Rio - Após quase 10 anos do homicídio de Johnatha de Oliveira Lima, de 19 anos, o policial militar Alessandro Marcelino de Souza passou por júri popular nesta terça-feira (5). O julgamento começou no início da tarde e são esperadas nove testemunhas, sendo cinco de acusação e quatro de defesa. Em frente ao Tribunal de Justiça do Rio, amigos e familiares da vítima, além de integrantes de movimento sociais, realizaram um protesto antes do início do júri.
"Eu espero o mínimo. Para mim, a resposta de uma condenação do policial que assassinou meu filho, hoje, é o mínimo. Dez anos de uma luta incansável, uma luta dolorosa, sofrida, acho que ter a resposta da condenação é a resposta do fim da impunidade. É isso que a gente precisa porque, não só no nosso estado, existe uma impunidade da violência policial que alimenta para que outros homicídios aconteçam", desabafou Ana Paula de Oliveira, mãe da vítima.
"Falar do Johnatha, ao mesmo tempo que traz uma saudade, traz muita alegria para o meu coração, lembrar dele, porque o que mais faz falta na minha vida é a alegria dele. Ele era um menino muito alegre, muito carinhoso. Sinto falta do abraços dele, da voz dele me chamando de mãe. Meu filho era um ser muito iluminado", contou emocionada.
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Patrícia Gomes de Oliveira, tia de Johnatha, foi uma das testemunhas a depor durante o julgamento. Após o depoimento, ela pediu pela condenação de Alessandro.
"Estamos aguardando há 10 anos pela justiça. Como a minha irmã já diz, a justiça nunca vai ser feita porque não podem trazer o Johnatha de volta para a gente. Mas o mínimo que o Estado nos deve é a prisão do policial que atira para matar em uma pessoa desarmada. Ele não tem esse direito. Não existe pena de morte no nosso país, mas, na nossa sociedade, a galera legitima que matem certos tipos de pessoas. Por conta da cor, por conta do CEP... Isso tem que acabar", lamentou.
Uma das testemunhas de acusação é o ex-PM Marcelo Nicolau de Carvalho, que foi condenado, em 2021, a 13 anos de prisão por chefiar uma milícia na Vila Ema, em Duque de Caxias. De acordo com as investigações, a quadrilha extorquia comerciantes da região mediante grave ameaça, com emprego de arma de fogo, sob o pretexto de que iriam oferecer segurança particular no bairro.
"Acho um absurdo. Como uma pessoa que já foi presa, já foi condenada por fazer parte de milícia, pode ter credibilidade perante um sistema de justiça. Fico até sem palavras. Temos dois policiais ali, tanto o réu quanto a testemunha, que já foram presos, mas quem segue sendo criminalizado é o meu filho. Só me dá força para lutar mais", destacou Ana Paula.
O julgamento
A primeira testemunha a depor foi Glicélia Souza, vizinha e amiga de infância de Johnatha. Ela relatou que o crime aconteceu quando levava o filho para tomar açaí após buscá-lo na escola no final da tarde, disse que ouviu barulho de tiros e correu com a criança para o interior da loja em busca de abrigo. Na correria, não teria visto de onde partiu o disparo que atingiu a vítima, mas, ao sair do local, verificou que o jovem estava desarmado e caído no chão com ferimento, sendo socorrido por moradores da região para a UPA. Segundo ela, os moradores comentavam que os disparos contra a vítima partiram dos policiais.
Fátima dos Santos foi a segunda a depor no plenário. Ela estava na rua com o filho e disse que viu três policiais no momento do crime, mas não testemunhou o disparo. Ela lembra que um deles colocou a mão nas partes íntimas, o outro estava agachado e o terceiro distante do local após escutar uma rajada. "Meu filho disse: 'Johnatha está baleado'", contou e, em seguida, viu pessoas andando na direção dos policiais militares jogando pedras neles.
Já a perita da Polícia Civil, Izabel Solange de Santana disse que, das 12 armas recolhidas para perícia técnica (sendo 9 pistolas e 3 fuzis), uma foi compatível com a que atingiu Johnatha.
Patrícia, tia do rapaz, foi a quarta a ser ouvida. Ela contou que ficou sabendo do crime pelo primo. "Foi tudo muito rápido. Recebemos a informação que ele foi baleado nas costas, fui à UPA e disseram que estava morto, sendo que vi policiais circulando no interior da UPA e não haviam socorrido meu sobrinho. Quando fui na delegacia registrar boletim de ocorrência, descobri que policiais que teriam participado da ação prestavam depoimento e classificaram o caso como auto de resistência".
No depoimento, Patrícia confirmou a informação sobre uma manifestação contra a morte de Johnatha, onde moradores atacaram o contêiner da UPP de Manguinhos.
"Eu tive a 'missão' de conseguir testemunhas que concordassem em prestar depoimento em favor do Johnatha. O que aconteceu foi uma covardia. Ele era um jovem bom, sonhava em seguir a carreira do Exército e era apaixonado pela namorada. Se não fosse o braço armado do Estado, ele estava entre nós. Minha irmã criou com muita dificuldade ele e os outros dois filhos. Para uma mulher preta e moradora de favela, é muito difícil tudo. Atualmente, ela lidera o movimento 'Mães de Manguinhos’ que presta auxílio para familiares de vítimas da violência assim como a que Johnatha sofreu", afirmou.
O julgamento continua com os depoimentos das testemunhas de defesa. Em seguida, o réu será interrogado. Depois, acontecem os debates entre acusação e defesa.
Relembre o caso
Em maio de 2014, o jovem de 19 anos foi morto com um tiro nas costas durante uma operação policial da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de Manguinhos quando voltava a pé para a casa da avó. Em um primeiro momento, o PM alegou que havia se deparado com criminosos armados, mas não tinha atirado. No entanto, o resultado do exame de balística mostrou que a bala que atingiu Johnatha havia saído da arma de Alessandro. Com isso, ele passou a admitir que havia atirado sete vezes.
De acordo com a Defensoria Pública, havia um protesto de moradores desarmados contra abordagens violentas da polícia, já que, segundo testemunha, agentes teriam xingado crianças que brincavam em um campinho de futebol. Com isso, Alessandro atirou tanto para o alto quanto em direção à multidão, atingindo a vítima que passava próximo ao local com a namorada.
Um ano antes do assassinato de Johnatha, em 2013, o mesmo policial militar já havia sido acusado de triplo homicídio na Baixada Fluminense. Alessandro Marcelino chegou a ser preso, mas teve seu caso impronunciado e voltou à ativa.
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