Nilton Ramon de Oliveira segue internado no Hospital Municipal Salgado Filho, no MéierCleber Mendes / Agência O Dia
Publicado 05/03/2024 16:18
Rio - O entregador Nilton Ramon de Oliveira, de 24 anos, baleado por um policial militar depois de uma discussão, passou por uma nova cirurgia, na tarde desta terça-feira (5), e apresentou uma leve melhora. A vítima chegou a abrir os olhos e conversar com familiares. No entanto, seu quadro de saúde ainda é considerado grave.
Nilton deu entrada no Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, Zona Norte do Rio, na noite desta segunda-feira (4), após ser baleado na coxa pelo PM Roy Martins Cavalcanti, depois de uma discussão entre os dois devido ao entregador se negar a subir até o apartamento do agente para realizar a entrega de um pedido feito pelo Ifood. O disparo atingiu a veia femoral de Nilton, responsável por garantir a o transporte do sangue dos membros inferiores até a veia cava, a principal do corpo.
O entregador já havia passado por uma cirurgia quando chegou na unidade e estava entubado no Centro de Terapia Intensiva (CTI) da unidade. Ele precisou passar por um novo procedimento nesta terça (5), pois os médicos identificaram que o sangue não estava circulando pela perna. Stefany de Oliveira, irmã de Nilton, contou que a família segue apreensiva e desejando a melhora do entregador. 
"Agora, ele estabilizou, abriu o olho, perguntou por algumas pessoas, mas temos que ficar em observação. Na primeira cirurgia, pensamos que estava tudo bem, mas não. A segunda foi porque não estava circulando sangue. Não esperava acontecer isso com meu irmão. Uma pessoa muito brincalhona, muito ativa e trabalhador. Para nós, foi um momento muito frustrante de ver aquela situação ali, com meu irmão no chão. Foi um momento muito triste. Saber que ele está internado deixa a gente apreensiva", disse.
A familiar também pediu Justiça. Para ela, o policial agiu com despreparo e poderia ter apenas imobilizado o seu irmão, pois os dois estavam alterados, em vez de realizar um disparo. "Isso é um fato que não tem que acontecer. Ele agiu de uma forma que a gente não esperava. Totalmente despreparado. Ele tem que pagar por isso. É um caso que ele poderia fazer melhor, mas não fez. Ele como policial poderia imobilizar como os dois estavam alterados, mas ele não fez isso", completou.
Luís Carlos de Oliveira, cunhado de Nilton, pediu o afastamento do policial da corporação e destacou que o entregador sofreu uma tentativa de homicídio. 
"Espero por Justiça com tudo isso que está acontecendo. Que a Justiça seja feita e esse policial seja exonerado do cargo dele porque isso foi uma tentativa de homicídio. Ele não tem competência para poder estar como um policial atuando na rua. Não tem psicológico para isso. Não tem lei que obrigue o entregador a subir na casa. Por causa de um lanche, meu cunhado está em estado grave, correndo o risco de ter que amputar a perna, sem recurso nenhum. Só clamamos por Justiça", discursou.
O caso aconteceu quando Nilton fazia entregas de bicicleta. O entregador se negou a entrar no condomínio onde o policial mora, na Vila Valqueire, Zona Oeste do Rio, após ele recusar o encontrar na portaria. A vítma então retornou ao estabelecimento. Minutos depois, o PM foi até o estabelecimento armado. O entregador filmou os momentos antes de ser baleado, em que o PM já aparece com a arma na cintura.

"Não tô armado, sou trabalhador. Estou sendo ameaçado, ele está querendo me agredir, mostrou a arma na minha cara. Tira a arma e faz na mão", disse Nilton.

Já o agente, alegou que o entregador foi mal educado com sua mulher, que teria feito o pedido. "Trabalhador o caral****, minha mulher te tratou com maior educação, vai tomar no seu **. Seja educado, não se propõe a fazer entrega? Então seja educado, minha mulher tem 42 anos e te respondeu na maior educação", falou.

Após ser baleado, o PM teria prestado os primeiros socorros e ido embora em seguida. O Corpo de Bombeiros foi acionado e encaminhou a vítima à unidade de saúde. Segundo a Polícia Civil, imagens do fato estão sendo analisadas e testemunhas serão ouvidas. O caso foi encaminhado para a 28ª DP (Praça Seca). Investigações estão em andamento para esclarecer os fatos. A Corregedoria-Geral da PM também acompanha o caso.
À reportagem não conseguiu contato com a defesa do policial. O espaço está aberto para manifestações.
Protesto em condomínio
Nesta terça-feira (5), um grupo de motoboys e amigos de Nilton fizeram uma manifestação na frente do condomínio onde o PM mora, em Vila Valqueire, Zona Oeste do Rio. Segundo um entregador, que preferiu não se identificar, o protesto serviu para pedir Justiça ao companheiro de profissão e auxílio ao Ifood.
"Isso [violência contra entregadores] acontece frequentemente, mas não nessa proporção que chegou agora com o Nilton. Tem essas discussões. Eu particularmente não enfrentei casos de agressão, mas palavras de baixo calão acontecem. O cliente vem xingando e ameaçando e nós entregadores respondemos no mesmo nível porque não seremos oprimidos. A manifestação e o protesto foi todo lá. Foi pacífico, nada de quebra-quebra, nada de alvoroço. Quem foi agiu com os conformes. Foi só uma manifestação buscando por Justiça e buscando uma resposta do Ifood para nós entregadores. Nós precisamos de auxílio. Quando a gente precisa desse suporte, a gente não tem", disse o motoboy.
Depois do protesto, os manifestantes foram até o Hospital Municipal Salgado Filho, onde o entregador está internado, para doar sangue, mas não conseguiram devido ao limite de doações diárias ter sido atingido na unidade.
O que diz o Ifood?
Após mais um episódio de violência contra entregadores, O DIA conversou com a gerente de impacto social do Ifood, Tatiane Alves, que repudiou o caso e esclareceu que a empresa está à disposição da família.
"O que aconteceu com o Nilton é inaceitável, condenável e a gente espera que não fique impune. Já entramos em contato com a família e nos colocamos a disposição no que for necessário, oferecendo apoio jurídico e psicológico. Vamos continuar acompanhando de perto para prestar todo suporte", disse.
Em relação ao cliente, ele já foi banido da plataforma. "O Ifood tem uma política contra discriminação e violência onde a gente prevê quais condutas não são aceitas, como a gente age em relação aos agressores e também para proteger a vítima. Então já tomamos as medidas para desativar a conta e prestar todo suporte a família do Nilton", reforçou Tatiane.
Ainda segundo a gerente comercial, a empresa tem um projeto de apoio jurídico e psicológico aos entregadores, com possibilidade de atendimento presencial no edifício sede das Black Sisters in Law (BSL) - coletivo de advogadas negras - que fornece assistência para profissionais vítimas de qualquer tipo de violência.
"Dentro do aplicativo existe uma possibilidade de reporte de casos graves, então basta o entregador descrever o caso e uma pessoa do time do ifood entra em contato, faz o primeiro acolhimento e depois oferece apoio. Quando o entregador aceita, uma sister, que é uma advogada do projeto, entra em contato com ele", explica.

Dentre os casos que recebem apoio são os de discriminação, ameaça, agressão física e que envolvam violência sexual.
"No Rio, especificamente, esse ano inauguramos um espaço na Penha, onde os entregadores podem se dirigir para reportar esses casos, sem nem precisar reportar na plataforma, pode ir lá direto que vai ter atendimento por uma advogada. Todos os casos elegíveis são atendimentos, para quem mora longe, a gente entra em contato, disponibiliza uma advogada mais perto e sessões de psicoterapia online", disse.
Por fim, Tatiane reforçou que os entregadores e clientes são orientados a realizarem e receberem a entrega no primeiro ponto de contato, ou seja, se for em uma residência, no portão, se for em um condomínio na portaria.
Além disso, o Ifood também tem uma parceria com o Secovi Rio (Sindicato da Habitação do Rio de Janeiro), para conscientização de moradores e capacitação de porteiros e síndicos de condomínios da cidade. Em algumas cidades como Fortaleza, por exemplo, esse pedido virou lei.
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