Em entrevista à TV Globo, Jacqueline disse que foi contratada como auxiliar administrativa e tinha a função de conferir nos laudos se havia erros de digitação. Em relação ao documento onde aparece a sua assinatura, constando um número de registro como biomédica que não é seu, ela disse que não sabe como aconteceu.
"Eu fazia conferência de estoque, realizava pedidos de insumos, preenchimento de planilhas de uma maneira geral, no laboratório. Nos laudos, a gente fazia conferência para ver se estava correto, se tinha erro de digitação e de pontuação, se estava com as observações necessárias para enviar para essas assinaturas. Na parte da conferência não aparecia nenhum nome, numeração, nada. O que aparecia para mim era uma tela com os dados dos exames", explicou.
A funcionária destacou que a unidade pediu para enviar uma rubrica quando foi contratada com o objetivo de constar no sistema. Jacqueline foi um dos alvos de mandado de prisão durante a operação realizada nesta segunda, mas não foi encontrada.
A mulher começou a ser investigada depois de seu nome aparecer em um laudos de um doador de órgãos, de maio deste ano, que constatou negativo para HIV. Contudo, pessoas que receberam seus órgãos foram contaminadas com o vírus. No documento, a rubrica de Jacqueline aparece com o número de registro de biomédica de Júlia Moraes de Oliveira Lima, que não exerce mais a profissão e está com o seu cadastro dentro do Conselho Regional de Biomedicina 1ª Região cancelado.
Em nota, o Conselho Federal de Biomedicina (CFBM) destacou que o laboratório não possui inscrição no Conselho Regional de Biomedicina 1ª Região, jurisdição a qual pertence o Estado do Rio de Janeiro, e que também não há registro de anotação de responsabilidade técnica de profissional biomédico pelas atividades do laboratório nos assentamentos do Regional.
"O sistema CFBM/ CRBMs acompanha em tempo real os desdobramentos desse caso e tomará as providências legais caso sejam identificados profissionais inscritos envolvidos no eventual ilícito. Ainda assim, esta Autarquia disponibiliza seus quadros de colaboradores fiscais, bem como suas Comissões de Especialistas, no intuito de auxiliar na elucidação dos fatos, em sua função e compromisso primário de proteger a sociedade", disse o Conselho.
Operação prende duas pessoas
A Polícia Civil cumpriu, ainda na manhã desta segunda (14), 11 mandados de busca e apreensão e dois de prisão, sendo um deles contra Walter Vieira, ginecologista e sócio majoritário do PCS Lab. O segundo preso é Ivanilson Fernandes dos Santos, responsável técnico do laboratório e quem realizava as análises clínicas para sorologia de HIV. Ele foi detido com roupas de enfermeiro. Além deles, estão foragidos Jacqueline Iris Bacellar e o técnico de laboratório Cleber de Oliveira Santos.
Na ação, também foram conduzidos para prestar esclarecimentos o filho e a irmã do médico e também sócios da empresa, Mateus Vieira e Márcia Vieira. De acordo com o secretário Felipe Curi, eles não foram alvo de mandados de prisão porque a primeira fase da Operação Verum mirou os envolvidos nos processos de coleta dos exames, na logística e na parte operacional dos testes.
Walter é casado com a tia do deputado federal e ex-secretário de Saúde do estado do Rio, Dr. Luizinho. A empresa foi contratada pela Fundação Saúde, no mesmo período da gestão do parlamentar. Já Matheus é primo do político. Procurado, o Dr. Luizinho afirmou que conhece o laboratório há mais de 30 anos e que ele foi dirigido, inicialmente, pelo pai do médico. O político também lamentou o ocorrido e desejou ao fim das investigações "punição exemplar para os responsáveis por esses gravíssimos casos de contaminação".
Sobre o laboratório prestar serviços durante a sua gestão, o ex-secretário de Saúde garantiu que manteve a mesma equipe do Programa Estadual de Transplantes da gestão anterior e que nunca participou da contratação deste ou de qualquer outro laboratório.
Os envolvidos são investigados por diversos crimes como as relações de consumo, associação criminosa, falsidade ideológica, falsificação de documento particular e infração sanitária.
Apesar do parentesco, o deputado federal e ex-secretário não foi investigado pela operação. Segundo Curi, todos os alvos de mandados foram citados nas investigações, depoimentos e nos elementos colhidos inicialmente. "No desenrolar das investigações e a partir da análise das novas evidências colhidas hoje, nós vamos chegar a qualquer pessoa, independentemente de quem seja, desde que as provas apontem nessa direção", disse.
De acordo com o delegado titular da Delegacia do Consumidor, Wellington Pereira, cerca de 300 pessoas que receberam órgãos à época que o PCS realizou as análises estão sendo testadas e o resultado será divulgado pela Central de Transplantes do Rio. Além da Polícia Civil, o caso também é investigado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), pela Polícia Federal, pelos Ministérios Público do Rio (MPRJ) e da Saúde, e pelo Conselho Regional de Medicina (Cremerj).
Tentativa de reduzir custos
A tentativa do PCS Lab Saleme de diminuir custos levou ao erro de testes de HIV em doadores de órgãos, que provocou a infecção de seis pacientes transplantados, segundo as investigações. Durante uma coletiva de imprensa na Cidade da Polícia, no Jacaré, Zona Norte, nesta segunda-feira (14), o secretário Felipe Curi, afirmou que as investigações iniciais apontam uma falha operacional de controle de qualidade nos testes de diagnóstico do vírus. O objetivo do laboratório era obter lucro.
O diretor do Departamento-Geral de Polícia Especializada, André Neves, explicou que os reagentes dos testes precisavam ser analisados diariamente, mas houve determinação para que fosse diminuída a fiscalização, que passou a ser feita semanalmente, visando a "maximização de lucro, deixando de lado a preservação e a segurança da saúde dos testes". Segundo ele, "nessa lacuna, você flexibiliza e aumenta as chances de ter algum efeito colateral, esse efeito devastador que nós estamos analisando". O delegado não revelou quem ordenou a mudança na frequência das análises, porque o inquérito segue em sigilo.
"O reagente, é feita uma análise qualitativa de forma diária, esse é o padrão a ser seguido. Até dezembro era feito dessa forma. O que a gente apurou nos depoimentos colhidos até então e os dados que estamos levantando no bojo do inquérito, é que mudou esse protocolo, onde a análise passou de ser diária para ser semanal. Qual é a ideia disso? Você diminuir o custo. Quando você diminuiu o custo, você aumentou o risco. Quem for o responsável por isso, nós já estamos apurando, será devidamente responsabilizado", disse Neves.
O que diz o laboratório?
Em nota, a empresa se manifestou sobre o caso na tarde desta segunda-feira (14) e disse que Walter Vieira afirmou em depoimento que o resultado preliminar feito pela sindicância interna do laboratório apontou indícios de falha humana na transcrição dos resultados de dois testes de HIV.
"A defesa dele e de Mateus Vieira repudia com veemência a insinuação de que existiria um esquema criminoso para forjar laudos no laboratório, que atua no mercado desde 1969. A defesa confia que, após os esclarecimentos prestados por Walter, a Justiça entenderá desnecessário mantê-lo preso", diz a nota.
Segundo a empresa, Matheus se apresentou de maneira voluntária e foi liberado e assegurou às autoridades que irá depor quando sua defesa tiver acesso integral aos autos da investigação.
Em relação a Jacqueline Iris Bacellar de Assis, o PCS Lab esclareceu que ela apresentou documentação inidônea (diploma de biomédica e carteira profissional com habilitação em patologia), induzindo o laboratório a crer que ela tinha competência para assinar laudos.
"Nos últimos 12 meses, o PCS Lab Saleme realizou mais de 3 milhões de exames. Desde 1º de dezembro, quando começou a prestar serviços à Fundação Saúde do Governo do Estado do Rio de Janeiro, o laboratório comprou pelo menos 900 testes para diagnóstico de HIV em amostras de sangue de doadores de órgãos, seguindo recomendação do Ministério da Saúde e da Anvisa. Conforme informado pela imprensa, das 286 amostras submetidas a novo teste no Hemorio, 205 deram negativo para HIV, confirmando os laudos do PCS Lab. O laboratório reafirma que dará todo suporte necessário às vitimas assim que tiver acesso oficial à identidade delas; e que está à disposição das autoridades que investigam o caso", finaliza o texto.
Entenda o caso
A situação foi descoberta no último dia 10 de setembro, segundo revelou a BandNews, quando um paciente transplantado foi ao hospital com sintomas neurológicos e teve resultado para HIV positivo. Logo depois, amostras dos órgãos doados pela mesma pessoa foram analisadas e outros dois casos confirmados. Há uma semana foi notificado que mais um receptor de órgãos teve o exame de HIV positivo, após o transplante, confirmando seis casos até o momento.
O laboratório privado responsável por fazer os exames de sangue nos doadores foi contratado por licitação pela Fundação Saúde para atender o programa de transplantes. O estabelecimento teve o serviço suspenso logo após o caso ser descoberto e foi interditado cautelarmente. Com isso, os testes passaram a ser realizados pelo Hemorio.
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