Por bianca.lobianco

Rio - A autorização da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) para que o governo estadual negocie os ativos da Companhia de Águas e Esgoto do Estado (Cedae) é apenas o primeiro passo para que o Executivo fluminense, afogado em dívidas e denúncias de corrupção, inicie o processo de venda da única estatal do Rio que dá lucro. Pelo último balanço, de 2015, a companhia teve receita operacional bruta de R$4,4 bilhões, e lucro líquido de R$ 248,8 milhões.

Pela decisão dos parlamentares, que gerou protestos e quebra-quebra na cidade (ver página 5), as ações da empresa serão apenas colocadas como garantia para empréstimo de R$ 3,5 bilhões destinado ao pagamento de duas folhas salariais do funcionalismo. “A forma como vai ser privatizada é que vai gerar uma discussão mais acalorada”, avalia o especialista em recursos hídricos da UFF e ex-subsecretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado, Antonio Ferreira da Hora.

A votação do projeto na Alerj durou apenas cinco minutos e terminou às 14h. O protesto de funcionários da empresa e de servidores começou por volta das 10hEstefan Radovicz

O modelo de privatização, com o valor estimado da companhia, só será realmente definido em seis meses, ou, de acordo com a base governista, mais de um ano.

O ambientalista Sérgio Ricardo, do Movimento Baía Viva, estima que a Cedae vale, no mínimo, 14 bilhões de dólares (cerca de R$ 42 bi). “São sete anos seguidos de lucro líquido. Fora a estrutura e o patrimônio imobiliário”.

A empresa conta com 75 unidades de tratamento de água, 20 unidades de tratamento de esgoto e cerca de 14 mil quilômetros de rede de água. Entre as suas unidades operacionais está a ETA Guandu, a maior Estação de Tratamento de água do mundo com produção de 45 mil litros de água por segundo.

O curioso é que a empresa, que servirá como garantia do empréstimo de R$ 3,5 bilhões, obteve junto à Caixa Econômica Federal, em 2015, financiamento de R$ 3,4 bilhões para obras de ampliação do abastecimento de municípios da Baixada Fluminense e para a construção do novo sistema produtor de água tratada, denominado Complexo Guandu 2, que visa aumentar a quantidade de água tratada, beneficiando cerca de três milhões de habitantes da Região Metropolitana.

E um dos maiores temores é que a privatização comprometa o fornecimento de água para os mais pobres, especialmente com relação à manutenção da tarifa social, que é 40% menor do que a tarifa comum e beneficia, atualmente, 1,2 milhão de pessoas que vivem na periferia, além de isentar entidades filantrópicas da cobrança.

Aliás, se em vez de colocar a Cedae à venda fosse feito um esforço para recuperar o dinheiro perdido com os sucessivos calotes que a empresa leva, o governo poderia ganhar três vezes mais do que o valor previsto no empréstimo. Em 31 de dezembro de 2015 , as contas a receber de clientes somavam R$ 10,4 bilhões.

Mas, para que o empréstimo vingue, é preciso ainda que o Congresso Nacional altere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Isso porque o Estado do Rio ultrapassou o limite de endividamento e está impedido de fazer novas operações de crédito. “É uma solução de curto prazo,mas não resolve o problema.

O governo ganha fôlego para buscar alternativas. Se não encontrar novas fontes de receita, o problema volta daqui a três anos”, explica o economista Gilberto Braga. Com relação à tarifa social, Braga não quer crer que seja extinta, mas alerta: “tem que ser garantida no contrato de privatização.”

Como o projeto que altera a LRF também ajuda outros estados, a perspectiva é de que a maioria no Parlamento em Brasília aprove. E se depender da ‘boa vontade’ e articulação dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB- CE), os textos devem passar. Ontem, Maia inclusive foi enfático ao apoiar o texto. Ele garantiu que o projeto tramitará em regime de urgência na Casa e será aprovado até a primeira quinzena de março.

Já o prefeito Marcelo Crivella, afirmou que, se a cidade do Rio, responsável por 77% da receita da empresa, não participar do processo de discussões, o negócio pode melar. “Se não formos ouvidos, não há concessão do Rio de Janeiro nem para fornecimento de água, nem para coleta da linha de esgoto.

A prefeitura está disposta a discutir qualquer proposta. Inclusive a de criar a sua empresa municipal de água e esgoto, o que nós chamaríamos de Emae”, afirmou o prefeito ontem em evento na Pavuna.

MANOBRAS - Base quer vetar hoje destaques apresentados pela oposição

Ao todo, o projeto de lei que autoriza a alienação das ações da Cedae para garantia de empréstimo de R$ 3,5 bilhões recebeu 211 emendas. Como não houve acordo sobre os aditivos no colégio de líderes, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), deputado Edson Albertassi (PMDB), rejeitou as emendas e apenas o texto-base foi ao plenário para votação.

Agora, as emendas rejeitadas serão reapresentadas (o chamado destaque) na sessão das 15h de hoje. Ao todo, são 16 destaques, e a promessa dos deputados governistas é de vetar os aditivos.

“Essas emendas são um equívoco. Tudo isso tem que ser apresentado só quando o projeto de privatização chegar à Alerj. Essa modelagem será definida em uma proposta que ainda será encaminhada pelo Executivo. Aqui não se está aprovando a privatização da Cedae, está se autorizando o governo a iniciar um projeto”, declarou o deputado da base governista, Paulo Melo (PMDB). Albertassi também afirmou que a intenção da base da base do governo é essa.

As 211 emendas se ‘transformaram’ em apenas 16 destaques por conta do regimento interno da Alerj, que limita a reapresentação dos aditivos.

O regimento determina que cada bancada tem direito a destaques na proporção de dois para cada três deputados. Com isso, a Rede, que só conta com um deputado na Alerj, não tem direito a destacar nada. Já o Psol, com cinco parlamentares, vai destacar quatro. O texto-base de autorização da venda da Cedae foi aprovado por 41 votos contra 28. Houve apenas uma falta.

GRANDE RIO

Prefeitos da Baixada se dividem em relação à possível privatização

A votação que permite uma futura privatização da Cedae provocou reações distintas em prefeitos do Grande Rio. Em Duque de Caxias, Washington Reis disse estar tranquilo. No início da sua gestão, em janeiro, ele criou a Companhia de Água e Saneamento de Duque de Caxias. Para Reis, o problema maior ficou para o prefeito do Rio, Marcelo Crivella.

“Nos antecipamos criando nossa companhia municipal. Estamos tranquilos. Crivella quer fazer isso agora, mas é tarde. Sugeri a ele comprar a Cedae, que atende a 82% da cidade e dá lucro de meio bilhão de reais. Dinheiro não falta para ele resolver o problema”, disse Reis.

Em Nova Iguaçu, o prefeito Rogério Lisboa demonstrou preocupação com uma venda da Cedae e o que isso pode representar para a cidade.

“Precisamos saber que compromisso uma nova empresa terá com Nova Iguaçu e com a Baixada Fluminense. Se as obras que estão sendo feitas vão continuar. Todos nós temos de ser ouvidos”, disse Rogério Lisboa.As prefeituras de São Gonçalo, Belford Roxo e São João de Meriti informaram que ainda estão estudando a questão.

De acordo com ranking de saneamento básico divulgado pela ONG Trata Brasil entre as 100 maiores cidades brasileiras, o Grande Rio aparece três vezes entre os 10 piores: Caxias (91º), Nova Iguaçu (92º) e São João de Meriti (93º). Niterói (19º) é a cidade do estado melhor classificada, seguida por Campos (34º) e Petrópolis (36º). A capital está na 50ª posição na lista, liderada por Franca (SP).

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