Por tabata.uchoa
Carlos Lombardi fala sobre a Globo%3A 'Momentos ruins num oceano gostoso'Divulgação

Rio - Um ano atrás, mais exatamente em setembro de 2012, a contratação de Carlos Lombardi pela Record após 31 anos de Globo foi assunto que dominou os destaques de TV na mídia. A mudança de casa do autor de novelas consagradas como “Quatro Por Quatro”, “Bebê a Bordo” e “Pé na Jaca”, entre outras, renovou as esperanças da emissora de Edir Macedo de voltar a brigar pela audiência com as novelas da Globo. Com esse objetivo, a Record deu carta branca para Lombardi recrutar seus melhores soldados e começar a produção da grande aposta do canal, “Pecado Mortal”, que estreia em setembro de 2013, ainda sem definição da data exata.

A trama, que se passa na década de 70, foi gerada com cuidado. Em paralelo à pré-produção, Lombardi e sua equipe encararam a reestruturação financeira que gerou demissão em massa no RecNov, complexo de estúdios da Record. Em entrevista por email para o iG Gente, o autor falou abertamente sobre o assunto, assumiu que precisou realizar algumas alterações, mas que nada ficou comprometido. “Mudamos alguns planos, nos adaptamos. Trabalhar em televisão é sempre se adaptar ao real e ao possível, não vi diferenças significativas entre este processo e outros por que passei nos meus trinta e vários anos de trabalho”, contou.

Lombardi garante que que não guarda mágoas da antiga casa (“Nada é perfeito, mas os momentos ruins são uma gota num oceano bastante gostoso”), revelou que trabalhar novamente com nomes como Alexandre Avancini e Betty Lago ajudou na hora de assinar o novo contrato e afirmou que o balanço é positivo quando olha para trás e analisa suas conquistas. “Trabalhei bastante, fiz sempre o melhor possível. Tenho bons personagens pra deixar de herança.”

Com as gravações a todo vapor, muita cena de ação, externas cuidadosas e os infalíveis descamisados, espécie de sua marca registrada (Felipe Cardoso, Fernando Pavão, Iran Malfitano e Marcos Pitombo serão alguns deles), o autor rebateu com uma pincelada de deboche a notícia sobre o suposto atraso na entrega dos capítulos: “A novela nem começou ainda! Que atraso?”. Lombardi citou ainda um novo aliado na divulgação do seu trabalho: o Twitter. “Comecei seguindo amigos, ampliei pra muita gente da equipe da novela, é uma maneira de comunicação que não pode ser relegada a segundo plano. Mas que fique claro, entrar no Twitter, pra mim, hoje, é trabalhar”, disparou. Confira o bate-papo abaixo:

iG: “Pecado Mortal” é muito importante para a Record por vários aspectos. É uma trama de época, rodada com equipamento de ponta, com nomes bacanas no elenco e sua assinatura na autoria. Como está sendo participar desse processo?
Carlos Lombardi: Fazer uma novela é um trabalho complicado. Você tem que ser criativo e inventar. Ao mesmo tempo, é um produto de massa, você tem que ser claro. Por isso, desenvolver uma história é em boa parte do tempo administrar informações: o que o público precisa saber, o que o público deve saber, o que o público não pode saber – mas precisa “saber que não sabe". No desenvolvimento dos personagens, me concentro nesses aspectos. A importância – ou não – estratégica do produto não passa muito pela minha cabeça. A gente já tem pressão demais para se preocupar com o que vai além do que seu trabalho realmente pode fazer.

iG: Mas o autor tem de coordenar mais coisas do que simplesmente escrever, não?Carlos Lombardi: Sim, o autor também é um administrador de recursos – gente, cenários, horários. Não somos artistas que correm atrás da inspiração – se bem que essa parte existe. Também temos que escrever capítulos que possam ser produzidos, dirigidos, interpretados. Fico feliz que as câmeras são legais – mas sei que, mais do que câmeras, o que conta é o talento envolvido. Tenho uma ótima equipe tanto na direção como no elenco, o que me dá tranquilidade. Mas, no fim das contas, o que mais me preocupa é contar direito (e de modo interessante) a minha história.

iG: Como é seu processo de criação?
Carlos Lombardi: Meu processo de trabalho é um foco no trabalho um capítulo por vez. Levanto as necessidades da história, ou seja, o que PRECISA acontecer e, conversando com os colaboradores, descubro COMO isso vai acontecer. Em seguida, trabalho nos cruzamentos entre as diferentes histórias. Com isso, sai um rascunho. Passo alguns itens para os colaboradores desenvolverem e fico com outros. Juntamos as cenas e faço uma revisão final. Partimos para outro.

iG: Como surgiu a ideia para a história de “Pecado Mortal”?
Carlos Lombardi: A história surgiu a partir do meu interesse em entender como as coisas acontecem. Fiquei curioso em saber como se estabeleceu o território do crime organizado no Rio de Janeiro, que chegou a dominar praticamente todas as favelas da cidade. Fui buscar sua origem lá no final dos anos 70, no começo do tráfico. Percebi que a substituição da estrutura do jogo do bicho, uma contravenção também, mas romântica até perto da realidade posterior do tráfico, foi o ponto de mudança. A partir daí, comecei a trabalhar nos personagens que dariam vida a essa inflexão.

iG: A novela também chega em um momento delicado para a empresa. A reestruturação financeira que gerou a demissão em massa afetou em algum aspecto a produção da novela, como foi noticiado por alguns veículos?
Carlos Lombardi: Tudo que acontece numa empresa reflete nos produtos dela. Mudamos alguns planos, nos adaptamos. Trabalhar em televisão é sempre se adaptar ao real e ao possível, não vi diferenças significativas entre este processo e outros por que passei nos meus trinta e vários anos de trabalho.

iG: E sobre o suposto atraso na entrega dos capítulos, isso realmente procede?
Carlos Lombardi: A novela nem começou ainda! Que atraso?

iG: Você tem acompanhado as cenas já rodadas pelo elenco?
Carlos Lombardi: Não acompanhei gravações, mas fiz várias leituras com o elenco antes das gravações começarem. Ali respondi a várias questões, dei todas as informações que tinha pra dar. Estudamos o texto, destrinchamos o tom do diálogo. Daí em diante é com o diretor e a equipe. Ele gravando, eu escrevendo. Claro que estou curioso pra ver cenas, mas não apressei o processo: vou vê-las dentro de uns 15 dias na minha próxima ida ao Rio.

iG: Como é ver uma história criada por você sair do papel e tomar vida?
Carlos Lombardi: Um exercício de deslumbramento e frustração ao mesmo tempo – pelo menos é o que aconteceu em praticamente todos os meus trabalhos. Há coisas que ficam exatamente como você imaginou. Outras muito melhores, boas surpresas. E algumas ficam abaixo de suas expectativas. É o que sempre acontece, faz parte.

iG: Sua mudança da Globo para a Record foi muito comentada. O que te levou a assinar com a nova casa após 31 anos na concorrente?
Carlos Lombardi: Duas coisas: a chance de poder fazer uma novela mais dramática, coisa que já andava com vontade de fazer há algum tempo, e a oportunidade de voltar a trabalhar com os Alexandres [Avancini e Boury], Ph [Paulo Henrique Farias, editor de “Pecado”], Betty [Lago], Luiz [Guilherme], Carla [Cabral], Claudio H [Heinrich], Iran [Malfitano], Mario Gomes e tantos outros com quem já trabalhei e que já estavam no cast da Record.

iG: Guarda alguma mágoa do tempo que passou na Globo?
Carlos Lombardi: Não se guarda mágoa de pessoa jurídica. Tenho orgulho de ter participado (com mais trocentas pessoas) da criação do Padrão Globo de Qualidade. Foram 31 anos intensos em que fui feliz a maior parte do tempo e tive o privilégio de trabalhar ao lado de profissionais fantásticos e de conhecer muita gente interessante. Nada é perfeito – mas os momentos ruins são uma gota num oceano bastante gostoso.

iG: Você é responsável por tramas que marcaram a vida das pessoas e da TV. Quando você olha para o passado, qual o balanço que faz da carreira?
Carlos Lombardi: Trabalhei bastante, fiz sempre o melhor possível. Tenho bons personagens pra deixar de herança.

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