Estudantes da Escola Estadual Thomazia Montoro voltaram às aulas nesta segunda-feiraFernando Frazão/Agência Brasil
Letícia chama atenção para a mudança no perfil de publicações deste tipo desde a noite do último domingo. Ela avalia que, por conta de seu nível de organização, o conteúdo não foi coordenado por adolescentes. A estética e o conteúdo das publicações também destoam do que é publicado pela comunidade.
"Fazemos esse monitoramento de comunidades específica de onde saíram atentados desde o ano passado. São adolescentes e a comunidade é dinâmica. Não são todas as pessoas que vão permanecer", explica. Parte do monitoramento foi utilizado para elaborar o relatório entregue ao governo de transição.
Segundo a jornalista, que é editora do coletivo de informação El Coyote, há um ecossistema de grupos da extrema-direita para cooptar esses jovens, mas há um desvio no perfil do grupo desde o ataque de Vila Sônia em São Paulo. "Começamos a ver uma mudança de padrão de gente tentando se inserir nessa comunidade a partir da Vila Sônia. Surgem e já ameaçam atentado".
Letícia também explica que o conteúdo passou a ser mais disseminado pelas redes WhatsApp e Instagram. "Essas ameaças servem para influenciar os adolescentes que fazem parte do grupo e para causar pânico", avalia. Os grupos de extrema direita no Brasil organizam-se e divulgam-se pela internet, explica a especialista.
Para o professor da Uff Daniel Hirata a facilitação do acesso às armas pelo último governo aumentou a insegurança provocada pelas ameaças e ataques. "A consequência é um medo justificável com esses eventos e tem uma sorte de aproveitadores que fomentam o pânico. Temos uma explosão dessas mensagens, que em sua maioria parecem ser falsas", pondera. "A pior maneira da gente lidar com esse problema, ainda mais no contexto escolar, é através de medidas de vigilância com revistas, detectores e policiais armados nas escolas. O medo leva a reações que não são bem refletidas. As escolas têm que ser lugares protegidos. Isso é indiscutível. As soluções estão na direção de uma maior conversa entre estudantes, famílias, professores", comenta.
A professora do departamento de Psicologia Social da Uerj, Jimena de Garay Hernandez, realiza projetos de extensão e pesquisas em escolas, inclusive do sistema socioeducativo. A pesquisadora avalia que a sociedade precisa se reconectar com a escola, que por sua vez precisa receber mais recursos públicos para melhorar sua estrutura e sanar o déficit de professores.
"A escola parou de fazer sentido para muitas crianças e adolescentes e a pandemia aprofundou esse desinteresse. Está sendo criado um pânico. Para além do medo, é preciso estabelecer mais conexão com as crianças. Reocupar o espaço público e conectar a escola com atividades de esporte, cultura e lazer", afirma.
A professora da Uerj pondera que o discurso de ódio também precisa ser enfrentado nas escolas. "Há ódio na internet contra mulheres, pessoas LGBTs, mulheres, que precisamos encarar. O debate sobre esses temas foi censurado, não se podia falar de gênero ou sexualidade nas escolas e isso têm relação com discursos misóginos", afirma.
A especialista também critica soluções que declinem para a militarização das escolas. "Eu insisto na questão do diálogo. Fortalecer a comunidade escolar. Articular com a rede de saúde. Ter acompanhamento psicológico nas escolas. A nossa primeira reação frente ao pânico é polícia nas escolas. As crianças estão gritando. Antes da gente gritar também, nesse pânico ligado a fake news, precisamos ouvir as crianças e ter muita conversa", conclui.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) encaminhou na segunda-feira (10) uma recomendação à Secretaria de Estado de Educação para que sejam adotadas medidas no sentido de fazer cumprir a Lei Federal nº 13.935/19 e a Lei Estadual nº 9.295/2021, que determinam a contratação de psicólogos para as escolas. A secretaria tem um prazo de 15 dias para responder.
A Lei Estadual nº 9295/2021 determina a contratação de profissionais da área de Psicologia para as unidades escolares das redes pública e privada. Já o artigo 1º da Lei Federal nº 13.935, de 2019, estabelece que as redes públicas de educação básica contarão com serviços de Psicologia e de Serviço Social para atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais, dando ainda o prazo de um ano para que os estados se adaptassem às novas regras.
A Polícia Civil do Rio instaurou inquérito para monitorar aplicativos e perfis em redes sociais em que o conteúdo indique possível ataque a uma unidade escolar. Já a Polícia Militar intensificou o trabalho da Patrulha Escolar com ações preventivas e reforçou o policiamento em unidades escolares que receberam denúncias.
A Polícia Militar também está desenvolvendo o aplicativo 'Rede Escola' com botão de emergência que aciona eletronicamente o serviço 190. Um comitê permanente com a Secretaria Estadual de Educação e as forças de segurança vem se reunindo regularmente para a formalização de protocolos. Além disso, um treinamento de gestão de crise está sendo elaborado pelas forças especiais de segurança para capacitar professores e funcionários de escolas públicas e privadas.
A Secretaria Estadual de Educação está trabalhando em parceria com as policiais Civil e Militar, encaminhando as denúncias que vêm surgindo nas redes sociais e que estão causando preocupação entre os alunos, pais e profissionais da rede de ensino.
A Secretaria Municipal do Rio afirmou que não houve nenhuma ocorrência na rede nesta terça-feira. “A Secretaria Municipal de Educação segue monitorando tudo o que puder tumultuar a rotina da vida escolar e está trabalhando junto com as forças policiais e outros órgãos públicos para garantir a paz em suas unidades”, afirmou em nota.
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