Publicado 05/11/2022 13:02
Rio - Mensagens e áudios obtidos pelo pai de Marcos Nascimento Tavares, de 19 anos, mostram que filho estava apreensivo com as insinuações de que ele estaria articulando contra traficantes da Vila Cruzeiro, na Penha, Zona Norte do Rio. O jovem foi executado no dia 29 de agosto pelo 'tribunal do tráfico' da comunidade, acusado de ser informante da polícia.
As conversas foram encontradas no celular de Marcos. No registro, uma jovem identificada apenas como Lorrani não diz claramente qual era o envolvimento do rapaz, mas afirma a todo momento que Marcos tinha um combinado com ela. Em um dos áudios ela diz: "Aquela parada que estávamos querendo fazer "lombrou", mas ninguém pegou a visão de nada, para de se fazer de sonso". Em outro momento ela diz: "Pode falar, cara, não tem ninguém aqui do meu lado não". O estudante, que cursava Fisioterapia, continua negando ser um informante da polícia.
Após a conversa com a jovem, Marcos pede ajuda a um amigo. "Acho que alguém quer me jogar na bola, preciso da sua ajuda urgente", escreveu ele. No mesmo dia, o rapaz procurou o pai para contar que traficantes foram até o seu trabalho, em uma farmácia, para falar com ele. Marcos ainda retornou para casa, mas na mesma noite desapareceu.
De acordo com a Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA), o caso foi relatado na especializada com o indiciamento dos autores do homicídio, que tiveram a prisão preventiva decretada. São eles: Carlos da Costa Neves, o Gardenal, Pedro Paulo Guedes, o Urso ou Pedro Bala, Edgar Alves de Andrade, o Doca, e Wilton Carlos Rabello Quintanilha, o Abelha. O Ministério Público do Rio (MPRJ) também ofereceu denúncia contra estes quatro traficantes por homicídio e ocultação de cadáver. Diligências seguem na DDPA para localizar e prender todos os envolvidos no crime.
Wilton é considerado o chefe da maior facção criminosa do Rio de Janeiro e foi solto após um erro da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap). Com isso, ele retornou à liderança da comunidade.
Comissão da OAB-RJ acompanha o caso
A Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ está acompanhando o caso e irá se encontrar com a defesa e a família de Marcos na segunda-feira (7). "Estamos tentando inserir o pai no Programa de Proteção a Testemunhas", disse o advogado, que tenta preservar ao máximo o familiar.
Jovem já foi preso injustamente
"Foi um inferno. Quero nunca mais lembrar disso. Para sempre vou ter pesadelos". Essa foi a frase dita pelo jovem Marcos ao ser solto no dia 2 de março deste ano após passar dois dias preso acusado de roubar o celular de uma turista em Ipanema, na Zona Sul. O jovem diz que foi levado para a prisão sem direito de dar sua versão dos fatos, apenas por ser negro e estar com o cabelo pintado de loiro. Para o rapaz, o único motivo para ele e seus amigos terem sido presos foi a cor da sua pele. "Prenderam porque sou preto. É isso. (...) Sei nem o que eu vou fazer da minha vida agora. Sei nem se eu vou conseguir dormir. Como vou dormir? Não durmo desde que fui preso. Como vou dormir na minha casa? Fiquei imaginando a cara dos meus pais ao descobrirem isso", lembrou na época em entrevista ao Dia.
"A gente estava passando na praia. Assim que a gente passou, eles simplesmente falaram: 'Vocês! Vem cá! Cadê o Iphone que vocês roubaram?'. A gente disse: 'que Iphone?'. Falaram que a gente parecia com as pessoas que levaram. Não lembravam nem o rosto. Falaram que a gente agarrou o pescoço de uma mulher, falou que a gente fez um monte de coisa sem necessidade nenhuma", contou o jovem, que atua como instrutor de percussão em uma ONG de música, na Penha, Zona Norte. Ele também é aluno em um centro cultural de artes cênicas.
Marcos foi preso com outros dois jovens, um deles era menor de idade. Os três receberam alvará de soltura de liberdade provisória, após a Justiça entender que não haviam provas que justificassem a manutenção da prisão preventiva.
Antes de morrer, ele ainda respondia na Justiça do Rio pelo roubo do celular de uma turista de São Luís do Maranhão. No dia 19 de outubro, quase dois meses depois de ter a vida ceifada, o estudante foi absolvido do processo.
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