Jefferson Pereira, analista de dados e ex-aluno da Naves de Madureira, Triagem e IrajáAntonio Marcos
O sucesso do primeiro ano de funcionamento das Naves logo comprovou isso. As seis unidades que existiam nos primeiros 12 meses receberam 700 mil visitas e mais de 73,5 mil usuários cadastrados. Um deles foi o analista de dados Jefferson Pereira, que começou a estudar inglês na Nave de Madureira depois de encontrar um anúncio do projeto na internet. "Eu me interessei muito pela proposta porque eram cursos na área de tecnologia e de inglês, que na minha época eram caros”, conta Jefferson. Além de ter aulas do idioma com professores brasileiros, Jefferson também tinha monitoria com professores do Canadá para praticar a língua com nativos. “A gente fazia realmente a aula prática de inglês. Isso me facilitou porque 90% da documentação de informática é em inglês”, diz o analista de dados.
Cinco anos após a inauguração da primeira Nave, os cariocas puderam contar com nove unidades do projeto, localizadas no Complexo do Alemão, Santa Cruz, Padre Miguel, Irajá, Triagem, Penha, Madureira, Vila Aliança e Engenho de Dentro. “Eu via pais, que não tinham condições, levando seus filhos para ter acesso à internet, pessoas da terceira idade, que não tinham acesso, tendo monitoria, aprendizado. Não tinha nível social, tinha várias pessoas buscando conhecimento ali”, conclui Jefferson.
Fechamento das unidades
Em 2018, as Naves do Engenho de Dentro e do Complexo do Alemão fecharam depois que a ONG responsável por administrar o espaço atrasou o envio da documentação necessária à prefeitura para prestação de contas. No mesmo ano, a unidade de Triagem fechou as portas por falta de contrato para gestão. Nessa ocasião, apenas uma Organização Social (OS) se candidatou ao processo de licitação para administrar o espaço. A entidade foi a mesma que meses antes usou um documento falso para concorrer à licitação de seis unidades das Naves. Segundo SMCT, a OS não participou da licitação de 2021 e não tem contratos vigentes com a pasta.
Em outubro de 2018, seis unidades fecharam as portas por falta de pagamentos da Prefeitura. Elas foram reabertas em janeiro de 2019, mas não passaram muito tempo em funcionamento, já que em março de 2020, as Naves foram fechadas devido à pandemia. Mesmo com as portas fechadas, as Naves continuaram com contratos ativos, o que gerou uma despesa de R$ 800 mil por mês, segundo a SMCT. “A nossa decisão gerou uma economia de quase R$ 8 milhões para a Prefeitura, porque as Naves estavam funcionando com cursos on-line. Ao encerrar os contratos, a gente conseguiu uma parceria com Cisco Networking, que já é parceira da Nave. Ela já oferece cursos de capacitação nas unidades e a gente conseguiu manter a parceria", explicou o secretário. Até novembro de 2021, as Naves tiveram quase 17 mil inscritos em cursos.
O fechamento das unidades não provocou apenas perdas materiais. “Eu tinha amigas que faziam cursos de Excel na época e ficaram perdidas. Mesmo com aulas on-line, algumas pessoas não tinham acesso”, conta Jefferson. Para muitos jovens atendidos na unidade Nova Brasília, a suspensão das atividades causou consequências ainda mais graves. “Eu via crianças que, em vez de ficarem na rua fazendo nada ou se envolvendo com o que não devia, ficavam aqui na Nave. Eu vi crescer muitas crianças que começaram com 7 ou 8 anos e hoje são adolescentes. Alguns deles infelizmente se envolveram, faltou oportunidades a partir do momento que a Nave fechou”, conta Josiane Santana, fotógrafa, ex-aluna e professora da Nave Nova Brasília.
Orgulho das origens
Além de proporcionar qualificação profissional, as Naves do Conhecimento fazem jovens periféricos sentirem orgulho das suas origens. Nas disciplinas ministradas por Josiane, os estudantes são ensinados a enxergar as favelas por um ponto de vista diferente daquele comumente vinculado na mídia. “Muitas mídias falam erradamente das favelas para vender jornais e aí formam uma visão errada e marginalizada das comunidades, como se elas tivessem tiroteio 24 horas por dia, só tivessem traficantes e gente fazendo atos ilícitos. Eu mostro que a gente pode contar novas histórias. Histórias de artistas, de empreendedores, de superação e do nosso cotidiano, que é riquíssimo”, afirma Josiane.
Hoje orgulhosa das suas origens, Josiane conta que, na infância, foi ensinada a mentir sobre seu endereço: "Era uma vergonha dizer que era nascida e criada no Alemão”. Para seus alunos, ela tem planos diferentes. “Quando a gente nasce na favela, já nasce com a autoestima muito abalada, a gente cresce achando que a gente não consegue ir muito longe, que não consegue estudar, crescer e alcançar voos maiores. Eu aceitei voltar e trabalhar em prol deles [estudantes das Naves] por acreditar que podemos mais, que podemos estar em todos os espações, inclusive naqueles onde não nos querem. Meus alunos têm um potencial incrível e o que resta pra eles é acreditar nisso”, afirma Josiane.
Em 2015, quando o Rio de Janeiro comemorava 450 anos, as Naves anunciaram projetos para que os cariocas contassem a história de seus bairros e personalidades locais importantes em livros e audiovisual. Para a mesma comemoração, a população foi incentivada a participar de um concurso que premiaria os aplicativos que tornassem mais fácil a vida dos cariocas e dos turistas no acesso à cidade.
As Naves também já ofereceram colônias de férias, cursos de inglês para atividades turísticas (com foco na história da cidade), oficinas sobre questões de gênero e saúde, e de exibição de filmes. Uma das exibições de cinema foi o Festival Internacional do Audiovisual Ambiental (Filmambiente), que levou gratuitamente 62 obras brasileiras e internacionais para o público das comunidades atendidas pelas Naves.