Publicado 02/03/2021 19:53 | Atualizado 03/03/2021 14:51
Rio - Na última segunda-feira (01), o governador em exercício do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, e o prefeito da capital, Eduardo Paes, participaram da cerimônia de lançamento do projeto de celebração dos 90 anos do Cristo Redentor. No evento, os governantes falaram com a imprensa e comentaram o enfrentamento da pandemia pelos governos estadual e municipal. No entanto, especialistas em saúde alertam para a necessidade de se acelerar a campanha de vacinação e pedem atenção aos dados atuais do estado fluminense.
Claúdio Castro acredita que "vida normalizada" volta até outubro
O governador em exercício Cláudio Castro disse que até outubro seria possível retornar à "vida normalizada". Chrystina Barros, pesquisadora em saúde do Centro de Estudos em Gestão de Serviços de Saúde do COPPEAD/UFRJ, avalia a estimativa do governador como precoce. Ela diz que isso significa não ser mais necessário o uso da máscara e não haver mais registros de casos nem mortes pela covid-19.
"Infelizmente, a covid chega (parece que) pra ficar e pra que ela seja controlada, somente com a campanha de vacinação que ainda não atende a velocidade que precisamos. Nós temos estrutura e capilaridade pra grandes campanhas, como, por exemplo, vacinamos 90 milhões de pessoas todos os anos, num período de 2 a 3 meses, em campanhas da vacinação da gripe", relembra a pesquisadora e membro do Comitê de Combate ao Coronavírus da UFRJ.
Barros reconhece a importância da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na produção local e diz que é preciso acreditar que a fundação dará conta da entrega de até 100 milhões de doses até o meio do ano. A pesquisadora acredita que, aumentando a capacidade de produção e a velocidade de vacinação, é possível ter uma boa perspectiva do segundo semestre. Mas ressalta que novas variantes podem atrapalhar a chegada desse cenário positivo.
"É muito cedo pra afirmar que em outubro estará normalizado porque contamos ainda com o próprio risco de novas variantes complicarem e diminuirem a eficacia da vacina", afirma a pesquisadora.
Já a médica geriatra Roberta França destaca os atrasos no calendário de vacinação do Brasil e pede por uma fala mais coerente com os problemas que o país enfrenta na vacinação.
"Enquanto nós não tivermos 70% da população mundial vacinada, nós não podemos dizer que temos um vida normal. Eu acho que a gente precisa ter uma fala otimista, porém, uma fala coerente com a realidade que nós temos no momento", diz a médica. França cita a falta de vacinas e a quantidade de profissionais de saúde que ainda não foram vacinados entre os problemas que impossibilitam a previsão de um cenário "normal" em outubro deste ano.
Prefeitura do Rio manterá medidas atuais de combate à pandemia
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, disse ontem que considerava o "lockdown" como opção para enfrentar a pandemia. Porém, após se reunir com o comitê científico que auxilia a prefeitura, Paes anunciou que não haverá ampliação das medidas atuais. A doutora Roberta é enfática quando diz que o Rio de Janeiro é um dos lugares que não pode desconsiderar o lockdown.
"Justamente por nós termos índices altíssimos, a nossa capacidade de leitos tá extremamente reduzida e o carioca é um povo que não respeita as ordens, não respeita as orientações. É um das cidades onde, você vê, os maiores absurdos no Brasil inteiro estão atrelados ao Rio de Janeiro: a falta de cuidado, a falta de respeito às normas contra a covid, o desrepeito ao uso da máscara, os desrespeito nas aglomerações", reforça a médica.
Por outro lado, a pesquisadora Chrystina Barros avalia os dados atuais do Rio de Janeiro como estáveis. A pesquisadora do UFRJ diz que a ocupação de leitos no estado do Rio não é igual a de outros estados que adotaram o lockdown, mas enfatiza a necessidade das instituições se manterem vigilantes.
"Através de programas de testagem, temos condição de fazer uma gestão mais adequada de todas as medidas que devem ser tomadas até que a vacina chegue e atinja, pelo menos, entre 60% e 70% da população, como os epidemiolgistas têm avaliado e de acordo com a eficácia da vacina", explica a pesquisadora.
França recorda as mais de 30 mil mortes por covid-19 e por complicações da doença que já ocorreram apenas no estado do Rio de Janeiro:
"Nós estamos pagando um preço cada vez mais alto, com mortes diárias. E essa morte não é um número, são pessoas que tinham uma família, que eram pais, que eram mães, que eram o amor da vida de alguém, e que agora não estão mais aqui".
Flávio Bolsonaro diz que lockdown é "coisa de mau gestor"
No mesmo evento que o governador em exercício do Rio e o prefeito da capital, o senador Flávio Bolsonaro elogiou os governantes por não adotarem medidas restritivas mais intensas como o lockdown e disse que isso seria uma prática de má gestão. A geriatra Roberta França critica a fala do senador.
"É o que ele representa: a falta de respeito pela população, a falta de capacidade técnica pra discutir coisas óbvias. A falta de respeito com todos aqueles que estão há um ano envolvidos nessa pandemia, vendo, dia a dia, pessoas morrendo e adoecendo", repreende a médica.
Enquanto isso, a pesquisadora do Coppead/UFRJ Chrystina Barros enfatiza a importância de se manter os dados atualizados e ressalta que, para tomar uma boa decisão, um governante deve se basear nestes dados e escutar a ciência. Segundo a pesquisadora, um lockdown é a única forma de evitar, por exemplo, que uma nova variante se espalhe entre a população.
"Isso só pode ser feito com dados claros e, por isso, a importância de se investir numa vigilância epidemiológica, mas ele não será uma má pratica de gestão se bem fundamentado. Da mesma forma que se não houver aplicação de lockdown, se os dados mostrarem a necessidade dele, será uma má prática de gestão não aplicar a medida, por mais impopular que seja", avalia Barros.
De acordo com a pesquisadora, uma gestão inteligente será definida por atenção aos "dados e fatos de uma vigilância epidemiológica ativa e bastante atuante".
*Estagiário sob supervisão de Thiago Antunes
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