Novo especial de Natal do Porta dos Fundos, Te Prego Lá Fora, sofre tentativa de censuraReprodução
"Jesus foi adolescente e passou por um monte de questões que a gente também passou. No final das contas, se Deus enviou seu filho à Terra para viver como homem, ele passou pelas agruras e necessidades que todos nós passamos também. E na Bíblia se fala muito pouco sobre esse momento adolescente de Jesus. Então, por isso mesmo, a gente tem uma liberdade ainda maior para poder imaginar e inventar", explica Porchat, que resolveu brincar com essa fase de descobertas.
"A gente fala desse Jesus adolescente que está aprendendo a lidar com seus poderes, com a sua raiva, com seu ódio. Ele ainda não sabe lidar com as injustiças e, no fim das contas, é isso, ninguém nasce sabendo. Ele ainda não é o Jesus Cristo, é o Jesus que toma bronca do pai e da mãe. Tanto que ele só ressuscita Lázaro, que é amigo dele", brinca Porchat dando um spoiler - bem conhecido - do final do filme.
Intimidade com o evangelho
Ateu declarado, Porchat tem uma intimidade impressionante com a Bíblia e suas histórias. Leitor voraz, o humorista já estudou o livro sagrado diversas vezes e retoma a leitura toda vez que produz roteiros baseados em acontecimentos bíblicos.
"Eu me interesso por histórias humanas. E por que não de Jesus, de Maria ou de quem quer que seja que está ali na Bíblia? Quem é religioso olha de uma forma sagrada para esses personagens, mas eu olho de uma forma histórica. Eu sempre leio a Bíblia antes de começar esse meu especial e vou me entendendo, até para descobrir histórias que estão ali meio escondidas", conta o roteirista, que sempre fala de sua maior inspiração no tema.
"Sempre me interessa muito falar sobre esses assuntos. O livro que me marcou muito é o 'Evangelho Segundo Jesus Cristo', do Saramago, porque pela primeira vez eu vi Jesus como um homem, como qualquer um de nós. Esse livro é muito lindo e ali eu entendi que a gente podia ter um olhar para Jesus como ser humano. Então poder olhar para a adolescência, sobre esse período difícil da vida, em que as pessoas pegam no nosso pé, e ainda mais ser perseguido, como foi Jesus, me soou interessante", explica Porchat.
Censura e ameaças
Como já se sabe, o Porta dos Fundos sofre muitas críticas, todos os anos, ao lançar o especial de Natal que, de certa forma, satiriza a vida de Jesus. Para Porchat, essa corrente reacionária é, na verdade, uma forma de chamar atenção.
"A gente lançou o teaser e as pessoas ficaram nervosíssimas. Mas é muito engraçado porque eu sinto que as pessoas gostam muito mais de aparecer do que se importam de verdade com aquilo. Tanto que os dois últimos especiais de Natal estão no Youtube e não deu problema nenhum. As pessoas reclamaram, jogaram bomba quando saiu, mas depois que passou essa maré, tá todo mundo assistindo e ninguém mais reclamou. Então é muito mais uma onda no início para aparecer", explica o humorista, que vê um lado positivo nessa movimentação.
"Eu acho que no fim das contas isso só ajuda a gente. Só chama mais atenção para o especial, para o nosso conteúdo e só faz com que as pessoas queiram saber o que está acontecendo. A gente vê muitos comentários de muitas pessoas dizendo que tinham esquecido que ia ter e lembram só porque alguém falou. Então, no fim das contas, eles não percebem que isso só atrai mais público pra gente", comemora.
Na última quarta-feira, por sinal, o Centro Dom Bosco, uma organização religiosa católica, entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em uma tentativa de censurar o novo especial de Natal do grupo Porta dos Fundos. O especial segue no ar.
Apesar da maior visibilidade, Porchat também lamenta a existência de movimentos violentos gerados por grupos reacionários, como foi o ataque terrorista à sede do Porta dos Fundos em 2019. "Tem quatro pessoas foragidas, que ainda não descobriram quem são, e um deles está preso na Rússia. Nosso caso não foi resolvido e, inclusive, vale lembrar que, na época, o digníssimo senhor Sergio Moro era o ministro da Justiça e não se pronunciou sobre isso. Até hoje, ninguém do governo falou nada sobre o primeiro ataque terrorista depois da redemocratização. Então, a verdade é que, mesmo sendo um assunto violento, não interessava ao governo solucionar esse crime que poderia ter matado pessoas. E é uma barbárie a gente ter a liberdade de expressão a todo tempo sendo posta à prova", desabafa.
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