Publicado 05/08/2021 21:04
Rio - Horas depois de ter saído do presídio na tarde desta quinta-feira, Tiago Marques de Oliveira, de 28 anos, conta que ainda tenta entender por que o policial militar o acusou de ter trocado tiros com os agentes no Morro do Salgueiro, no último sábado. A acusação foi feita na delegacia da Tijuca, onde o PM ainda afirmou ter apreendido uma pistola 9mm e munições com ele. Depois de quatro dias, o jovem foi liberado da cadeia após a Justiça conceder alvará de soltura sob a justificativa de que não havia, nos autos, mínimos indícios de que Tiago era traficante.
"Não sei por que o policial fez isso comigo. Ele poderia ter destruído a minha vida. O policial sequer olhou no meu rosto. E só na delegacia, no momento em que fui prestar depoimento sobre o tiroteio, é que eu soube da acusação. Ele fez o relato para a delegada, que aceitou a história dele e me deu voz de prisão", lembra Tiago, que tem um filho de 4 anos e trabalha como estoquista em uma escola particular da Barra da Tijuca.
Ele conta que era chamado de 'vagabundo' pelos agentes na prisão, onde ficou encarcerado em um 'cubículo' com outros 16 detentos, um deles com tuberculose, passando frio:
"Eu dormia na 'pedra', como eles chamam. A 'pedra' é o chão frio. E, a todo momento, ouvia dos agentes: 'Agacha, vagabundo', 'levanta, vagabundo', 'coloca a roupa, vagabundo'. Eu não desejo o que eu passei para ninguém. Como todos que estão lá, fui tratado como cachorro, até pior do que isso. Se eu não tivesse tido o apoio da minha família, dos meus amigos, eu teria surtado. É muito difícil manter a cabeça em ordem nessas condições".
Segundo o depoimento que prestou na delegacia, Tiago relata que estava num bar da família, no Morro do Salgueiro, quando, por volta das 17h do último sábado, ouviu barulho de intensa troca de tiros. As pessoas que estavam no bar tentaram se proteger, mas Tiago e outras duas jovens, menores de idade, ficaram feridos. Uma delas, de 14 anos, foi baleada na perna esquerda e Tiago envolveu o ferimento com o seu casaco na tentativa de estancar o sangue.
Pouco depois, Tiago relata que foi com a jovem até a viatura policial pedir socorro, informando que a adolescente havia sido baleada e que ele sentia que seu ombro estava queimando - Tiago foi atingido por estilhaços de tiros. Ele, a jovem, já desmaiada, e a mãe dela foram levados, no banco de trás do carro da PM, para o Hospital do Andaraí.
Após ter recebido alta na mesma noite, Tiago conta que foi algemado e avisado pelo policial que iria ser levado para delegacia para prestar depoimento e que, em seguida, seria liberado:
"Quando ele me algemou, eu perguntei por que ele estava fazendo isso. Ele disse que a delegada queria me ouvir e que eu seria liberado em seguida. Eu aceitei, não reclamei, porque eu não sabia se esse procedimento era de praxe ou não, e sabia da minha inocência. Na delegacia é que veio a surpresa da acusação. Eu nunca encostei em uma arma na minha vida".
Tiago conta que, quando recebeu alta do hospital, vestia apenas um short disponibilizado pela unidade de saúde e estava sem camisa. Na delegacia, um policial lhe entregou uma blusa.
"Com essa roupa eu fui preso. Mas a blusa era muito fina e eu estava com muito frio. Primeiro fui para o presídio de Benfica, onde serviram feijão estragado. Depois, fui transferido para a cadeia em São Gonçalo. Lá, um homem que estava preso na mesma cela me deu uma camisa mais grossa. Ele tinha duas. Só assim pude suportar melhor o frio, porque na cadeia ninguém te dá nada, não estão nem aí para você", diz Tiago, que prossegue:
"Os outros presos também me ajudaram. Eles ouviram minha história e disseram para eu manter minha cabeça erguida, porque era inocente e logo seria solto. Mas eu percebi que há outras pessoas ali que estão numa situação parecida com a minha. Só que eles não têm ninguém por eles, nem advogado nem familiares".
Agora, Tiago diz que pretende retomar o trabalho normalmente e passar o tempo com os familiares e amigos.
"Vou procurar trabalhar, me divertir, rir com meus amigos como sempre fiz. Só queria saber por que o policial fez isso comigo. Ele mancha ainda mais a reputação da PM, que já não é boa no Rio. Ele mancha a conduta de um policial correto, honesto, que acorda todos os dias cedo para trabalhar e sustentar sua família. Como faz a grande maioria dos moradores de comunidades, que são pessoas guerreiras, que dão o suor para trazer o alimento para dentro de casa".
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