Marcelo Tavares Carrero abraça seu filho, Marcos NascimentoCleber Mendes / Agência O Dia

Rio - "Foi um inferno. Quero nunca mais lembrar disso. Para sempre vou ter pesadelos". Essa foi a frase dita pelo jovem Marcos do Nascimento Tavares Carreira, de 19 anos, ao ser solto nesta quarta-feira após passar dois dias preso acusado de roubar o celular de uma turista em Ipanema, na Zona Sul. O crime aconteceu na última segunda-feira, mas o jovem diz que foi levado para a prisão sem direito de dar sua versão dos fatos, apenas por ser negro e estar com o cabelo pintado de loiro. Para o rapaz, o único motivo para ele e seus amigos terem sido presos foi a cor da sua pele. "Prenderam porque sou preto. É isso. (...) Sei nem o que eu vou fazer da minha vida agora. Sei nem se eu vou conseguir dormir. Como vou dormir? Não durmo desde que fui preso. Como vou dormir na minha casa? Fiquei imaginando a cara dos meus pais ao descobrirem isso", lembrou. 
"A gente estava passando na praia. Assim que a gente passou, eles simplesmente falaram: 'Vocês! Vem cá! Cadê o Iphone que vocês roubaram?'. A gente disse: 'que Iphone?'. Falaram que a gente parecia com as pessoas que levaram. Não lembravam nem o rosto. Falaram que a gente agarrou o pescoço de uma mulher, falou que a gente fez um monte de coisa sem necessidade nenhuma", contou o jovem, que atua como instrutor de percussão em uma ONG de música, na Penha, Zona Norte. Ele também é aluno em um centro cultural de artes cênicas. 
Marcos foi preso com outros dois jovens, um deles era menor de idade. Os três receberam alvará de soltura de liberdade provisória nesta quarta-feira, após a Justiça entender que não haviam provas que justificassem a manutenção da prisão preventiva. Ele estava detido na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, Zona Norte. A decisão de soltura foi proferida na manhã desta quarta-feira. 
"Nunca pensei nisso. Ainda mais por ser acusado por fazer uma coisa que você não fez. Todo mundo lá tem um motivo para estar lá. Quando eu falava que não sabia que estava lá ninguém entendia era nada. É difícil passar o que a gente nunca imaginou na vida. Não tenho motivo para fazer isso. Meu pai, minha mãe, quem me conhece sabe. Minha mãe faz de tudo por mim, meu pai também", lamentou o jovem. 
Segundo o pai do instrutor de percussão, Marcelo Tavares Carreira, os policiais fizeram a prisão do jovem sem nenhuma justificativa, uma vez que as vítimas teriam apontado outras pessoas. "Não pode uma pessoa chegar e acusar qualquer um sem motivo. Se a própria moça não reconheceu direito, como que o policial vai falar 'você é negro e tá com cabelo loiro, vou te prender'", questionou.
Marcelo explica que vai procurar ajuda psicológica para que o filho não desista dos seus sonhos: "Vamos para casa. A Ana (responsável pela ONG onde Marcos é instrutor) vai me ajudar, vai arrumar um psicólogo para que ele não desista dos sonhos dele, que é fazer Fisioterapia, entrar no quartel, fazer a faculdade dele que ele passou", contou. 
O caso
Marcos foi preso, nesta segunda-feira, enquanto caminhava pelo calçadão de Ipanema, na Zona Sul, com outros dois amigos. Ele foi abordado por policiais militares por ter as características de um dos envolvidos em um roubo a uma turista de São Luis do Maranhão, cerca de meia hora antes. As duas mulheres vítimas teriam apontado ele e outros quatro como possíveis responsáveis pelo crime. Só Marcos, Kawan dos Reis e um menor de idade foram detidos.
Aos policiais, as turistas teriam contado que um grupo de cinco homens as abordaram e tentaram duas vezes tomar seu celular, sendo a segunda vez de maneira violenta, com puxão no pescoço. Após ter seu pertence roubado, elas procuraram uma viatura da PM e relataram o ocorrido e deram as características dos acusados: negro, alto e com cabelo pintado de loiro. 
Nenhum dos três abordados foi encontrado com o pertence da vítima, mas ainda assim foram levados para a 14ª DP (Leblon), onde ficaram presos até a terça-feira, sem direito prestar seu depoimento, segundo o próprio Marcos. No dia seguinte, terça-feira (1º) eles foram levados para o presídio em Benfica, onde permaneceram até esta quarta-feira (2).
Segundo familiares, Marcos tinha pintado o cabelo de loiro no fim de semana para curtir o Carnaval. O pai do jovem, amigos da ONG onde ele é instrutor e familiares estiveram na porta do presídio em Benfica para protestar contra a prisão do jovem. Eles aguardavam a decisão favorável pela soltura de Marcos.  
Em nota, a PM disse que equipes do 23° BPM (Leblon) realizavam policiamento pela Pedra do Arpoador, na Zona Sul da Cidade do Rio, quando frequentadores apontaram para três jovens os acusando pelo cometimento de roubos. Os PMs então os prenderam, sendo Marcos e Kawan maiores de idade e o terceiro adolescente. As duas maranhenses também foram conduzidas junto para a delegacia. 
*Colaborou Cleber Mendes