Publicado 20/08/2021 11:13
Rio - Há 20 anos, o Brasil parou com o sequestro de Patrícia Abravanel. O crime, praticado pelos irmãos Esdras e Fernando Dutra Pinto, também teve repercussão internacional e, até hoje, permanace na memória de quem acompanhou a angustia da família de Silvio Santos naquele dia 21 de agosto de 2001.
Por ser filha do dono do SBT, o sequestro de Patricia dominou as emissoras de televisão e os desdobramentos podem ser considerados "cinematográficos". Na época, durante o "Jornal Nacional", William Bonner chegou a dizer que nem “os mais criativos cineastas conseguiriam prever” tudo que aconteceu. Foram sete dias em cativeiro, dois investigadores mortos em combate, episódio de fuga e perseguição, tendo ainda Silvio Santos como refém, mediação de Geraldo Alckimin - à época, governador de São Paulo -, especulação sobre síndrome de Estocolmo e até inquérito sobre o dinheiro do resgate.
Eram 8h do dia 21 de agosto de 2001 quando Patrícia foi rendida, na residência do pai, à época, localizada na zona Oeste de São Paulo, no bairro do Morumbi. “Lembro que eu estava me arrumando para ir à faculdade, passei no quarto da minha irmã para 'roubar' uma peça de roupa e dei de cara com um [dos criminosos]. Nisso, ele já me levou para a garagem, perguntou qual era meu carro e, ao sentar no banco de trás, notei que tinha outro rapaz. E eles anunciaram: ‘Isso é um sequestro e nós somos Tubarão 1 e 2’”, relatou a vítima em entrevista à Marília Gabriela, em 2012.
De acordo com informações divulgadas pelo SBT, na época, o cativeiro escolhido ficava a 10 km de distância da residência dos Abravanel. Lá, Patrícia permaneceu por sete dias, onde manteve uma relação considerada pelas autoridades arriscada com os criminosos. Por ser filha de Silvio Santos, Patrícia não teve muito contato com pessoas de classes sociais diferentes na infância. Blindada da disparidade social econômica do país, ela assumiu - já adulta - que apenas teve noção da realidade ao ser sequestrada.
“Eu fiquei conversando com eles, então eu vi que fui superprotegida da realidade que é o Brasil. Eu pude me relacionar com eles, me pôr no lugar deles, ver a dificuldade, ver a revolta, a injustiça, isso me abriu uma janela que eu desconhecia”, disse.
Os irmãos pediram R$ 500 mil em troca da liberdade de Patrícia. Após uma semana de negociações e espera, o reasgate foi pago. A estudante foi devolvida em segurança à família, mas a localização dos criminosos ainda era desconhecida.
Após o sequestro, Fernando Dutra Pinto hospedou-se em um hotel de luxo em Barueri, na região Metropolitana de São Paulo. Lá, ele usou de nome falso, alegou que era músico e pagou a estadia em dinheiro. As suspeitas começaram quando uma funcionária identificou uma arma e uma mala de dinheiro no quarto do rapaz. Ao informar a polícia, o prédio foi cercado. Em embate, Fernando teria atirado contra três investigadores. Dois morreram e um ficou gravemente ferido. Baleado, o criminoso protagonizou uma fuga “cinematográfica”. Cerca de 100 viaturas estavam à sua procura. Segundo a TV Globo noticiou à época, Fernando trocou de carro duas vezes e ainda pegou um táxi.
Após despistar a polícia, na manhã seguinte, por volta de 7h, aconteceu o que ninguém esperava: Fernando invadiu novamente a residência de Silvio Santos, liberou as mulheres da casa e fez de refém o apresentador. Ao todo, foram mais de 7 horas de negociações, contando com a mediação do então governador de São Paulo, Geraldo Alckimin. Libertado, Silvio Santos revelou o pedido do sequestrador para libertá-lo: “Ele queria garantia de vida, tomar um banho e trocar de roupa antes de se entregar”.
A icônica entrevista na varanda
Após a prisão de Fernando Dutra Pinto, que teve seu trajeto até a penitenciária veiculado por emissoras de televisão, Patrícia Abravanel concedeu a icônica entrevista coletiva na sacada de sua residência, no Morumbi. Na época, foi especulado pela imprensa que a jovem estaria sofrendo com síndrome de Estocolmo, visto que suas declarações sobre o sequestro eram positivas, compreensivas e com forte viés religioso. “Eles eram jovens e falavam que meu Deus era poderoso. Eu tinha uma bíblia lá e um deles escreveu. ‘Você é a melhor pessoa do mundo’... Eu tomava chá com eles”, contou à imprensa.
Onze anos após o sequestro, também na entrevista à Marília Gabriela, Patrícia negou ter tido empatia pelos sequestradores. “Creio que não tenha sido isso, foi uma experiência transformadora. Durante o sequestro eu pude me relacionar com eles, ver a diferença social, a revolta que isso gera nas pessoas, então não é que eu compreendi eles, mas eu vi [a realidade do Brasil]”, declarou.
Seis pessoas estavam envolvidas no crime: Marcelo Batista dos Santos, Esdras Dutra Pinto, Luciana dos Santos Souza, Tatiana Pereira da Silva, Marcos Batista dos Santos e Fernando Dutra Pinto, que seria o líder do grupo. Fernando morreu em 2002 dentro da cadeia. Segundo a polícia, ele sodreu infecção generalizada. Luciana, namorada de Fernando, Tatiana e Marcelo foram condenados a 15 anos de prisão.
Quem era Fernando Dutra Pinto
Nascido em 1980, Fernando Dutra Pinto foi criado em Itapevi, município da região Metropolitana de São Paulo. Aos 22 anos, ele decidiu ter mais independência e, por isso, alugou uma casa há poucas quadras da residência dos pais. À época, seu irmão Esdras foi junto com ele.
De acordo com depoimentos de vizinhos concedidos à Globo, os irmãos eram bem unidos, sendo Esdras considerado “bem quieto” e Fernando “o simpático, humorado e mais inteligente”. Um amigo próximo contou que eles usavam drogas.
A motivação para o crime nunca foi, de fato, revelada. Na época, Fernando namorava Luciana, que também se envolveu no sequestro. A notícia de que os filhos estavam envolvidos no crime chocou a família deles. “Tudo é um susto, um grande pesadelo para todos nós”, disse o pai, Antônio Sebastião Pinto, que alegou ter ficado sabendo do crime pela imprensa.
O jornalista Elias Awad, que entrevistou o sequestrador no CDP (Centro de Detenção Provisória) do Belém, zona leste de São Paulo, declara em seu livro “Fernando Dutra Pinto: Você Acredita em Mim” que o rapaz pretendia ser advogado, era visto como um bom filho, prestativo e ambicioso. O desejo de ser advogado teria sido colocado de canto por conta da falta de recursos, o que, possivelmente, teria o levado à criminalidade.
Após sua prisão, Fernando alegou que teria sido agredido dentro do complexo penitenciário. No mesmo período, quando a investigação envolvendo a morte dos dois investigadores começou, as coisas ficaram um tanto confusas, visto que Fernando, acusado pelos homicídios, negou ter assassinado os oficiais. Segundo depoimento ao jornalista, ele apenas se apropriou da arma de um dos policiais, porém, os dois já estavam mortos. Este caso nunca teve solução.
Quanto ao dinheiro do resgate, apenas R$ 464 mil foram encontrados pelas autoridades junto com Fernando. Até hoje não se sabe o paradeiro dos R$ 36 mil restantes. Um inquérito chegou a ser aberto para investigar o sumiço e a família do criminoso, que tinha adquirido bens de valor superior à renda que possuíam. Entretanto, a Justiça acabou deferindo que a culpa pela perda do dinheiro era da polícia pelo "descuido" na operação.
Fernando Dutra Pinto morreu um ano após sua prisão. As circunstâncias do óbito são consideradas “misteriosas” para a família. De acordo com o laudo do IML, o rapaz teria morrido por conta de uma infecção generalizada causada por carne de porco. Entretanto, de acordo com dados obtidos pela coluna “A Semana”, da IstoÉ, 880 presos - somados a funcionários - teriam ingerido a mesma carne e não teriam tido a mesma reação. Além disso, os remédios que Dutra Pinto estava tomando para broncopneumonia, supostamente, bloqueavam a possibilidade de se identificar a morte por envenenamento no exame toxicológico.
À época, uma das advogadas dele declarou à Folha que a família iria processar o Estado por tortura e negligência. O irmão, Esdras, presente na cerimônia também se manifestou. "Não é porque ele foi enterrado que vamos colocar uma pedra sobre o assunto". Em 2005, Esdras pediu redução da pena, mas não conseguiu.
A Família Abravanel rompe o silêncio
Dezenove anos depois, em abril de 2020, a família Abravanel falou sobre o caso em vídeo publicado no YouTube. Íris, mãe de Patrícia, se emocionou ao comentar como encarou a situação: "É difícil perdoar o sequestrador da própria filha. Mas eu tive que lutar para liberar esse perdão".
"Tive empatia com a mãe e com a família [deles]. Só assim consegui perdoar. Eu pensava: ‘Eles não sabem o que estão fazendo, o quanto estão se prejudicando’. Então me apeguei ao fato de se eu perdoasse eles, nem um fio de cabelo da Patrícia seria tocado (...) Eu [senti que] se não liberasse o perdão, eles podiam fazer alguma coisa contra você. Foi o perdão mais difícil da minha vida", acrescentou Iris. Dando risada, Patrícia disse que não se sente emotiva ao relembrar o sequestro. "Perdoei eles no cativeiro. Foi uma coisa de Deus".
Neste ano, Patrícia Abravanel revelou que a experiência lhe rendeu traumas. “Eu não entendo o motivo [do sequestro até hoje], foram sete dias que… assim, eu não vou dizer que não tive traumas, tive. Hoje eu só ando de carro blindado, quando alguém se aproxima eu me assusto fácil, ou seja, eu sempre tomo mais cuidado. É isso que ficou comigo”, disse ela ao canal de Amaury Jr no Youtube.
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