A Livraria Belle Époque foi fundada em janeiro de 2018 por Ivan Errante CostaReginaldo Pimenta / Agência O Dia
Publicado 30/08/2024 13:45 | Atualizado 31/08/2024 15:11
Rio – A Livraria Belle Époque, no Méier, Zona Norte, corre o risco de fechar as portas por causa de um aumento repentino nos valores de pagamentos de água em até seis vezes e mudanças na plataforma on-line de comércio de livros 'Estante Virtual', adquirida pelo Magazine Luiza em janeiro de 2020 e usada pela loja há anos. Reconstruído após grande incêndio em julho de 2022 que, na época, causou um prejuízo avaliado em R$ 50 mil e a perda total do acervo, o espaço atualmente serve como um polo de atividades culturais do bairro, mas está passando por dificuldades.
Publicidade
Ivan Errante Costa, fundador do estabelecimento e vice-presidente da Associação Estadual de Livrarias do Rio de Janeiro, conversou com O DIA sobre os problemas que enfrenta e contou que mesmo não sendo um "megaempresário", taxas elevadas foram impostas ao seu negócio desde maio.
"Eu pagava de R$ 180 a 250 de água e o valor passou para R$ 1.100, 1.200. Não vem menos disso. É um absurdo. Já fui na agência e falaram que não adiantava, que não tinha o que fazer. Aí, liguei para lá e pessoa que me atendeu falou que ia mandar alguém pra avaliar, e ela foi lá, avaliou, disse que realmente não estava de acordo com o que é o estabelecimento, que ia abaixar e não adiantou, não abaixou. Está vindo a terceira conta e já passei a não pagar. Não tem como pagar R$ 1.200 de água, e a gente já está sem água. A verdade é que desde que começou esse incidente, eu não paguei [a água], não tenho condições", disse.
As contas de água mostram que a Livraria Belle Époque pagou R$ 296,43 em março e R$ 163,07 em abril. No entanto, os valores subiram para R$ 1.254,80, R$ 1.038,10 e R$ 1.101,16 em maio, junho e julho, respectivamente. "Se eu não abrir a torneira, eu pago R$ 420 de água e mais R$ 420 de esgoto de taxa fixa, além do meu consumo", revelou.
Ivan argumenta que outras pessoas em diferentes comércios do Rio estão passando pelo mesmo problema. "Conhecidos meus de bares e restaurantes falaram que a água deles aumentou de R$ 1 mil para 20 mil. Tem gente falando que aumentou para R$ 15 mil. Então, o que eles estão fazendo? Qual o prejuízo que eles estão querendo correr atrás, que está massacrando a população? Não dá pra entender", afirmou.
A Águas do Rio informou que a cobrança do cliente em questão estava enquadrada na categoria residencial até o mês de abril de 2024. No entanto, após vistoria realizada no local, foi constatado de que se trata de um empreendimento comercial.

"A concessionária esclarece que a cobrança pelos serviços se dá em conformidade com a Lei Federal n° 11.445/2007 e com o Contrato de Concessão. O faturamento ocorre de acordo com a faixa de consumo da categoria da unidade consumidora, cujas tarifas devem ser diferenciadas", disse em nota.

A empresa se colocou à disposição do cliente para, em conjunto, avaliar as melhores condições de pagamento. O consumidor pode entrar em contato por meio do número 0800 195 0195, que funciona tanto para ligações, quanto para mensagens de WhatsApp.
Queda nas vendas pela 'Estante Virtual'
Parte da crise que a Livraria Belle Époque enfrenta está relacionada aos resultados ruins que a "Estante Virtual", plataforma online que serve para conectar leitores a vendedores de livros, têm entregado à loja. O serviço foi comprado pela Magazine Luiza em janeiro de 2020 e nos últimos meses, representou prejuízo para o sebo por causa de inovações tecnológicas que estão, na visão de Ivan, atrapalhando os comerciantes.
"Muitos livreiros dependem desse site. Eu já estive em dois grupos de WhatsApp com vendedores se mobilizando. Teve reunião online com o pessoal do Magazine Luiza e nada foi resolvido. Eles falaram que mudaram para fazer melhorias, mas caiu 80% das vendas no site", contou.
Segundo Ivan, muitos pensam que as atividades culturais promovidas pela livraria são as responsáveis por bancar o estabelecimento, mas na verdade, o que sustenta o local é a venda de livros.
"Claro, a gente tenta fazer outras atividades para que não fique dependendo do site, mas ainda assim, [a venda on-line] é algo que sustenta a gente. E eles simplesmente mudaram. Ficaram de tempos em tempos fazendo alterações no site e agora mudaram de vez. Falaram que colocaram uma inteligência artificial que ainda está aprendendo a trabalhar. Cara, não é como vender ventilador. É venda de livros, é algo específico, que precisa de perícia", lamentou.
"Eles chegam e começam a fazer a revolução deles, com mudanças, tecnologia, o que não funcionou, e isso está quebrando muitos livreiros."
Procurada pelo DIA, a Magazine Luiza informou que a Estante Virtual está em constante comunicação com os livreiros de sua plataforma e foi para atender demandas de clientes e livreiros que realizou uma grande atualização de seu sistema.
Segundo a empesa, a antiga tecnologia não permitia a adoção de itens indispensáveis para uma plataforma de e-commerce atual, como, por exemplo, o pagamento por PIX.
"Esse tipo de mudança abrangente, via de regra, precisa de um período de adaptação - tempo esse que a Estante Virtual não pode sair do ar, uma vez que sabemos que somos esteio de muitos livreiros. O simples fato de a empresa realizar tão importante investimento em sua operação é, em si, uma prova de que a Estante Virtual está comprometida em entregar o melhor serviço tanto para nossos livreiros, quanto para o cliente final", destacou.
A empresa reforçou que instabilidades são comuns nesse tipo de procedimento e trabalha para que todas as instabilidades sejam corrigidas o mais rápido possível.
Polo cultural
A Belle Époque, única livraria do Méier, é uma referência para as atividades culturais do bairro e atua também como um sebo, por intermediar a compra e venda de livros usados.
Ela foi fundada em janeiro de 2018, mas seu início simbólico aconteceu muito antes, em 2014, com Ivan levando livros para vender na entrada de estação de metrô da Carioca. "A partir daí que a Belle começou a ser 'construída', vendendo à noite, depois que aqueles livreiros que têm ali ficam durante o dia", lembra. Depois, ele passou a usar uma bicicleta para agilizar os serviços e recebeu a alcunha de "Livreiro Errante".
A experiência serviu para Ivan analisar como construir um comércio neste ramo. O local em que a livraria está, na Rua Soares, inicialmente o atraiu por causa do aluguel barato. No entanto, não demorou para que ele enxergasse as diversas possibilidades que teria para explorar a região.
"Não é uma rua muito movimentada, o que é um ponto negativo para as vendas diretas, mas positivo para outras atividades. Desde então, comecei a fazer atividades culturais, como saraus e lançamentos de livros, e comecei a ver que as pessoas participavam, gostavam daquilo", afirmou.
A partir destas experiências, outras atividades começaram a ser sediadas no espaço, como eventos de cinema. Desde 2022, a livraria organiza uma feira anual que inicialmente era destinada a pessoas que buscavam ser introduzidas ao ambiente de vendas ao ar livre após a pandemia do coronavírus.
"Hoje em dia, a gente faz oficinas de percussão e sopro, com trombone, trompete, a preço popular. Os professores Álvaro e Sérgio Monteiro dão aula quase que no amor. Tem uma galera que vai ajudar, e é uma movimentação que formou o Belle Bloco. Acho que é a primeira livraria que tem um bloco de Carnaval. Vamos começar uma oficina popular de teatro e já estamos fazendo uma de capoeira, tudo a preço popular."
O incêndio que atingiu a livraria, em 21 de julho de 2022, causou uma grande comoção dos vizinhos e comerciantes locais. Uma "vaquinha" virtual foi criada para ajudar na limpeza dos destroços e recomposição do acervo. A campanha inclusive contou com a ajuda do apresentador Luciano Huck, durante um episódio do programa "Domingão Com Huck", da TV Globo, que divulgou o problema.
A Livraria Belle Époque conseguiu se recuperar do dano material, que completou dois anos recentemente. No entanto, as novas dificuldades impostas pela crise no sistema da "Estante Virtual" e as altas taxações representam um risco para a continuidade do negócio. "Se eu não conseguir resolver isso, o espaço vai fechar. Não tem como ficar pagando R$ 1.200 de água", lamenta Ivan.
Leia mais