Rodrigo Lombardi - Ramon Vasconcelos
Rodrigo LombardiRamon Vasconcelos
Por BÁRBARA SARYNE

Rio - Rodrigo Lombardi chegou numa terça-feira e começou a gravar na sexta da mesma semana. Foi praticamente sem preparação que ele encarou o desafio de substituir o ator Domingos Montagner, que morreu em 2016, na série 'Carcereiros', que estreia hoje, às 22h30 na Globo.

"Foi uma experiência muito rica. Gravei tudo em ordem cronológica e deu para perceber, a cada episódio, a evolução do personagem", diz o ator. Na trama, Lombardi é o protagonista Adriano, um carcereiro firme, que acredita na reabilitação de todos os presidiários e não abre mão de representar a lei em sua exaustiva jornada de trabalho.

Antes de começar a gravar, o ator conta que a primeira coisa que fez foi assistir ao documentário 'Diários da Tranca', dirigido por Fernando Grostein. A obra, que mostra depoimentos de agentes penitenciários e mexeu profundamente com o ator, também foi utilizada na série da Globo, intercalando ficção e realidade.

"Foi uma porrada", diz Rodrigo, sobre as fortes declarações que ouviu no vídeo. Sem conhecimento do assunto antes de ver o documentário, ele disse que ganhou fôlego a partir daquele momento para gravar a série. "A grande vitória do projeto é a forma como é contada a história. A gente fugiu dessa métrica do folhetim", defende.

OUTRO PERFIL

Nas imagens, o ator realmente aparece diferente de todos os seus personagens anteriores. Sem aquele perfil manjado de galã sedutor, ele mergulhou na vida de Adriano, um cara extremamente focado, que lida com o medo da morte a cada segundo, sem deixar que isso o paralise. "Acho que considero 'Carcereiros' meu melhor trabalho até agora", afirma.

Mesmo sem esperar o retorno da TV aberta, a Globo, inclusive, já está gravando a segunda temporada da história de Adriano e mostrou para a imprensa o cenário do presídio, em São Paulo, que tem uma energia pesada, muito próxima do real.

O investimento todo, talvez, prove que Rodrigo não é o único a acreditar que esse seja seu melhor trabalho. O seriado, que estreia com três episódios a mais do que os 12 que já estavam no Globo Play, foi vencedor do Grande Prêmio do Júri do Mip Drama, em Cannes, no ano passado.

Para Rodrigo, o diferencial da história é a importância que o roteiro dá ao telespectador. "Entre falar a mais e falar a menos, a gente preferiu falar menos para deixar o público cumprir o seu papel na hora de tentar encaixar as peças do quebra-cabeça", adianta.

CONFLITOS

Dentro de um presídio sem ter cometido crime algum para estar lá, o personagem de Rodrigo Lombardi precisa colocar ordem sem ter uma arma, investigar casos que poucos teriam coragem de se envolver só para não cometer injustiças, e até deixar seus familiares em risco em nome de um trabalho que para muitos não vale a pena.

"A palavra é a moeda de troca ali dentro. Cada palavra dita pelo carcereiro tem peso, não precisa pensar para entender a história", garante o ator. Ailton Graça, que interpreta Juscelino, concorda com a visão do colega e afirma que a rotina dos carcereiros da vida real é muito mais difícil do que parece.

"Existe uma grande ausência do Estado. O carcereiro passa a ser confidente, psicólogo, escuta milhões de histórias. Ele lida com vidas ali dentro, com pressões", argumenta Ailton que, na pele do diretor do presídio, dá algumas escorregadas.

"Vamos supor que o agente receba dez salários mínimos, mas chega o preso e oferece 20 para ele levar algo para fora. O preso diz: 'Você não mora na rua tal, número tal, sua filha não estuda na escola tal?'. Como é que o cara lida com isso e vai falar para o preso, sem arma, ficar na dele?", questiona o artista, alegando que o problema é estrutural.

Além das dificuldades que os carcereiros enfrentam dia após dia nos presídios, a série aborda o conflito familiar que Adriano tem com a filha de seu primeiro casamento, Lívia (Giovanna Ríspoli). Como se não bastasse, tudo fica ainda mais tenso quando a mulher, Janaína (Mariana Nunes), que também sofre com a ausência do marido, acaba protagonizando algumas brigas com o agente por querer engravidar. É muita pressão para um homem só.

"A questão humana é a mais forte na série. Até onde um humano pode chegar? Como está a cabeça dessa pessoa? Nesse sistema, ele é só um ser falante, não tem livre arbítrio, vira bicho. É isso que faz dele um personagem humano: ele erra, acerta, tenta, se omite", avalia Rodrigo.

REFLEXÃO

Em alguns episódios, a mulher de Adriano diz ao carcereiro que tudo pode ficar tranquilo, basta ele voltar para a sala de aula, pois é formado em História. O professor, no entanto, prefere continuar vivendo essa vida louca no presídio, seguindo os passos do pai, Tibério (Othon Bastos), que é um agente aposentado.

"Quantos professores estão trabalhando em situações tão insalubres quanto a dos carcereiros? Essa profissão, ainda que seja um inferno, é melhor que a de um professor nesse país", defende Rodrigo, que imagina que o plano de carreira, já que dá pra "crescer" dentro do sistema, é o que atrai profissionais para a área.

Ainda assim, o ator acredita que o investimento em educação é o que pode fazer com que os presídios diminuam, e aí é que está a importância do seriado. Para ele, 'Carcereiros' pode abrir os olhos da população ao mostrar que, do jeito que o país e o sistema estão, dificilmente teremos retorno positivo no futuro.

"Já somos a terceira maior população carcerária do mundo. Algo precisa mudar, mas a gente não quer responder nada na série, a gente só quer perguntar", conclui. 

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