Drauzio Varella criticou a medida anunciada pelo prefeito Eduardo PaesReprodução / Redes Sociais

Rio - A medida de internação compulsória de usuários de drogas anunciada pelo prefeito Eduardo Paes, nesta terça-feira (21), foi criticada pelo médico e escritor Drauzio Varella. De acordo com ele, essa proposta "não tem a menor chace de dar certo". A crítica foi feita em entrevista à GloboNews.

Paes determinou que o secretário municipal de saúde, Daniel Soranz, prepare o projeto. De acordo com o prefeito, a medida é necessária para aqueles que não aceitam qualquer tipo de acolhimento e que mesmo abordados em diferentes oportunidades pelas equipes da prefeitura e autoridades policiais, acabam cometendo crimes.

O médico e oncologista disse que é preciso impedir que as crianças que vivem em periferia cheguem ao estágio final do crack. "Esse tipo de solução mágica não tem a menor chance de dar certo. Nós temos que impedir que essas crianças que crescem na periferia cheguem ao estágio final do crack. O crack é o fim da linha. Quando chega nessa situação fica muito difícil, assim como é difícil tratar qualquer doença crônica em estágio avançado”, explicou.

De acordo com Drauzio, as clínicas não são vistas como uma solução porque o usuário continuaria tendo contato com a droga. "Isso dá a ilusão de que se você pega essas pessoas e coloca em uma clínica, ela vai ficar sem contato com a droga e vai conseguir resolver o problema, mas o problema é muito maior do que esse porque nessas clínicas entra drogas, sempre. Uma solução que eu veria é construir cadeias enormes e pegar todo mundo que usa crack e trancar na cadeia, mas isso não bastaria. Teria que entregar a administração para o crime organizado porque é a única instituição que conseguiria impedir a entrada da droga na cadeia", ressaltou.

Segundo a prefeitura, a ideia é que as internações sejam de pouco tempo e começando por pacientes em situações mais graves, aqueles que não têm condições de responder pelos próprios atos. Soranz estima que cerca de 130 pessoas vivem nessas condições. O secretário informou que o objetivo é diminuir a mortalidade dessa população. "São situações específicas onde o desfecho negativo do óbito acontece muito rápido. Infelizmente, esses pacientes não sobrevivem muito tempo", disse.
A coordenadora de saúde e tutela coletiva da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), Thaisa Guerreiro, afirma que para diminuir a mortalidade dessa população, é necessário o investimento em políticas sociais. "Nós temos pouquíssimas unidades de acolhimento no Rio, e essas com estruturas precárias. Ou seja, se o prefeito quer solucionar o problema de desigualdade social no Rio, o correto é é investir em projetos para que os abrigos sejam locais adequados. Não é criminalizando que a gente vai solucionar o problema da desigualdade estrutural e sim investimento em políticas sociais de educação, moradia, assistência social, psicossocial. Isso faria com que a população fosse acolhida de forma adequada", ressaltou ao DIA.
Para a defensora pública, a declaração do prefeito viola instrumentos de proteção aos direitos humanos. "É uma medida inconstitucional porque viola a constituição federal e é ilegal porque viola as próprias políticas nacionais que veda a remoção forçada. A internação involuntária é uma medida excepcional determinada apenas a critério clínico e se dá a um período curto. Tem que lembrar também que temos pouquíssimos leitos de saúde mental em hospitais gerais no Rio", concluiu.
O relato de Paes foi publicado em uma rede social. "Não é mais admissível que diferentes áreas de nossa cidade fiquem com pessoas nas ruas que não aceitam qualquer tipo de acolhimento e que mesmo abordadas em diferentes oportunidades pelas equipes da prefeitura e autoridades policiais, acabem cometendo crimes. Não podemos generalizar mas as amarras impostas às autoridades públicas para combater o caos que vemos nas ruas da cidade, demanda instrumentos efetivos para se evitar que essa rotina prossiga", escreveu o prefeito.

No ano passado, o prefeito Eduardo Paes afirmou que considerava a população de rua o principal problema da cidade. Na ocasião, disse que avaliava voltar com a política de internação compulsória para dependentes químicos.

Em agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua às zeladorias urbanas e aos abrigos. A decisão também veda o recolhimento forçado de bens e pertences desse público.
Drauzio Varella é médico formado pela USP. Nasceu em São Paulo, em 1943. Na Rede Globo, participou das séries sobre o corpo humano, primeiros socorros, gravidez, combate ao tabagismo, planejamento familiar, transplantes e diversas outras, exibidas no programa 'Fantástico'. Além disso, Drauzio também é escritor e autor do livro 'Carandiru'.
Tarcísio Motta aciona STF
O deputado federal Tarcísio Motta (Psol-Rio) decidiu acionar, nesta terça-feira (21), o ministro do STF Alexandre de Moraes depois da declaração do prefeito Eduardo Paes, em suas redes sociais, sobre a internação compulsória de usuários de drogas.
No documento enviado ao ministro do STF, o deputado solicita que a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro seja intimada a certificar-se da decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito da ADPF 976, mesmo que este Poder Executivo Municipal já tenha sido posteriormente intimado, como medida adicional de precaução diante o possível iminente descumprimento das determinações da corte.
O documento ainda solicita ainda que a Prefeitura do Rio preste esclarecimentos sobre as medidas que pretende adotar e que possam implicar no recolhimento forçado de pessoas em situação de rua e também quanto ao andamento da adoção de medidas que possam atender ao conjunto das determinações do Supremo Tribunal Federal que cabem aos Poderes Executivos Municipais no âmbito da ADPF 976.