Atores apresentam o espetáculo musicado por diversos bairros de Nova IguaçuAlessandra Fernandes / Divulgação
Por O Dia
Publicado 22/03/2021 00:00
'Carcará, não vai morrer de fome. Carcará, mais coragem do que homem". É a partir da poesia que retrata a similaridade entre as características da ave de rapina e dos homens, que surge com uma montagem cênica disposta a apresentar de forma lúdica e bem humorada a vida de João do Vale. A trajetória do artista vem sendo encenada durante todo este mês em nos bairros de Nova Iguaçu, gratuitamente. Ainda restam duas apresentações do espetáculo musicado 'João do Vale: O Carcará da Baixada', com texto de Ana Beatriz Gonçalves e Alexandre Gomes, que também realiza a direção.
O primeiro local a receber a peça, no último dia 10, foi o Bairro Rosa dos Ventos, local onde viveu João do Vale, mais especificamente na casa onde o artista morou, atual casa de seu filho, e também onde será construído o Centro de Cultura João do Vale. Em seguida, os atores passaram pela Casa do Menor São Miguel Arcanjo no Bairro Miguel Couto, semana passada. Quarta-feira, é a vez da Escola Livre F.A.M.A (Av. Getúlio de Moura 1302, no Centro). E, concluindo a temporada, a última apresentação será na Estação Cidadania Serra Do Vulcão, Praça Céu, Jardim Nova Era, no dia 31, sempre às 16h.
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A obra nos atenta não só para que a história de um dos maiores cantores e compositores negros brasileiros que teve uma forte relação com a Baixada, não seja esquecida, mas acima de tudo, para provocar uma reflexão a respeito dos preconceitos raciais, da xenofobia e da divisão de classes.
Além de homenagear os nordestinos que, desde 1950, migram para o Rio em busca de uma vida melhor na Cidade Maravilhosa, a montagem conta como um artista negro - de linhagem angolana -, no decorrer da sua história marcada pela migração entre o Sudeste e o Nordeste do Brasil, trabalhou como ambulante, ajudante de pedreiro, e garimpeiro para realizar seu principal e único objetivo: viver da sua arte.
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"João do Vale nos faz perceber que a presença da arte nas classes menos favorecidas é incontestável há muitos anos. Contar a história deste grande artista aos bairros de Nova Iguaçu é, de certa forma, tornar concreto um dos sonhos de João: levar alegria e entretenimento de qualidade ao povo", afirma Hilda Maretta, atriz do espetáculo.
Com elenco da Escola Fábrica dos Atores, composto por JV Nunes, Gabi Teixeira, Hilda Maretta e Mateus Amorim, o espetáculo é dono de prêmios como o de melhor iluminação, melhor atriz, melhor cenografia e 3º melhor espetáculo no 15º Festival Nacional de Teatro de Duque de Caxias, além das indicações para melhor figurino e melhor direção.
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Os ingressos serão destinados à formação de plateia para que sejam contemplados moradores e estudantes de cada localidade a fim de que a história de João do Vale seja conhecida pelos moradores da Baixada, quando o número não for completo os demais ingressos estarão disponíveis para retirada com duas horas de antecedência na bilheteria da cada local.
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João da rua e da Baixada Fluminense
Criado na Rua da Golada na cidade de Pedreiras, João do Vale foi retirado da escola para que o "privilégio de um menino branco fosse assegurado", ainda no terceiro ano do primário, como declarou na série Nova História da Música Popular Brasileira, da editora Abril. Após esse episódio, e com 15 anos, fugiu de casa para conquistar "a Cidade Maravilhosa". Quase um ano depois, após uma longa itinerância se estabeleceu em Salvador, onde fez bicos em circos, construções, transportes públicos e teve seu primeiro contato com a capoeira, o samba e o candomblé.
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Após deixar a capital baiana e passar por Minas Gerais, seu desejo se realizou e aos 17 ele desembarcou no Rio de Janeiro. Entre os episódios de racismo e violência que sofreu na capital fluminense, o aspirante a cantor e compositor peregrinava até as sedes de duas das maiores rádios da então capital do País, a Nacional e a Tupi. E somente cerca de 3 anos depois que conseguiu sua primeira chance, com o baião Madalena.
No ápice da sua aceitação, suas composições foram ficando cada vez mais conhecidas e em 1965, João do Vale marcou sua carreira lançando o álbum 'O Poeta do Povo", mas assim como tantos outros grandes artistas negros, morreu na miséria e no anonimato, no Conjunto Habitacional Rosa dos Ventos, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
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Após uma pesquisa universitária, a história de João virou livro no ano passado. Rosa dos Ventos, a estrela miúda de João do Vale foi escrito pela historiadora Marize Conceição de Jesus. Na obra, ela narra a construção do Conjunto Habitacional Rosa dos Ventos, bairro nascido a luz da segregação socioeconômica perpetuado pelo modelo de desenvolvimento capitalista brasileiro - período da ditadura civil militar —, e habitado por João do Vale até o dia de sua morte.
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