Na foto, a comerciante Eva, que denunciou ter sofrido racismo na unidade do mercado Extra, do Largo do MachadoReprodução/Redes Sociais

Rio - Eva Moema Nascimento Oliveira foi à Corregedoria-Geral da Polícia Civil (CGPOL), nesta quinta-feira (25), para narrar o atendimento que recebeu quando foi à 9ª DP (Catete), em janeiro, para denunciar que havia sido acusada injustamente de furto por funcionários de um supermercado no Largo do Machado. De acordo com a comerciante de 41 anos, os policiais da distrital não demonstraram interesse em registrar a ocorrência e, posteriormente, o caso foi tipificado como "fato atípico".
Após um pedido feito pela defesa de Eva para retificação, a ocorrência passou a ser investigada como injúria. Em conversa com O DIA, a comerciante disse que não se sentiu acolhida na 9ª DP (Catete).
"A Polícia Civil foi omissa mesmo, não vou tirar isso da cabeça. É uma delegacia omissa com crime de racismo. A partir do momento em que ele viu que houve uma falsa acusação de roubo com agravante de racismo, ele não poderia registrar como 'fato atípico'. Também não houve nenhum pedido de condução das outras partes para a delegacia... Me acusaram de furto e a cor da pele influenciou muito nessa acusação. Eu cheguei na Inspetoria e tive que lutar muito para conseguir fazer essa denúncia", reclamou.
Na Corregedoria-Geral da Polícia Civil, Eva narrou o atendimento que recebeu na 9ª DP (Catete), destacando que os policiais tentaram convencê-la de que não teria acontecido racismo. No entanto, a vítima lamentou que não havia agentes da Corregedoria com 'letramento racial' para atendê-la e, com isso, não se sentiu acolhida novamente.
"Não é questão de competência, mas se há um crime envolvendo questão racial, tinha que ter um policial para ouvir os fatos. Se a gente tivesse uma área na Corregedoria que atenda pessoas que estão fazendo qualquer tipo de reclamação contra uma delegacia envolvendo questão racial, acho que seria uma abordagem completamente diferente. Eu não saí de lá satisfeita, não gostei da forma como a oitiva foi conduzida", disse.
"Na Corregedoria, a gente não tem voz de fala, mesmo sendo a pessoa que sofreu o crime. Se tivesse uma pessoa preta lá, talvez eu teria sido escutada de uma forma melhor. Talvez entendessem meu ponto de vista, e não ficassem somente tentando explicar o ponto de vista da delegacia: 'o ponto de vista do delegado é esse', 'o ponto de vista do inspetor é esse', 'não tinha necessidade deles fazerem isso'", completou Eva.
A advogada Gabriela Coriolano passou a representar a comerciante recentemente e acompanhou a cliente durante o depoimento na Corregedoria. 
"É complicado falarmos disso, mas eram pessoas brancas colhendo o depoimento que não conseguem visualizar esse caso como racismo. Isso ficou muito claro. Para eles, é como se fosse uma questão de 'engano', eles não tem essa noção. Existe uma necessidade ou de letramento racial ou de ter um policial que tenha mais conhecimento, um policial preto que entenda mais dessas situações. Ficou claro que eles não tem noção do constrangimento que a Eva passou", destacou a advogada. 
Em nota, a Polícia Civil informou que após a coleta de informações e diligências realizadas pela 9ª DP (Catete), o caso, que inicialmente foi registrado como fato atípico, foi alterado para injúria.
"A Polícia Civil esclarece que a tipificação de um crime pode ser alterada no decorrer da apuração dos fatos, de acordo com os elementos probatórios coletados durante a investigação. Ainda de acordo com a 9ª DP (Catete), o caso foi concluído e encaminhado ao Juizado Especial Criminal (Jecrim)", informou a instituição.
Além disso, a Corregedoria-Geral de Polícia Civil informou que a mulher compareceu à sede, foi prontamente atendida, ouvida e a investigação referente à denúncia está em andamento. 
"A Polícia Civil acrescenta que os agentes que compõem os quadros da instituição, como no caso da CGPOL, foram aprovados por meio de seleção em concurso público amplamente divulgado e as nomeações e lotações em unidades são feitas conforme eventual necessidade, sem relação com cor, raça, credo ou gênero", explicou.
Relembre o caso
A comerciante Eva Moema Nascimento Oliveira foi acusada de furto por um gerente e dois funcionários do mercado Extra no Largo do Machado, em janeiro deste ano. Ela havia entrado na unidade para procurar por camarão, mas decidiu retornar mais tarde à loja para que o alimento não descongelasse.
"Quando eu estava do lado de fora, veio um segurança e dois homens correndo atrás de mim na rua. Me perguntaram: 'senhora, não esqueceu de pagar nada não?'. Eu falei que não e pediram para abrir minha bolsa porque viram eu furtar um leite. Eu falei que eles não iam abrir minha bolsa e liguei para o meu advogado", contou Eva ao DIA.
A vítima tem uma loja de quentinhas e também trabalha há mais de 13 anos vendendo acarajé no Renascença Clube.
Em fevereiro, os funcionários investigados por injúria foram demitidos. À época, o Mercado Extra afirmou que  "a rede repudia veementemente quaisquer atitudes discriminatórias e tem o respeito e a inclusão como valores e compromissos inegociáveis, em alinhamento ao que determina seu Código de Ética e sua Política de Diversidade, Inclusão e Direitos Humanos".