Publicado 19/07/2021 07:38 | Atualizado 19/07/2021 14:45
Rio - Em relato ao DIA, o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio que teve o filho preso, em maio deste ano, em Copacabana, por planejar ataques a escolas em redes sociais, atestou com laudos que o rapaz, de 19 anos, tem transtorno mental severo. Como seu filho pode ser considerado inimputável, e o ataque não ocorreu, a reportagem não irá divulgar seu nome.
O magistrado conta que, por duas vezes, em 2019 e 2020, avisou às autoridades que seu filho estava em contato com grupos que pareciam ser de extremistas. Além disso, relata como o bullying sofrido pelo jovem por colegas da escola pode ter influenciado na busca pelo acolhimento em fóruns da internet.
Conforme DIA revelou ontem, com exclusividade, a partir da quebra do sigilo eletrônico do assassino da creche de Saudades, em Santa Catarina, a polícia descobriu que vários jovens planejavam ataques pelo País.
Pelo menos seis pessoas foram presas no Sudeste: quatro em São Paulo, uma no Rio, e outra em Minas Gerais. Em comum todos tinham admiração por temas nazistas e eram solitários. Atualmente, no Rio, a Polícia Civil e o Ministério Público continuam a investigar outros potenciais agressores.
Confira o relato do desembargador, feito à reportagem no início de junho.
"Meu filho foi preso, sim. Mas quero contar toda a história. Aos três anos ele recebeu o diagnóstico de autismo, ele não falava, não ouvia, se batia. Com o tratamento médico ele apresentou melhora, se comunicava, conseguimos colocá-lo no colégio. Bom, chegou à adolescência e veio o diagnóstico de esquizofrenia [ainda não conclusivo], que normalmente é diagnosticado na adolescência, pra quem é Asperger [um dos espectros do autismo], como ele é, é comum que ocorra. Sou separado da mãe dele, ele fica comigo em final de semana alternado, viaja comigo.
Em junho de 2019, ele estava na minha casa, usou o meu computador e voltou para a casa da mãe. Quando eu abro o meu computador, vejo que ele deixou o Facebook dele aberto....era grupo neonazista, supremacia racial, tinha gente dizendo que era da Al-Qaeda! Imediatamente fiz a comunicação ao Ministério Público e à Polícia Federal, e nada foi feito [mostra o documento enviado com o relato aos promotores]. O que eu fiz, como pai, como família? Tiramos a internet e colocamos na psicóloga. Depois de um tempo, ele pode voltar à internet, mas tinha que me dar a senha.
O que eu esperava? Que eles [autoridades] ouvissem a mim, ouvissem ao meu filho; eu ofereci o computador até, mas eles não fizeram nada.
Quando chega em julho de 2020, eu recebo um telefonema da Polícia Federal, de Brasília: 'Olha, nós temos aqui um procedimento que o senhor começou, a gente quer agora os equipamentos eletrônicos’.
Fui lá na Polícia Federal e entreguei tudo. Entreguei o computador, o celular dele, tudo com as senhas. Fui ouvido por um delegado, ele também foi ouvido pelo delegado, super profissional. E o ele me disse: 'Por que veio para cá? Tem gente que ele estava falando que diz que é terrorista. E tem gente que ele está falando que pode ser terrorista e não está dizendo'. O delegado me contou um monte de história, de cara que sai da Armênia, e sai pelo mundo cooptando. Muito bem, pensei: 'acabou', nada mais.
E, então, em maio agora, a mãe dele me liga, 6h da manhã, e diz: 'olha, a polícia está aqui'. (...)Então, começou a investigação com esses documentos, que a Polícia Federal entregou aos Estados Unidos. Isso o delegado me disse, que em razão do combate ao terrorismo esse documento que fiz foi para os Estados Unidos. São dezenas de malucos.
Ao que tudo indica, o meu filho voltou a se comunicar mas estava, desde então, sendo monitorado pelos Estados Unidos. Eu não tive acesso ao inquérito, não tenho detalhes.
Quem é o meu filho? Meu filho não abotoa a camisa. Ele não amarra os sapatos, não toma banho sozinho, não se limpa após ir ao banheiro. Não corta um bife com a faca. É isso. O delegado que pediu a prisão, eu quero dizer isso, eu teria feito o mesmo, agiu corretamente. A juíza que decretou a prisão, também. Eu teria decretado e, olha, a juíza me conhece. Não falei com ela nem antes nem depois. E por quê? Porque a gente julga papel, não está olhando a pessoa.
O delegado que fez a busca e apreensão não achou nenhuma agulha, nada. Revistou a casa inteira, zero de perigo, não achou nada. Meu filho é um cara de 1,80m, incapaz. Você não precisa de um médico para saber, você conversa com ele dois minutos e percebe.
Estão dizendo que ele foi solto porque é meu filho. Não. Ele foi preso porque é meu filho, eu que comecei isso aqui [levando a denúncia às autoridades]. Ele estava monitorado por conta disso. [A investigação de Santa Catarina apontou que ele se comunicava com uma menor de Minas Gerais que, por sua vez, conversava com o assassino de Saudades].
Na delegacia me explicaram que a distribuição ocorria da seguinte forma: enviava [o caso] ao Tribunal de Justiça às 15h, a resposta só iria chegar no dia seguinte. Eu falei: 'tudo bem. Ele dorme aqui na delegacia'. O delegado, então, me disse: 'aqui ele não pode dormir, ele vai para Benfica’. Em Benfica, se soubessem que era filho de juiz, do jeito que ele é, tenho certeza que seria estraçalhado. Então, a juíza o libera no mesmo dia, mas com uma série de restrições.
Ele foi preso por associação criminosa, por ficar atrás do computador e escrever sandices. Não justifica, mas meu filho sofreu muito bullying.(...)
Você tem em uma escola 30 crianças que são chamadas de normais e uma que não é. Um professor e um facilitador. Dos 30 alunos, você tem 20 que vai ajudar. Agora, você tem uns cinco ou seis que é o tempo todo implicando. Eu já fui várias vezes chamado na escola porque o meu filho só se defendia. Um menino chutava ele direto, era negro. Um dia ele se defendeu. Ninguém fez nada. Outra vez, um menino judeu o xingou diversas vezes, de 'maluco', 'idiota'. Ele respondeu, na raiva: 'Hitler tem razão'. O pai do garoto foi na delegacia o denunciar por crime racial, ele tinha 13 anos. Não tenho a menor dúvida que daí veio a simpatia por neonazistas.
(...)O meu filho só assiste a desenho animado infantil. Ele não consegue sair de casa sozinho por uma razão simples: tem pavor de pássaros, ornitofobia.(...)
Os dois piores dias da minha vida foram quando soube que meu filho tinha transtornos mentais, quem é pai sabe que o chão se abre. O outro foi quando ele foi preso".
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