Tratado da OMS não fere soberania dos países e busca melhorar resposta a pandemiasReprodução/Projeto Comprova
Onde foi publicado: Telegram.
“Não há como usurpar a soberania, porque todo tratado internacional depende da anuência dos Estados. Depende de os Estados aderirem a esse tratado voluntariamente. Cada Estado só vai fazer isso se assim entender por bem e, depois, ratificá-lo dentro do seu ordenamento jurídico”, explicou ao Comprova a doutora em Direito Internacional e professora na Universidade Mackenzie Helisane Mahlke. A especialista lembra, ainda, que a OMS é uma agência da ONU e não atua de forma autônoma.
Posts nas redes sociais também têm citado, de forma irônica, a intenção da entidade de combater teorias conspiratórias em situações de crises sanitárias. O artigo 18 do tratado prevê quatro regras para evitar desinformação em momentos de emergência em saúde pública, mas não dá detalhes como serão implementadas. São elas:
1 – Cada parte promoverá o acesso oportuno a informações confiáveis e baseadas em evidências sobre pandemias e suas causas, efeitos e motivadores, com o objetivo de combater e abordar a desinformação, especialmente através da comunicação de riscos e do envolvimento eficaz a nível comunitário;
2. As partes promoverão e/ou conduzirão, conforme apropriado, pesquisas e devem comunicar políticas sobre os fatores que dificultam ou fortalecem a adesão às medidas sociais e de saúde pública em uma pandemia, bem como a confiança em instituições e agências de ciência e saúde pública;
3. As partes promoverão e aplicarão abordagens baseadas na ciência e em evidências para medidas eficazes e avaliação oportuna de riscos e comunicações públicas culturalmente apropriadas;
4. As partes trocarão informações e cooperarão, em conformidade com a legislação nacional, em prevenir a desinformação e esforçar-se por desenvolver melhores práticas para aumentar a precisão e confiabilidade das comunicações de crise.
Na internet, usuários vêm atacando a Organização Mundial da Saúde alegando um suposto poder que o tratado colocaria acima das liberdades dos cidadãos, como mostrou checagem da AFP. “Usa-se o pretexto de falar de liberdades individuais de modo truncado para tratar de uma questão que é liberdade para se ter saúde, a integridade mantida”, disse ao Comprova Sérgio Zanetta, médico sanitarista e professor de Saúde Pública e Epidemiologia do Centro Universitário São Camilo.
O especialista acrescenta que a OMS já dispõe de um código sanitário internacional que possibilitou, por exemplo, o controle do ebola na África subsaariana. “É uma doença hemorrágica febril muito grave, com alta letalidade, e que se transmite muito rapidamente. Em uma situação como essa, a OMS coopera com o país local para que esse país possa conter a transmissão no seu território, ajudando a impedir que a doença se espalhe”, explica o professor.
“Pelo que pude analisar do teor do tratado, ainda é um documento fraco no que diz respeito a exigir a cooperação entre os Estados para a distribuição das vacinas, por exemplo. O acordo busca alternativas, mas não é tão claro. Além disso, coloca a Organização Mundial da Saúde no papel dela, de orientar condutas para garantir a segurança das pessoas”, avaliou Mahlke.
O artigo 12 cita de maneira breve a necessidade de auxílio a países com menos recursos. “Durante uma pandemia, cada país, em condições de fazê-lo, deverá, dentro dos recursos disponíveis e sujeito de acordo com as leis aplicáveis e em conformidade com o Artigo 13, reservar uma parte de sua aquisição total de produtos relevantes diagnósticos, terapêuticas ou vacinas em tempo hábil para uso em países que enfrentam desafios no cumprimento necessidades de saúde pública e procura de diagnósticos, terapêuticas ou vacinas relevantes.”
No início deste mês, a conceituada revista científica The Lancet publicou um editorial com duras críticas ao termo que concede à Organização Mundial da Saúde acesso a apenas 20% de produtos relacionados a uma pandemia para distribuir globalmente. A outra parcela, de 80%, ficaria a cargo da comunidade internacional, incluindo remédios e vacinas. “Isto não é apenas vergonhoso, injusto e desigual, é também ignorante. Criar e aderir a um conjunto de termos fortes e verdadeiramente equitativos sobre acesso e partilha de benefícios não é um ato de bondade ou caridade. É um ato de ciência, um ato de segurança e um ato de interesse próprio. Ainda há tempo para corrigir esse erro de julgamento”, diz o artigo.
Como verificamos: Iniciamos a verificação buscando informações sobre o tratado no site da OMS, que disponibiliza o passo a passo das negociações para todo o público, incluindo vídeos das sessões. Depois, buscamos notícias sobre o assunto em portais internacionais e em outras agências de checagens. Por último, entramos em contato com dois especialistas para analisar os fatos.
Outras checagens sobre o tema: Textos com desinformação sobre o tratado da OMS vêm sendo alvo de investigações desde 2021, quando foi anunciado. O assunto já foi verificado pelo Comprova, pela AFP, Reuters e AP News.
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