Alessandro Marcelino de Souza foi condenado por homicídio culposoReginaldo Pimenta / Agência O Dia
Publicado 02/10/2024 11:31 | Atualizado 02/10/2024 15:23
Rio - A 5ª Câmara Criminal julga, nesta quinta-feira (3), os recursos do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e da Defensoria Pública que solicitam a anulação da sentença que condenou o policial militar Alessandro Marcelino de Souza por homicídio culposo - quando não há intenção de matar - pela morte de Johnatha de Oliveira Lima, em Manguinhos, há 10 anos. O MPRJ e a DPRJ buscam agora a condenação por homicídio doloso, argumentando que o policial agiu com intenção de matar ao atirar contra o jovem.
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O julgamento, que ocorreu em março deste ano, terminou com a família da vítima revoltada com o resultado. Na ocasião, a mãe de Johnatha afirmou que luta há dez anos para provar a inocência do filho, apontado pela Polícia Militar, na época do crime, de ser traficante e de ter participado de um confronto no dia da sua morte. 
Johnatha foi morto com um tiro nas costas durante uma operação policial da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de Manguinhos, em maio de 2014, quando voltava a pé para a casa da avó. À época, o policial disse estava em patrulhamento pela localidade do Barrinho quando ele e outros agentes se depararam com criminosos armados, iniciando um confronto. Nessa primeira versão, o policial negou ter disparado sua arma ou mesmo estar no local onde Johnatha foi atingido. "O declarante afirma não ter feito nenhum disparo, bem como não presenciou nenhum colega disparando", diz o termo de declaração.
A primeira versão oferecida pelo policial horas após o fato foi desmentida pelo resultado do exame de confronto de balística, que indicou que a bala alojada no corpo de Johnatha havia saído da arma desse mesmo PM. Após ser informado sobre o resultado do exame de confronto de balística, o policial admitiu então ter atirado sete vezes.
"Os recursos são pela realização de um novo julgamento pelo Tribunal de Júri, que considere as provas periciais e entenda ter se tratado de um crime contra a vida, um homicídio doloso. O réu inicialmente negou a autoria, depois, diante do resultado da balística admitiu ser o autor, insistindo, porém, que não foi por querer. Quem atira sete vezes tem intenção de matar",  explica o defensor público Pedro Carriello, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), que atua no caso.
Atualmente, o policial responde em liberdade e ainda não tem pena fixada, uma vez que, em casos de militares condenados por homicídio culposo, cabe à Justiça Militar estabelecer. A sessão desta quinta-feira (3) na 5ª Câmara Criminal ocorre a partir das 13h, de forma virtual.
O júri
No primeiro dia de julgamento, nove testemunhas foram ouvidas, sendo cinco de acusação e quatro de defesa. A primeira testemunha a depor foi Glicélia Souza, vizinha e amiga de infância de Johnatha. Ela relatou que o crime aconteceu quando levava o filho para tomar açaí após buscá-lo na escola no final da tarde, disse que ouviu barulho de tiros e correu com a criança para o interior da loja em busca de abrigo. Na correria, não teria visto de onde partiu o disparo que atingiu a vítima, mas, ao sair do local, verificou que o jovem estava desarmado e caído no chão com ferimento, sendo socorrido por moradores da região para a UPA. Segundo ela, os moradores comentavam que os disparos contra a vítima partiram dos policiais.
Fátima dos Santos foi a segunda a depor no plenário. Ela estava na rua com o filho e disse que viu três policiais no momento do crime, mas não testemunhou o disparo. Ela lembra que um deles colocou a mão nas partes íntimas, o outro estava agachado e o terceiro distante do local após escutar uma rajada. "Meu filho disse: 'Johnatha está baleado'", contou e, em seguida, viu pessoas andando na direção dos policiais militares jogando pedras neles.
Já a perita da Polícia Civil, Izabel Solange de Santana disse que, das 12 armas recolhidas para perícia técnica (sendo 9 pistolas e 3 fuzis), uma foi compatível com a que atingiu Johnatha. Patrícia, tia do rapaz, foi a quarta a ser ouvida. Ela contou que ficou sabendo do crime pelo primo. "Foi tudo muito rápido. Recebemos a informação que ele foi baleado nas costas, fui à UPA e disseram que estava morto, sendo que vi policiais circulando no interior da UPA e não haviam socorrido meu sobrinho. Quando fui na delegacia registrar boletim de ocorrência, descobri que policiais que teriam participado da ação prestavam depoimento e classificaram o caso como auto de resistência".
No depoimento, Patrícia confirmou a informação sobre uma manifestação contra a morte de Johnatha, onde moradores atacaram o contêiner da UPP de Manguinhos. "Eu tive a 'missão' de conseguir testemunhas que concordassem em prestar depoimento em favor do Johnatha. O que aconteceu foi uma covardia. Ele era um jovem bom, sonhava em seguir a carreira do Exército e era apaixonado pela namorada. Se não fosse o braço armado do Estado, ele estava entre nós. Minha irmã criou com muita dificuldade ele e os outros dois filhos. Para uma mulher preta e moradora de favela, é muito difícil tudo. Atualmente, ela lidera o movimento 'Mães de Manguinhos’ que presta auxílio para familiares de vítimas da violência assim como a que Johnatha sofreu", afirmou.
Investigação
Em maio de 2014, o jovem de 19 anos foi morto com um tiro nas costas durante uma operação policial da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de Manguinhos quando voltava a pé para a casa da avó. Em um primeiro momento, o PM alegou que havia se deparado com criminosos armados, mas não tinha atirado. No entanto, o resultado do exame de balística mostrou que a bala que atingiu Johnatha havia saído da arma de Alessandro. Com isso, ele passou a admitir que havia atirado sete vezes.
Um vídeo em 3D elaborado pela Defensoria Pública do Rio remontou a cena da morte do jovem. O material foi elaborado com com base em informações de imagens de satélites, visita ao local, provas dos autos, demais perícias feitas ao longo do processo, depoimentos de testemunhas, além da versão apresentada pelo réu.
De acordo com a Defensoria Pública, havia um protesto de moradores desarmados contra abordagens violentas da polícia, já que, segundo testemunha, agentes teriam xingado crianças que brincavam em um campinho de futebol. Com isso, Alessandro atirou tanto para o alto quanto em direção à multidão, atingindo a vítima que passava próximo ao local com a namorada.
Um ano antes do assassinato de Johnatha, em 2013, o mesmo policial militar já havia sido acusado de triplo homicídio na Baixada Fluminense. Alessandro Marcelino chegou a ser preso, mas teve seu caso impronunciado e voltou à ativa.
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