Publicado 12/11/2023 01:00
Rio – Ônibus incendiados, atacado com bomba de fabricação caseira, sequestrados para servirem de barricadas em vias públicas. O Rio de Janeiro vive uma situação de crescimento de episódios de violência envolvendo o transporte público que colocam não apenas os passageiros em risco, mas principalmente os profissionais do volante.
Os dados falam por si. Os casos de coletivos destruídos na capital já aumentaram este ano mais de 1000% em comparação a 2022 todo. Enquanto que, no ano passado, somente dois ônibus da frota municipal foram incendiados, em 2023, até o momento, já foram 25. Os números são do Rio Ônibus, sindicato das empresas do setor, que responde pelos ônibus municipais.
Só em 23 de outubro, quando houve uma retaliação à morte do miliciano Matheus da Silva Rezende, de 24 anos, apontado pelo Ministério Público e pela polícia como o segundo na linha de comando da maior milícia do estado, foram 35 ônibus incendiados, sendo 20 de frotas municipais, cinco BRTs (veículos articulados usados em corredores expressos) e outros dez de turismo e fretamento. Foi o dia com o maior número de ônibus queimados da história da cidade do Rio. Até então, quatro ônibus tinham sido queimados.
Matheus havia morrido naquele dia após ser baleado em um confronto com policiais em Santa Cruz, na Zona Oeste. Ele chegou a ser socorrido pelos agentes e levado para o Hospital Municipal Pedro II, no mesmo bairro, mas não resistiu aos ferimentos. Ordenados pela milícia de Faustão, como era o apelido de Matheus, homens saíram em motocicletas ou a pé pelas ruas da Zona Oeste com galões de gasolina. Os ataques aos 35 ônibus foram registrados em pelo menos dez bairros: Campo Grande, Santa Cruz, Paciência, Guaratiba, Recreio, Cosmos, Campinho, Inhoaíba, Tanque e Barra da Tijuca.
'Eu ainda não me recuperei'
A violência na cidade influencia toda a sociedade. Seja pelas ameaças físicas ou pressões psicológicas, os motoristas de ônibus são vítimas cotidianas da falta de segurança do estado. Os abusos que os trabalhadores têm que suportar afetam negativamente a saúde mental de muitos deles.
Um dos profissionais que estavam na direção de um ônibus incendiado, no último dia 23, conta que, desde o episódio, sofre com crise nervosa no trabalho. "Eu ainda não me recuperei do que aconteceu. Até hoje, tem algumas situações que me deixam com medo e alerta. Quando há rapazes de moto muito perto do meu ônibus, por exemplo. Se eu perceber que estão com comportamento diferente, estranho, eu fico observando melhor, para tentar prevenir qualquer coisa. No dia seguinte do ocorrido, eu trabalhei, mas porque tem que trabalhar, né? Porém, a partir daquele dia, tiveram situações que do nada eu levo susto. Hoje mesmo um rapaz parou de moto na frente do ônibus que eu estava dirigindo, pegou alguma coisa em uma van que estava parada perto e ficou me olhando de cara feia. Aí, eu já pensei que ele faria alguma coisa ruim. Como tive que voltar pelo mesmo lugar, voltei atento, esperando que algum tipo de violência acontecesse", relata o profissional, sem se identificar.
Ele lembra que não teve nenhum auxílio da empresa em que trabalha. "Na hora, senti muito medo, era uma situação nova, nunca tinha passado por aquilo. Tentei ficar calmo, mas por dentro estava muito nervoso, só queria fazer o que eles falaram e pronto. O meu medo era eles fazerem alguma coisa. A minha empresa não ofereceu nada, só uns dois dias depois enviou mensagem para eu gravar um áudio para o Rio Ônibus para contar o que tinha acontecido. Apenas isso, nada mais."
'Fiquei abalado emocionalmente'
Outro motorista que teve o veículo depredado por milicianos no dia 23 de outubro precisou ficar afastado, com atestado médico. "Eu tive que pegar dois dias de repouso, porque eles atiraram no pneu do meu ônibus e o barulho causou uma forte dor de ouvido. Eu tive que ir ao médico e tomar medicamento por uma semana. Hoje, estou melhor, ainda bem, pois não tem como ficar sem trabalhar, a empresa não deixa. A gente tem que levantar a cabeça e ir", afirma o rodoviário, que diz ainda que o emocional ficou prejudicado. "Eles pediram para eu atravessar o carro na pista, a sorte foi que o ônibus estava vazio, com quatro ou cinco passageiros. Todos desceram na hora. Nos primeiros dias após o ocorrido, eu fiquei super abalado emocionalmente, mas abalado ou não, tem que trabalhar."
'Fiquei paralisado. Foi um trauma para mim'
Após um arrastão na Avenida Brasil, principal via expressa da cidade, na altura de Barros Filho, Zona Norte, no dia 27 de setembro, os assaltantes jogaram um artefato explosivo de fabricação caseira, que explodiu no interior de um ônibus e deixou três pessoas feridas, entre elas um idoso de 61 anos, em estado grave.
Segundo o delegado André Prates, titular da 39ª DP (Pavuna), a explosão foi uma estratégia do tráfico para atrair o policiamento na região da Pavuna e Barros Filho em busca de dificultar uma possível invasão de uma quadrilha rival.
O motorista do ônibus, há mais de 20 anos na profissão, lembra que não foi a primeira situação de risco pela qual passou no ofício, mas com certeza foi a que o deixou mais abalado. "Eu vinha tranquilo, fazendo a minha última viagem do dia pela Avenida Brasil, quando vi um pneu descendo a rua. Nisto, já alertei os passageiros que tinha alguma coisa errada. E como eu iria fugir, se a Avenida Brasil estava fechada? Até que os assaltantes vieram, subiram no ônibus, pularam a roleta e roubaram todo mundo. Eles ainda ameaçaram me matar, fiquei parado, sem saber o que fazer, apenas deixei eles agirem. Depois que a polícia chegou, eles fugiram. Mas antes, um deles subiu no degrau da porta do ônibus e jogou o artefato dentro do carro. Fiquei intacto, paralisado. O explosivo caiu em cima de um passageiro, só não o matou porque ele se esquivou para o lado. Foi um total desespero e, com certeza, um trauma para mim", desabafa.
Esses episódios se somam a outros tantos recorrentes, como sequestros de ônibus e ameaças de motoristas e cobradores de vans clandestinas, que não têm autorização para transportar passageiros, em bairros dominados pela milícia. Relatos dão conta de que os rodoviários são intimidados pelos motoristas dos veículos piratas quando param em pontos para pegar passageiros pagantes.
"No ponto de Coelho Neto, na Zona Norte, acontecem muitos casos de abusos com vans clandestinas. Se deixarmos, eles (os motoristas) batem na gente. Eles entram na vaga exclusiva de ônibus, ficam na frente dos coletivos impedindo a passagem, ameaçam atear fogo no veículo. Acham que temos que ir embora e deixar os passageiros para eles. Eu me sinto extremamente ameaçado, mas não posso baixar a cabeça, porque tenho que trabalhar. O pior é que essa briga não é minha, é das empresas de ônibus com as vans piratas”, afirma o motorista do ônibus que foi atingido pelo artefato caseiro.
O mesmo já vivenciou três assaltos à mão armada quando era motorista de ônibus executivo. "Eles colocam mesmo a arma na nossa cara, mandam a gente continuar dirigindo enquanto fazem a limpa no ônibus. Eu ali, com uma arma na cabeça, o que vou fazer? Só obedeço. Além de todo medo, tenho que ter responsabilidade na direção. Se eu piscar, pode ter um acidente. A classe rodoviária está vulnerável a qualquer coisa", lamenta.
Problemas psicológicos
De acordo com o presidente da Rio Ônibus, Paulo Valente, o impacto dos últimos acontecimentos é profundo tanto para os profissionais e passageiros, como para a economia e a imagem da cidade. "Tem muita gente com medo de vir para o Rio, os casos afetaram a economia da cidade como um todo. Na verdade, toda a vida da cidade foi atingida, fora a imagem do Rio no mundo, já que a violência foi noticiada mundialmente. Isso impacta a imagem da cidade, o turismo, deixam em dúvida empresas que pensam em se instalar aqui. Prejudica toda a rede produtiva", declara.
O sindicato contabilizou que são necessários cerca de R$ 850 mil para repor um coletivo queimado. Somados os custos de equipamentos, sistema de filmagem, destravamento de porta e validador de bilhetagem eletrônica, esse custo pode chegar até R$ 900 mil.
Ainda segundo Paulo, um grande número de motoristas passa por problemas psicológicos e doenças como ansiedade e é afastado do trabalho. "Os trabalhadores têm que levar seu sustento para família e não estão conseguindo trabalhar. A situação é bem difícil. Esses episódios afastam os motoristas e, sem dúvida, pioram aqueles que estão com instabilidade emocional. Como os exames clínicos psicológicos são subjetivos, muitos motoristas acabam recebendo alta, saindo da licença, e quando vão dirigir, tremem de ansiedade", afirma.
Motorista esfaqueado e cabines incendiadas
O presidente do Rio Ônibus diz que a operação irregular das vans clandestinas já fez vítimas de todos os tipos. "Determinadas linhas de comunidade e bairros têm motoristas que são ameaçados quase diariamente se pegam passageiro pagante ou se ultrapassam as vans, por exemplo. Existem cerca de 10 mil vans piratas operando por conta da milícia. Regiões como Pavuna, Ilha do Governador e Jacarepaguá são as mais afetadas. Quem está na operação dos ônibus, no dia a dia, sofre ameaças e constrangimentos. Já aconteceu de motorista ser esfaqueado em ponto final, cabines serem incendiadas com despachante dentro, que teve que sair correndo. Muitos rodoviários pedem para ser colocados em outro linha ou em outro horário por conta dessas agressões. Isso começa a criar dificuldades para quem está trabalhando e fica difícil contratar outros profissionais."
"O Estado tem que dar à população carioca segurança para ir e vir. As ruas precisam estar seguras para os nossos motoristas que conduzem as pessoas neste ir e vir. É um trabalho muito grande, mas que precisa ser feito. Os trabalhadores esperam segurança. Com os ataques recentes de milícias, chegamos a um ponto que não dá mais para sustentar", finaliza.
'Fiquei intacto, paralisado. Foi um trauma para mim'
Após um arrastão na Avenida Brasil, na altura de Barros Filho, Zona Norte, no dia 27 de setembro, assaltantes jogaram um artefato de fabricação caseira, que explodiu no interior de um ônibus e deixou três pessoas feridas. O motorista do ônibus, há mais de 20 anos na profissão, conta que esta foi a situação que o deixou mais abalado.
"Eu vinha tranquilo, fazendo a minha última viagem do dia pela Avenida Brasil, quando vi um pneu descendo a rua. Nisto, já alertei os passageiros que tinha alguma coisa errada. Os assaltantes, então, subiram no ônibus, pularam a roleta e roubaram todo mundo", relembra o motorista. "Eles ainda ameaçaram me matar, fiquei parado, sem saber o que fazer, apenas deixei eles agirem. Antes de fugirem, um deles atirou o artefato dentro do carro. Fiquei intacto, paralisado. Foi um total desespero e, com certeza, um trauma para mim", conta.
Ameaças de motoristas e cobradores de vans clandestinas
Esses episódios se somam a outros tantos recorrentes, como sequestros de ônibus e ameaças de motoristas e cobradores de vans clandestinas, que não têm autorização para transportar passageiros, em bairros dominados pela milícia. Relatos dão conta de que os rodoviários são intimidados pelos motoristas dos veículos piratas quando param em pontos para pegar passageiros pagantes.
"No ponto de Coelho Neto, na Zona Norte, acontecem muitos casos de abusos com vans clandestinas. Se deixarmos, eles (os motoristas) batem na gente. Eles entram na vaga exclusiva de ônibus, ficam na frente dos coletivos impedindo a passagem, ameaçam atear fogo no veículo. Acham que temos que ir embora e deixar os passageiros para eles. Eu me sinto extremamente ameaçado, mas não posso baixar a cabeça, porque tenho que trabalhar. O pior é que essa briga não é minha, é das empresas de ônibus com as vans piratas”, afirma o motorista do ônibus que foi atingido pelo artefato caseiro.
O mesmo já vivenciou três assaltos à mão armada quando era motorista de ônibus executivo: "Eles colocam mesmo a arma na nossa cara, mandam a gente continuar dirigindo enquanto fazem a limpa no ônibus. Eu ali, com uma arma na cabeça, o que vou fazer? Só obedeço. Além de todo medo, tenho que ter responsabilidade na direção. Se eu piscar, pode ter um acidente. A classe rodoviária está vulnerável a qualquer coisa".
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