Javier Milei, atual presidente da ArgentinaEmiliano Lasalvia / AFP

Uma pesquisa divulgada pelo diário Clarín nesta terça-feira, 19, sobre os 100 dias de governo de Javier Milei na Argentina indica que a avaliação negativa do presidente supera a positiva, mas mostra também que o libertário ainda mantém um surpreendente apoio dos mais pobres - e mais afetados por sua política econômica.
A sondagem foi realizada pelo instituto Equipo Mide, consultoria que atua nos EUA, Europa, África e América Latina. Foram 1.674 entrevistas entre os dias 4 e 12 de março, com uma margem de erro de 2,4%. No aspecto geral, o governo Milei foi avaliado como ruim ou péssimo por 47% dos argentinos, e bom ou ótimo por 40% - apenas 13% afirmaram que o trabalho do presidente argentino é regular.
A revelação mais surpreendente da pesquisa, no entanto, aparece quando os resultados são divididos por classe social: o melhor desempenho de Milei aparece entre os argentinos mais pobres, apesar de os ajustes econômicos terem um impacto maior entre a faixa socioeconômica mais baixa.
No grupo mais vulnerável estão os mais esperançosos no governo (28% ante 20% da média nacional), os que têm mais confiança (54% ante a média de 50%), os que melhor avaliam o presidente (56% ante 50% da média dos entrevistados), os que mais apoiam seu estilo (51% ante 43% da média) e os que mais o apoiam em geral (45% ante 38% da média).
Ajustes
Milei foi eleito em novembro no segundo turno com quase 56% dos votos, derrotando Sergio Massa, candidato peronista e ex-ministro da Economia. Desde a posse, em dezembro, o presidente argentino vem promovendo um choque fiscal radical para derrubar a inflação, reduzir o déficit e criar um ambiente para atrair investimentos externos.
Luis Caputo, seu ministro da Economia, anunciou um pacote que incluía corte de gastos e subsídios (que seriam, em parte, compensados por políticas de assistência direta), redução de repasses para as províncias e desvalorização do peso (que o governo pretendia substituir pelo dólar).
Sem o controle de preços e com a desvalorização de 54% da moeda, a inflação disparou no primeiro mês do governo, quando bateu 25,5%, antes de começar a desacelerar, em janeiro (20,6%) e fevereiro (13,2%).
Embora as taxas mensais estejam em queda, como resultado da desvalorização da moeda e das políticas recessivas, a inflação acumulada anual segue em disparada. Era de 211% nos 12 meses encerrados em dezembro, 254% em janeiro e 276% em fevereiro. É atualmente a maior taxa do mundo, depois de ter ultrapassado a Venezuela.
Com a melhora do cenário, o Banco Central da Argentina reduziu a taxa de juros de 100% para 80% ao ano, na semana passada, alegando que a situação apresentava "sinais visíveis de redução da incerteza macroeconômica". Os investimentos externos, no entanto, ainda não vieram e o impacto social tem sido brutal nos primeiros 100 dias de governo.
Pobreza
O poder de compra dos trabalhadores caiu 20% nos últimos dois meses, segundo o índice Ripte, que mede a variação dos salários entre os argentinos com empregos estáveis, e nunca registrou uma desvalorização tão grande - maior até do que em 2002, após a crise do "corralito", que levou o presidente Fernando de la Rúa a renunciar. Ou seja, mesmo com a trégua da inflação e índices baixos de desemprego, os argentinos não estão consumindo, o que coloca em dúvida se a resposta de Milei é sustentável.
Com a renda corroída pelos preços, a pobreza tem aumentado. O índice começou a piorar no governo de Mauricio Macri, quando saltou de 30% para quase 40% da população e chegou aos 44% na presidência do peronista Alberto Fernández. Agora, passa de 57% e o instituto da Universidade Católica da Argentina (UCA), que faz a medição, alerta que deve fechar fevereiro no patamar de 60%.
Confronto
O estilo agressivo de Milei também vem lhe rendendo derrotas políticas. A briga com os governadores e desavenças com congressistas - incluindo aliados - derrubaram a chamada Lei Ônibus e o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), que somavam mais de mil medidas para desregulamentar a economia, e foram rejeitados pelo Congresso.
Por isso, pesquisas como a de terça-feira revelam que a polarização também se reflete no apoio às medidas econômicas. Segundo o instituto Equipo Mide, 48% dos entrevistados apoiam o ajuste radical de Milei, enquanto 52% são contra.
Dois terços dos argentinos (66%), no entanto, sentem que as medidas terão consequências negativas, mais um dado que mostra que o presidente conta com respaldo de parte da população que o apoia, mesmo se sentindo prejudicada no curto prazo.