Estudantes da Escola Estadual Thomazia Montoro voltaram às aulas nesta segunda-feiraFernando Frazão/Agência Brasil

Rio - Conteúdos falsos espalhados desde o início desta semana nas redes sociais provocaram medo e esvaziaram turmas no Rio de Janeiro. Eram áudios, fotos e tweets relacionados a ameaças de ataques em escolas, na esteira dos atentados que ocorreram em Blumenau (SC) e em São Paulo. A jornalista Letícia Oliveira, que há onze anos monitora grupos extremistas nas redes sociais, passou a pesquisar também comunidades de adolescentes que cultuam ataques violentos contra escolas. Este monitoramento com técnicas de Osint, sigla em inglês para open source intelligence (informação de fontes abertas, em português) passou a ser feito nestes grupos após o ataque em uma escola em Aracruz (ES) em novembro do ano passado.

Letícia chama atenção para a mudança no perfil de publicações deste tipo desde a noite do último domingo. Ela avalia que, por conta de seu nível de organização, o conteúdo não foi coordenado por adolescentes. A estética e o conteúdo das publicações também destoam do que é publicado pela comunidade.

"Fazemos esse monitoramento de comunidades específica de onde saíram atentados desde o ano passado. São adolescentes e a comunidade é dinâmica. Não são todas as pessoas que vão permanecer", explica. Parte do monitoramento foi utilizado para elaborar o relatório entregue ao governo de transição.

Segundo a jornalista, que é editora do coletivo de informação El Coyote, há um ecossistema de grupos da extrema-direita para cooptar esses jovens, mas há um desvio no perfil do grupo desde o ataque de Vila Sônia em São Paulo. "Começamos a ver uma mudança de padrão de gente tentando se inserir nessa comunidade a partir da Vila Sônia. Surgem e já ameaçam atentado".
A estética também se diferencia do que era publicado no grupo. "O que notamos é um fluxo de contas que fogem ao padrão. O padrão das ameaças enviadas pelo Brasil todo (nos últimos dias) são muito diferentes. São imagens que foram retiradas do Pinterest e repassadas em diversos estados como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, com linguagem de facção, que também não é utilizada no grupo. Não são adolescentes (que distribuíram esse conteúdo)", explicou.

Letícia também explica que o conteúdo passou a ser mais disseminado pelas redes WhatsApp e Instagram. "Essas ameaças servem para influenciar os adolescentes que fazem parte do grupo e para causar pânico", avalia. Os grupos de extrema direita no Brasil organizam-se e divulgam-se pela internet, explica a especialista.
O professor de Segurança Pública da Uff, Daniel Hirata, avalia que os episódios de violência nas escolas têm como pano de fundo o aumento dos discursos de ódio de grupos extremistas, como nazismo, fascismo e grupos misóginos (anti mulheres).
"Tem uma série de discurso de ódio que passou a circular muito fortemente no Brasil e que foram potencializados pela lógica de funcionamento das redes, nas quais essas pessoas podem se associar e encontram reputação e popularidade na mesma medida que essas ações extremistas acontecem. Infelizmente, há um prestígio que pessoas que pensam e atuam dessa forma vem ganhando nessas redes sociais", pontua.
Para enfrentar esses grupos extremistas, o ministro da Justiça Flávio Dino cobrou de representantes das redes sociais na segunda-feira (10) a retirada de centenas de contas por uso de hashtags com potencial criminoso.

Para o professor da Uff Daniel Hirata a facilitação do acesso às armas pelo último governo aumentou a insegurança provocada pelas ameaças e ataques. "A consequência é um medo justificável com esses eventos e tem uma sorte de aproveitadores que fomentam o pânico. Temos uma explosão dessas mensagens, que em sua maioria parecem ser falsas", pondera. "A pior maneira da gente lidar com esse problema, ainda mais no contexto escolar, é através de medidas de vigilância com revistas, detectores e policiais armados nas escolas. O medo leva a reações que não são bem refletidas. As escolas têm que ser lugares protegidos. Isso é indiscutível. As soluções estão na direção de uma maior conversa entre estudantes, famílias, professores", comenta.
Diálogo em vez de militarização

A professora do departamento de Psicologia Social da Uerj, Jimena de Garay Hernandez, realiza projetos de extensão e pesquisas em escolas, inclusive do sistema socioeducativo. A pesquisadora avalia que a sociedade precisa se reconectar com a escola, que por sua vez precisa receber mais recursos públicos para melhorar sua estrutura e sanar o déficit de professores.

"A escola parou de fazer sentido para muitas crianças e adolescentes e a pandemia aprofundou esse desinteresse. Está sendo criado um pânico. Para além do medo, é preciso estabelecer mais conexão com as crianças. Reocupar o espaço público e conectar a escola com atividades de esporte, cultura e lazer", afirma.

A professora da Uerj pondera que o discurso de ódio também precisa ser enfrentado nas escolas. "Há ódio na internet contra mulheres, pessoas LGBTs, mulheres, que precisamos encarar. O debate sobre esses temas foi censurado, não se podia falar de gênero ou sexualidade nas escolas e isso têm relação com discursos misóginos", afirma.

A especialista também critica soluções que declinem para a militarização das escolas. "Eu insisto na questão do diálogo. Fortalecer a comunidade escolar. Articular com a rede de saúde. Ter acompanhamento psicológico nas escolas. A nossa primeira reação frente ao pânico é polícia nas escolas. As crianças estão gritando. Antes da gente gritar também, nesse pânico ligado a fake news, precisamos ouvir as crianças e ter muita conversa", conclui.

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) encaminhou na segunda-feira (10) uma recomendação à Secretaria de Estado de Educação para que sejam adotadas medidas no sentido de fazer cumprir a Lei Federal nº 13.935/19 e a Lei Estadual nº 9.295/2021, que determinam a contratação de psicólogos para as escolas. A secretaria tem um prazo de 15 dias para responder.

A Lei Estadual nº 9295/2021 determina a contratação de profissionais da área de Psicologia para as unidades escolares das redes pública e privada. Já o artigo 1º da Lei Federal nº 13.935, de 2019, estabelece que as redes públicas de educação básica contarão com serviços de Psicologia e de Serviço Social para atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais, dando ainda o prazo de um ano para que os estados se adaptassem às novas regras.

A Polícia Civil do Rio instaurou inquérito para monitorar aplicativos e perfis em redes sociais em que o conteúdo indique possível ataque a uma unidade escolar. Já a Polícia Militar intensificou o trabalho da Patrulha Escolar com ações preventivas e reforçou o policiamento em unidades escolares que receberam denúncias.

A Polícia Militar também está desenvolvendo o aplicativo 'Rede Escola' com botão de emergência que aciona eletronicamente o serviço 190. Um comitê permanente com a Secretaria Estadual de Educação e as forças de segurança vem se reunindo regularmente para a formalização de protocolos. Além disso, um treinamento de gestão de crise está sendo elaborado pelas forças especiais de segurança para capacitar professores e funcionários de escolas públicas e privadas.

A Secretaria Estadual de Educação está trabalhando em parceria com as policiais Civil e Militar, encaminhando as denúncias que vêm surgindo nas redes sociais e que estão causando preocupação entre os alunos, pais e profissionais da rede de ensino.

A Secretaria Municipal do Rio afirmou que não houve nenhuma ocorrência na rede nesta terça-feira. “A Secretaria Municipal de Educação segue monitorando tudo o que puder tumultuar a rotina da vida escolar e está trabalhando junto com as forças policiais e outros órgãos públicos para garantir a paz em suas unidades”, afirmou em nota.