Vacilos no esquema de falso advogado para soltar mulher presa por sequestro ajudaram investigação
Arlésio Luiz Pereira dos Santos, apontado como mentor do grupo que fraudava alvarás de soltura, apareceu em foto de churrasco com presa e usou email pessoal em defesa de processo administrativo disciplinar
Gilmara Amorim faz parte de um grupo acusado de planejar e realizar mais de 10 assaltos à agências bancárias no Rio - Reprodução
Gilmara Amorim faz parte de um grupo acusado de planejar e realizar mais de 10 assaltos à agências bancárias no RioReprodução
Por Beatriz Perez
Rio - Dois deslizes envolvendo Gilmara Amorim, presa novamente na última quarta-feira (4) após deixar o presídio com um alvará de soltura falso, e o falso advogado Arlésio Luiz Pereira dos Santos, ajudaram a polícia e a inteligência da Seap a identificar a organização criminosa alvo de operação nesta terça-feira. Pelo menos cinco pessoas produziam documentos falsos e executavam alvarás de soltura, que libertaram pelo menos três criminosos no Rio de Janeiro entre outubro e novembro do ano passado. As fraudes foram descobertas no início de fevereiro deste ano.
No caso específico do alvará da mulher, que estava presa por sequestro, Arlésio enviou do seu email pessoal a defesa de um processo administrativo disciplinar assinado por ele e pela advogada Débora Albernaz, que também foi alvo da operação desta terça-feira. "Esse é mais um indício que nos permite presumir a existência de associação entre os dois para cometimento dessas fraudes", disse o secretário da Seap, Raphael Montenegro.
Em outro episódio, Gilmara postou em uma rede social, uma foto em um churrasco ao lado de Arlésio. Ela estaria comemorando a soltura.
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Gilmara foi presa na Cidade Nova, no Centro do Rio, e alegou ser inocente, dizendo que acreditou em sua advogada, que teria negociado a rendição com a Seap. Ela foi condenada a mais de 18 anos de prisão por sequestro e assalto a banco. A mulher faz parte de um grupo acusado de planejar e realizar mais de 10 assaltos à agências bancárias no Rio.
Em 2008, Gilmara participou do sequestro do gerente de uma agência da Caixa Econômica Federal do Aeroporto Tom Jobim, o Galeão. O bancário, a mulher dele e a filha foram mantidos em cativeiro por um dia. A condenada cumpria pena em um presídio em Niterói, na Região Metropolitana do Rio.
'Kit de soltura'
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O homem apontado como mentor de um grupo que expedia um 'kit' de documentos falsos para soltura de presos se passava por advogado, assim como sua companheira. Além do casal, preso na Avenida Brasil em tentativa de fuga, outras duas advogadas foram presas na manhã desta terça-feira, além de um agente penitenciário. A investigação foi um trabalho conjunto desenvolvido pela Divisão de Capturas e Polícia Interestadual (Polinter) da Polícia Civil e pela Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap).
O inquérito foi instaurado após a imprensa noticiar a fuga de três presos que obtiveram a liberdade por meio de alvarás de soltura fraudulentos. A partir da denúncia, a Seap levantou informações e pediu a colaboração da Polícia Civil. Os criminosos que conseguiram fugir do sistema prisional por meio do esquema são João Filipe Cordeiro Barbieri, apontado como um dos maiores traficantes de armas do mundo, João Victor Silva Roza e Gilmara Monique de Oliveira Amorim.
Os cinco suspeitos que tiveram o mandado de prisão temporária cumpridos hoje participaram do processo de soltura dos criminosos. Nos três episódios, as advogadas envolvidas no esquema assumiram a defesa dos criminosos pouco antes da soltura. A polícia acredita que o papel delas na quadrilha era colocar os presos em contato com Arlésio Luiz Pereira dos Santos, apontado como chefe do grupo.
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Descrito como escorregadio pelo titular da Polinter, Arlésio foi preso na Avenida Brasil, enquanto tentava fugir com a mulher, Josefa Antônio da Silva. O carro do casal foi apreendido com diversos documentos que podem ajudar na investigação. Os policiais chegaram ao casal por conta das apreensões e informações colhidas na prisão dos outros três presos nesta manhã. Durante a operação desta terça-feira foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão.
"Alésio não tem endereço fixo. Tem mais de 15 passagens policiais por estelionato, falsificação de documento e corrupção. Já foi condenado. Já cumpriu pena durante pouco mais de um ano e conheceu a estrutura de como é dado o cumprimento dos alvarás de soltura", afirmou o titular da Polinter, delegado Mauro César. O secretário da Seap, Raphael Montenegro, disse que Alésio desempenhou atividades administrativas enquanto cumpria pena. O secretário não informou a unidade prisional ou a data em que Arlésio cumpriu pena.
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A companheira de Arlésio, Josefa, visitava o falsário constantemente no presídio enquanto estava preso.
Os presos são indiciados por associação criminosa, mas a polícia investiga se houve a prática dos crimes de corrupção ativa e passiva, falsificação de documento público e uso de documento falso.
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"Todos os documentos (do processo de soltura) eram falsos. Era um kit com a decisão, o alvará, o sarq-polinter. Isso chegou na Seap e identificamos essas pessoas que participaram desse esquema", disse o diretor do Departamento-Geral de Polícia Especializada (DGPE), delegado Felipe Curi.
O agente penitenciário preso durante a manhã no Flamengo, Zona Sul do Rio, era o responsável por determinar o cumprimento dos falsos alvarás de soltura. A polícia apura se há outras pessoas envolvidas no esquema e se outros presos foram libertados por meio de documentos falsos.
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Foram alvo da operação:
. Débora Albernaz de Souza, advogada . Angélica Coutinho Rodrigues Malaquias, advogada . Fábio Luis da Silva Polidoro, agente penitenciário . Arlésio Luiz Pereira dos Santos, falso advogado . Josefa Antônio da Silva, falsa advogada e companheira de Arlésio
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Seap modifica sistema de soltura
A partir da fuga dos criminosos com alvarás de soltura falsos, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) reviu o sistema de soltura dos presos. "Ninguém passa por uma situação dessa e não revê seus próprios atos", disse o secretário da Seap. Raphal Montenegro disse que o alvará de soltura eletrônico foi uma mudança criada na pandemia, na ausência do oficial de justiça, que ficou trabalhando em home office.
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"No primeiro momento não se atentaram na necessidade de protocolos de dupla certificação e outras medidas de segurança", disse o secretário. No dia 20 de fevereiro foi publicada uma resolução que exige que o alvará venha de um email institucional, assinado por um servidor público. Esse alvará recebe dupla checagem. Também foi criada uma comissão de processamento de alvarás eletrônicos, que conta com a análise de três servidores para autorizarem a execução da soltura.
Detentos beneficiados
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O detento João Barbieri é apontado como um dos maiores traficantes de armas do mundo. Ele é enteado de Frederick Barbieri, que está preso nos Estados Unidos. Frederick é conhecido internacionalmente como senhor das armas.
Preso em 2017 e condenado a 27 anos de prisão por associação para o tráfico e tráfico internacional de armas, João Barbieri deixou o Complexo de Gericinó no fim do ano passado após uso de um alvará de soltura falso.
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Investigações da polícia apontam que o traficante liderou uma quadrilha Oenviou para o Brasil centenas de fuzis escondidos em aquecedores de piscina.
João Vitor também ganhou liberdade através do documento falso. Ele também é condenado por tráfico de armas. Gilmara Amorim é condenada por extorsão. Após passar mais de um mês nas ruas, ela se entregou à polícia na semana passada. Os documentos falsos eram emitidos em nome da Justiça Federal.
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