Laboratório investigado por contaminação de transplantes por HIV foi alvo de operação Reginaldo Pimenta/Agência O DIA
Publicado 14/10/2024 17:30 | Atualizado 14/10/2024 18:07
Rio - O secretário de Estado de Polícia Civil, delegado Felipe Curi, disse, em coletiva na manhã desta segunda-feira (14), que a investigação sobre o laboratório PCS Saleme, acusado de errar em testes de HIV que provocaram contaminações de pacientes, seguirá contra qualquer pessoa que esteja relacionada, não descartando o deputado federal e ex-secretário de Estado de Saúde, Dr. Luizinho (PP).
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O parlamentar não foi alvo da operação desta segunda realizada pela Polícia Civil, que terminou com duas pessoas presas e 11 mandados de busca e apreensão cumpridos. Ao ser questionado se a investigação irá avançar para o lado político, com relação à época em que o contrato foi feito, Curi destacou que se provas apontarem para essa direção, a apuração será realizada. 
"A Polícia Civil não investiga CPFs nem CNPJs, nós investigamos fatos. Até o momento, todas as pessoas que foram alvos da operação de hoje (segunda) surgiram durante as investigações, durante os depoimentos e os elementos que nós colhemos inicialmente. Agora, no desenrolar das investigações e a partir da análise das novas evidências que foram colhidas, nós vamos chegar a qualquer pessoa, independentemente de quem seja. Desde que as provas carreadas aos autos apontem nessa direção. Nada impede que posteriormente outras pessoas sejam investigadas e sejam depois objetos de apuração", disse o secretário.
A empresa foi contratada pela Fundação Saúde, no mesmo período da gestão do parlamentar, que ocorreu de janeiro a setembro de 2023. Os contratos, firmados entre fevereiro de 2023 até o mesmo mês de 2024, previam o pagamento de mais de R$ 17,5 milhões ao laboratório.
De acordo com informações do Portal da Transparência da Fundação Saúde, os acordos foram feitos para a realização de exames de análises clínicas e anatomia patológica. O primeiro é de 16 de fevereiro de 2023, época em que Dr. Luizinho era secretário de Estado de Saúde, e foi firmado com dispensa de licitação. O documento estipula o pagamento de R$ 2.171.362,10 para atuação nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de Bangu, Campo Grande e Realengo, na Zona Oeste.
O segundo contrato, assinado em 5 de outubro de 2023, foi firmado para a prestação do serviço, também sem licitação, no Hospital Estadual Ricardo Cruz (Hercruz), em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. O laboratório funcionava no Centro do município, antes de ser interditado, quinta-feira (10). O documento estipula o pagamento de R$ 3.887.842,53.

Já no terceiro foi feito por pregão eletrônico e assinado em 1ª de dezembro do ano passado. O documento, que tem o valor mais alto, foi firmado para atender unidades sob gestão da Fundação Saúde pelo período de 12 meses, entre eles a Central Estadual de Transplantes do Rio (RJ Transplantes). O montante a ser pago ao laboratório era de R$ 9.799.836,03.
Entretanto, um termo aditivo de 29 de fevereiro deste ano incluiu os Postos de Atendimento Médicos (PAMs) de Cavalcanti e Coelho Neto, na Zona Norte, e houve acréscimo de R$ 1.679.459,04 no valor a ser pago ao PCS Lab, chegando a R$ 11.479.295,07. Ao todo, os três contratos somam R$ 17.538.499,70. Contudo, dados do Portal da Transparência do Governo do Estado mostram valores que, somados, passam dos R$ 21 milhões.
O laboratório prestou serviços para o Estado do dia 1º de dezembro de 2023 até 12 de setembro deste ano. De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES), foi um aberto novo processo para contratação de laboratório para atender à rede estadual de saúde, com exceção do serviço de transplantes, que continuará sendo atendido pelo Hemorio.
O que diz o deputado?
Em nota divulgada nesta segunda-feira (14), o deputado federal destacou que o caso de contaminação de transplantados com HIV é gravíssimo. Luizinho pediu uma rápida investigação e punição rigorosa para os responsáveis.
"É inadmissível que um ser humano faça um transplante e, por erros que nunca poderiam ocorrer, adquira uma nova doença. Espero que o caso seja investigado de forma rápida e os culpados sejam punidos exemplarmente. Como médico há 27 anos, secretário de Saúde do Estado do Rio de Janeiro por duas vezes, com uma vida pública e privada dedicada de forma praticamente integral a melhorar e fortalecer nosso sistema de Saúde, desejo punição rigorosa aos responsáveis por este caso sem precedentes", disse.
Sobre o laboratório prestar serviços durante a sua gestão, o parlamentar garantiu, em nota divulgada na última sexta-feira (11), que manteve a mesma equipe do Programa Estadual de Transplantes da gestão anterior e que nunca participou da contratação deste ou de qualquer outro laboratório. "Partiu de uma concorrência pública realizada pela Fundação Saúde, que tem gestão administrativa independente, na modalidade de pregão eletrônico, sujeita ao crivo dos órgãos de controle", contou.
Operação contra laboratório
A Polícia Civil cumpriu, ainda na manhã desta segunda (14), 11 mandados de busca e apreensão e dois de prisão, sendo um deles contra Walter Vieira, ginecologista e sócio majoritário do PCS Lab. O segundo preso é Ivanilson Fernandes dos Santos, responsável técnico do laboratório e quem realizava as análises clínicas para sorologia de HIV. Ele foi detido com roupas de enfermeiro. Além deles, estão foragidos Jacqueline Iris Bacellar, cuja assinatura aparece em laudo que identificou erroneamente que doador não tinha HIV, e o técnico de laboratório Cleber de Oliveira Santos.
Na ação, também foram conduzidos para prestar esclarecimentos o filho e a irmã do médico e também sócios da empresa, Matheus Vieira e Márcia Vieira. De acordo com o secretário Felipe Curi, eles não foram alvo de mandados de prisão porque a primeira fase da Operação Verum mirou os envolvidos nos processos de coleta dos exames, na logística e na parte operacional dos testes.
Walter é casado com a tia do deputado federal e ex-secretário de Saúde do estado do Rio, Dr. Luizinho. Já Matheus é primo do político. 
Os envolvidos são investigados por diversos crimes como as relações de consumo, associação criminosa, falsidade ideológica, falsificação de documento particular e infração sanitária.
Tentativa de reduzir custos
A tentativa do PCS Lab Saleme de diminuir custos levou ao erro de testes de HIV em doadores de órgãos, que provocou a infecção de seis pacientes transplantados, segundo as investigações. Durante a coletiva de imprensa na Cidade da Polícia, no Jacaré, Zona Norte, nesta segunda-feira (14), o secretário Felipe Curi, afirmou que as investigações iniciais apontam uma falha operacional de controle de qualidade nos testes de diagnóstico do vírus. O objetivo do laboratório era obter lucro.
O diretor do Departamento-Geral de Polícia Especializada, André Neves, explicou que os reagentes dos testes precisavam ser analisados diariamente, mas houve determinação para que fosse diminuída a fiscalização, que passou a ser feita semanalmente, visando a "maximização de lucro, deixando de lado a preservação e a segurança da saúde dos testes". Segundo ele, "nessa lacuna, você flexibiliza e aumenta as chances de ter algum efeito colateral, esse efeito devastador que nós estamos analisando". O delegado não revelou quem ordenou a mudança na frequência das análises, porque o inquérito segue em sigilo.
"O reagente, é feita uma análise qualitativa de forma diária, esse é o padrão a ser seguido. Até dezembro era feito dessa forma. O que a gente apurou nos depoimentos colhidos até então e os dados que estamos levantando no bojo do inquérito, é que mudou esse protocolo, onde a análise passou de ser diária para ser semanal. Qual é a ideia disso? Você diminuir o custo. Quando você diminuiu o custo, você aumentou o risco. Quem for o responsável por isso, nós já estamos apurando, será devidamente responsabilizado", disse Neves.
O que diz o laboratório?
Em nota, a empresa se manifestou sobre o caso na tarde desta segunda-feira (14) e disse que Walter Vieira afirmou em depoimento que o resultado preliminar feito pela sindicância interna do laboratório apontou indícios de falha humana na transcrição dos resultados de dois testes de HIV.

"A defesa dele e de Mateus Vieira repudia com veemência a insinuação de que existiria um esquema criminoso para forjar laudos no laboratório, que atua no mercado desde 1969. A defesa confia que, após os esclarecimentos prestados por Walter, a Justiça entenderá desnecessário mantê-lo preso", diz a nota.
Segundo a empresa, Matheus se apresentou de maneira voluntária e foi liberado e assegurou às autoridades que irá depor quando sua defesa tiver acesso integral aos autos da investigação.

Em relação a Jacqueline Iris Bacellar de Assis, o PCS Lab esclareceu que ela apresentou documentação inidônea (diploma de biomédica e carteira profissional com habilitação em patologia), induzindo o laboratório a crer que ela tinha competência para assinar laudos.

"Nos últimos 12 meses, o PCS Lab Saleme realizou mais de 3 milhões de exames. Desde 1º de dezembro, quando começou a prestar serviços à Fundação Saúde do Governo do Estado do Rio de Janeiro, o laboratório comprou pelo menos 900 testes para diagnóstico de HIV em amostras de sangue de doadores de órgãos, seguindo recomendação do Ministério da Saúde e da Anvisa. Conforme informado pela imprensa, das 286 amostras submetidas a novo teste no Hemorio, 205 deram negativo para HIV, confirmando os laudos do PCS Lab. O laboratório reafirma que dará todo suporte necessário às vitimas assim que tiver acesso oficial à identidade delas; e que está à disposição das autoridades que investigam o caso", finaliza o texto.
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