O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, promulgou na noite desta quarta-feira, 3, uma lei que cria o Estado de Essequibo, após o referendo realizado em dezembro que decidiu pela anexação do território rico em petróleo e outros minerais, que é internacionalmente reconhecido como sendo da Guiana.
Maduro disse que ficará responsável pela nomeação do governador do novo Estado e que o Parlamento venezuelano exercerá o Poder Legislativo sobre o território, enquanto a disputa com a Guiana não estiver resolvida. A decisão aprovada no referendo, segundo Maduro, "será cumprida integralmente em defesa da Venezuela nos cenários internacionais".
O presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, sustenta que a disputa sobre Essequibo deve ser resolvida no Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda.
Segundo a Venezuela, o Essequibo lhe foi roubado como parte de seu território quando a fronteira foi traçada no final do século XIX (19). Essa porção de terra representa dois terços da Guiana. A disputa se intensificou em 2015 após a descoberta de depósitos de petróleo pela empresa petrolífera ExxonMobil.
No referendo da Lei Orgânica para a Defesa de "Guayana Esequiba", aprovado por mais de 95% dos votos em 3 de dezembro de 2023, os venezuelanos foram questionados se apoiavam o estabelecimento de um novo Estado, no qual a Venezuela planeja conceder cidadania aos residentes atuais e futuros.
A lei prevê a criação do estado de Guayana Esequiba, que se planeja ser governado a partir da cidade de Tumeremo, no estado venezuelano vizinho de Bolívar, a cerca de 100 quilômetros da área reivindicada.
O referendo também aprovou a rejeição da jurisdição da mais alta corte da Organização das Nações Unidas (ONU) para resolver a disputa entre os dois países. Em dezembro, pouco antes de ir às urnas, o tribunal superior da ONU ordenou que a Venezuela não tomasse nenhuma medida que alterasse o controle da Guiana sobre o território em disputa.
Atualmente, a Venezuela é composta por 23 estados e um distrito capital. "Esta é uma lei ratificada em sua natureza orgânica pelo Supremo Tribunal de Justiça e posso dizer com pleno conhecimento dos fatos, com todos os poderes e autoridade que a Constituição me dá", disse Maduro. A decisão aprovada no referendo, acrescentou ele, "será cumprida em todas as suas partes na defesa da Venezuela na arena internacional".
Maduro também declarou ilegais as concessões de petróleo concedidas por Georgetown em áreas marítimas ao largo de Essequibo, argumentando que a Guiana não tem jurisdição nessas áreas marítimas, que ainda não foram demarcadas.
Um dos artigos da lei também impede que apoiadores da posição do governo da Guiana ocupem cargos públicos ou concorram a cargos eletivos. Em tese, esse dispositivo cria uma barreira para qualquer pessoa que adotar medidas contrárias a anexação do território de Essequibo pela Venezuela.
A Guiana considera a lei, bem como o referendo consultivo e outras ações do governo venezuelano como passos para a anexação do território.
Brasil como mediador do conflito
O governo do Brasil chegou a tentar intermediar o conflito entre Venezuela e Guiana após o regime de Maduro começar a reivindicar a região do país vizinho. Em dezembro, em meio a ameaças de guerra, os presidentes dos dois países se reuniram em São Vicente e Granadinas, país do Caribe, com a presença do assessor da Presidência para Assuntos Internacionais do Brasil, Celso Amorim.
O encontro não chegou a uma definição sobre a disputa. Em fevereiro deste ano, o presidente Lula foi a Georgetown, capital da Guiana, para participar como convidado da reunião da cúpula de líderes da Comunidade do Caribe (Caricom). Após se reunir com o presidente guianês, Irfaan Ali, o petista disse que é necessário trabalhar para manter "zona de paz" na América do Sul e que "não precisamos de guerra".
Por meio da mediação brasileira, um acordo foi assinado em dezembro de 2023, entre Guiana e Venezuela, para que os dois vizinhos não resolvessem o impasse por meio da força. Também foi estabelecido que acontecerá um novo encontro para discurtir o assunto no Brasil.
Na época, o Itamaraty emitiu nota expressando "preocupação" com a tensão. "O governo brasileiro acredita que demonstrações militares de apoio a qualquer das partes devam ser evitadas, a fim de que o processo de diálogo ora em curso possa produzir resultados", disse o Ministério das Relações Exteriores.
Desde que retornou à presidência, Lula tem caminhado em uma linha tênue entre fortalecer as relações entre Brasil e Venezuela e reabilitar politicamente o ditador chavista. Em maio de 2023, ele recebeu Maduro para uma reunião em Brasília e cobriu o venezuelano de elogios - provocando críticas até de governos de esquerda da América do Sul, como o presidente chileno, Gabriel Boric.
Bases militares dos EUA
Maduro denunciou durante a cerimônia a instalação de "bases militares secretas" dos Estados Unidos em Essequibo.
"Verificamos informações de que no território da Guiana Essequibo, administrado temporariamente pela Guiana, foram instaladas bases militares secretas do Comando Sul, centros do Comando Sul e centros da CIA", disse o presidente.
De acordo com Maduro, as bases foram concebidas "para preparar agressões contra a população de Tumeremo e para preparar agressões contra as populações do sul e do leste da Venezuela, e para preparar uma escalada contra a Venezuela".
"O presidente Irfaan (Ali) não governa a Guiana, a Guiana é governada pelo Comando Sul, pela CIA e pela ExxonMobil, e não estou exagerando, eles controlam o Congresso, os dois partidos que formam a maioria, o governo e a oposição, controlam totalmente as forças de defesa da Guiana, as forças policiais", concluiu Maduro.
Depois que a lei foi aprovada em 21 de março, a Guiana expressou "grave preocupação” por se tratar de uma "violação flagrante de sua soberania".
Disputa histórica
A Venezuela e a Guiana estão disputando o chamado Essequibo, um território continental de cerca de 159.500 quilômetros quadrados, que os venezuelanos reivindicam como seu desde 1897, já que a região estava sob sua jurisdição durante a colônia espanhola.
Enquanto isso, o governo do presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, insiste que a disputa deve ser resolvida pela Corte Internacional de Justiça (CIJ). Maduro insiste na posição histórica da Venezuela de resolver a disputa por meio de negociações dentro da estrutura do chamado Acordo de Genebra, assinado com o Reino Unido em 17 de fevereiro de 1966, apenas 98 dias antes de conquistar sua independência.
Naquela ocasião, Londres reconheceu a reivindicação da Venezuela, abrindo a possibilidade de encontrar um acordo diplomático e satisfatório para as partes.
Após décadas de negociações bilaterais sem progresso, sob os bons ofícios das Nações Unidas, em 2018, a Guiana entrou com um pedido na CIJ para ratificar a decisão de 1899, quando a Guiana era uma colônia britânica na região.
A esse respeito, Maduro comentou que "mostramos cara a cara ao presidente da Guiana os documentos históricos que sustentam nossa posição de que a sentença arbitral de 1899 é nula, inválida, injusta, anacrônica e a Venezuela, com base no direito internacional moderno, não a reconhece" e, conforme o "Acordo de Genebra, não a reconhece e nunca a reconhecerá".
Em abril de 2023, a CIJ determinou que o caso tem mérito e se declarou competente para prosseguir com o caso. Uma decisão final, no entanto, deve levar anos.
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