processos sem solução. Agora, voltam a ter perspectiva de uso. É mudança importante que dá à cidade instrumento moderno para recuperar áreas paralisadas pelo abandono privado.
Quando olhamos para edifícios públicos espalhados pela cidade sem qualquer destinação, constatamos que o contraste não se justifica. É inadmissível falar em combate ao abandono urbano ignorando a parte que cabe ao próprio poder público. Se o município e outras esferas exigem que proprietários privados cumpram a função social de seus imóveis, precisam fazer o mesmo com seu patrimônio. A cidade não pode avançar em uma frente enquanto permanece estagnada na outra.
Nosso mandato fez cinco levantamentos técnicos mostrando a dimensão do desafio nos últimos anos: 783 imóveis públicos foram identificados em regiões como Centro, Glória, Lapa, Catete, Flamengo, Laranjeiras, Estácio, Benfica e São Cristóvão. Cerca de 42% estavam vazios, subutilizados ou sequer tinham localização precisa. São prédios históricos fechados, quadras muradas, áreas próximas ao metrô sem uso e edifícios que poderiam abrigar moradia, serviços, cultura ou equipamentos públicos.
É preciso entender que o abandono público produz os mesmos efeitos do que o privado: degrada ruas, amplia sensação de insegurança, afasta pedestres, reduz a vitalidade urbana e impede que áreas estratégicas voltem a receber moradores e atividades econômicas. Por isso, a discussão não deve se limitar aos imóveis privados que agora entram na rota da recuperação. É fundamental que a cidade trate o tema de forma abrangente.
A hasta pública é ferramenta poderosa e deve continuar sendo usada para recuperar imóveis privados com problemas fundiários e longos períodos de ociosidade. Mas ela não substitui o que o poder público precisa fazer diretamente: atualizar seu inventário, definir prioridades, planejar usos, conceder, retrofitar ou reativar seus próprios imóveis. A revitalização urbana só será plena quando essas duas frentes caminharem juntas.
O próximo passo é claro: olhar para dentro, abrir portas que ficaram tempo demais fechadas e transformar imóveis públicos ociosos em ativos que devolvam vida, segurança e futuro aos nossos bairros. Recuperar o Rio exige enfrentar o abandono como um todo, não apenas o dos outros, mas também aquele que está sob responsabilidade direta do Estado.




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