Publicado 08/03/2024 15:16
Rio - "Matheus não foi apenas um dano colateral. Foi alguém com sonhos interrompidos pela violência." O desabafo é de Lúcia Helena Cardoso, tia do estudante Matheus Cardoso Martins Passos, que morreu nesta terça-feira (5) após ficar 12 dias internado depois de ser atingido por uma bala perdida próximo ao campus Maracanã do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet), na Zona Norte do Rio, onde estudava.
Ao DIA, Lúcia revelou que o sobrinho havia conseguido um estágio na Procuradoria-Geral do Estado do Rio (PGE-RJ) dias antes de ser baleado. O jovem estava animado, pois era algo que ele vinha sonhando. Antes, ele tinha perdido uma oportunidade porque teve que passar por uma cirurgia de troca de válvula, que fez no coração, sendo necessário ficar três meses em repouso. Matheus nasceu com cardiopatia congênita, uma doença no coração e fez sua primeira cirurgia com somente 23 dias de vida.
"No dia 20 de fevereiro, ele voltou feliz pro curso de administração no Cefet debaixo da permissão de seus médicos, coisa que já queria fazer há muito tempo. Dois dias depois, Matheus foi acometido pela extrema violência do Rio, onde, infelizmente, foi perfurado por uma bala no tórax. Nós, da família do Matheus, não conseguimos entender e nos indignamos por como, em uma perseguição policial, os bandidos saem ilesos enquanto dois estudantes saem feridos? Matheus não foi apenas um dano colateral. Foi alguém com sonhos interrompidos pela violência, alguém que perdeu a sua vida pela falta de segurança no local", contou.
A tia do jovem disse ainda que a família segue com medo, pois há outros membros estudando e trabalhando na região. Segundo ela, o estudante perguntou, dois dias antes de morrer, se o responsável pelo tiro que o acertou pensava nele e em como ele estava. Apesar do luto, Lúcia destaca os momentos de felicidade que o sobrinho propiciava.
"Matheus era aquele que por onde passava espalhava felicidade. Aquele que por mais que tivesse dificuldade em expressar seu amor em palavras, expressava fazendo quem ele amava rir. Em meio ao caos, ele era luz. Sempre com seu jeito brincalhão que conseguia aliviar qualquer clima pesado. Quem o conhecia, o exaltava pela sua educação e essência. Desde seu nascimento foi um guerreiro. Cresceu sendo um menino bom, com sonhos como qualquer pessoa com perspectiva de um futuro digno", completou.
"Foi forte até o fim", diz irmã
Em um texto de homenagem à Matheus, Natália Cardoso escreveu que o irmão era a única pessoa que entendia alguns de seus pensamentos e que o admirava. Para ela, o jovem não tinha medo de viver e foi forte até o fim da sua vida.
"Matheus, você foi aquele que dividiu a vida comigo e, por isso, provavelmente o único que entendia alguns pensamentos meus. Foi aquele que um dia dividiu a dor da perda comigo e é por isso que talvez doa tanto em mim agora. Você foi forte até o fim. Guerreiro desde o início. Lutou muito pela vida e, meu Deus, como eu agradeço por ter vivido na sua vida! Um dia, conversando com você, eu disse que só tinha medo da morte quem tinha medo da vida e você era aquele que não tinha medo de viver. Aquele que se permitiu existir em seus mais profundos significados. Sua essência era pura e ninguém tirava isso de ti! Acredito que se estivesse aqui agora, me olharia com calma e diria que tudo iria ficar bem. Depois com certeza faria piada com a situação como só você conseguia fazer. Na minha alma, ainda há muito de você. Eu te amo eternamente, meu menino", disse.
Relembre o caso
Matheus morreu nesta terça-feira (5) após ficar 12 dias internado no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio, depois de ser baleado em um bar, na região do Maracanã, Zona Norte do Rio. Ele foi atingido durante um confronto entre policiais militares e criminosos no dia 22 de fevereiro. Na ocasião, um amigo seu, outro aluno do Cefet, identificado como Henrique Roberto, também foi baleado.
Segundo a Polícia Militar, o confronto começou depois que militares do 6º BPM (Tijuca) decidiram abordar um carro e uma moto com ocupantes "em atitude suspeita", na Rua General Canabarro, onde fica o Cefet. Os criminosos reagiram atirando nos agentes, que precisaram revidar.
Matheus e Henrique foram atingidos por disparos, socorridos e encaminhados ao Souza Aguiar. O estudante do curso técnico subsequente em Administração não resistiu. O jovem foi enterrado nesta quarta-feira (6) no Cemitério de Inhaúma, também na Zona Norte do Rio. Já Henrique sobreviveu e já recebeu alta.
O caso está sendo investigado pela 18ª DP (Praça da Bandeira). Ao DIA, o delegado Sandro Caldeira disse que os agentes tiveram acesso ao laudo pericial e a algumas imagens de câmeras de segurança da região. Novas gravações foram recebidas nesta quinta-feira (7) e seguem sendo analisadas para identificar o grupo envolvido no confronto. A investigação já identificou que os suspeitos fugiram para a Mangueira.
"O que é mais importante para a gente é a questão das imagens do local. O laudo pericial em si não fala efetivamente do direcionamento dos projéteis. Conseguimos mais imagens hoje. É uma quantidade grande, mas estão em análise ainda", afirmou.
De acordo com Caldeira, aparentemente, os tiros que acertaram Matheus e o seu amigo não partiram dos PMs. As armas foram apreendidas e a hipótese não foi descartada, mas a investigação até o momento lida com os disparos vindo dos suspeitos.
"O laudo constata os disparos de arma de fogo na moto. Como foram tiros feitos a esmo pelos autores, não foi recolhido nenhum tipo de cápsula no local ou estojo. A perícia é descritiva. Ela efetivamente não traz a identificação. Por isso, estamos buscando as imagens. Aparentemente, o tiro não partiu deles (PMs). Não tem como descartar isso 100% porque a gente precisa de mais elementos ainda. Isso está em apuração. A gente precisa entender o contexto geral para não ser leviano em falar uma coisa ou outra. A gente está em apuração, mas em um primeiro momento tudo leva a crer que não partiu deles não", completou.
Os agentes pretendem colher o depoimento de Henrique, que sobreviveu ao disparo, no início da próxima semana.
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