“Vi uma caixa cheia de braços e pernas. Corpos jogados no chão, sem cabeça, sem os membros, todos decepados. Não digeri essa imagem”, admitiu, ao DIA. Carioca do bairro do Flamengo, o magistrado, de 49 anos, tem um alerta a fazer aos seus conterrâneos: barbárie como essa pode se repetir no Rio. “Os fatores que levaram a esse motim aqui no Amazonas existem em penitenciárias de todo o país", avalia.
A previsão de Valois, feita na quinta-feira 5, se mostrou acertada. Poucas horas depois de sua afirmação, um novo motim causou 31 mortes na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima. O principal motivo da matança seria o mesmo verificado no presídio amazonense: confronto entre presos pertencencentes a facções.
As autoridades fluminenses terão todos os motivos de preocupação se derem ouvidos ao que diz o magistrado, que foi chamado a mediar o conflito em Manaus e ajudou a acabar com a rebelião. “Não gosto de denominar essas facções, mas, se realmente a matança que houve aqui foi obra da Família do Norte (grupo criminoso da região), uma represália do PCC pode acontecer. A facção é considerada aliada do Comando Vermelho. Então, se o PCC crescer aí no Rio, o negócio pode ficar feio", acredita o magistrado.
O juiz evita citar grupos do crime organizado por achar que acontece uma distorção nas informações sobre crimes atribuídos a eles. “Quando atribuímos homicídios a facções, deixamos de investigar cada um dos responsáveis. Até para punir as pessoas que fizeram esses crimes, temos que mudar esse discurso. Desse jeito, acabamos dando poder a eles”, critica.
Valois não concorda que a chacina no presídio Anísio Jobim tenha sido a segunda maior já acontecida em uma penitenciária brasileira, atrás apenas do Carandiru. Para ele, o massacre de Manaus foi o maior. E cita números para defender sua tese: o Carandiru tinha cerca de 10 mil presos, e morreram 111; o Anísio Jobim tinha 1.200 detentos, e morreram 56. O magistrado também avalia que a rebelião no Amazonas foi ainda mais bárbara do que a de São Paulo.
Ele não tem uma explicação direta para a chacina. "Nessa proporção que tomou, a conclusão é que foi uma mistura de todos os fatores: a superlotação,a falta de condições, a guerra de facções, tudo junto fez acontecer uma ebulição. Perdeu-se o controle daquele caldeirão de ódio", resume.
Valois lamenta que alguns tenham comemorado a morte dos presos. "Cansei de ficar triste com isso, tento analisar essas reações. É gente que não entende que os que morreram foram os mais fracos, que não levaram armas e nem celulares para dentro da cadeia. Venceram os mais fortes, ou, como dizem, os de maior periculosidade".
A solução para a tragédia do sistema penitenciário, diz ele, não é fácil. “É complicado organizar o caos total. Se fosse cumprida a Lei de Execução Penal, em termos de quantidade de presos, instalações, ocupação... Nada é cumprido. Queremos buscar solução na ilegalidade. Assim, é difícil”, acredita o juiz.
DEPOIS DA REBELIÃO, AMEAÇAS
O juiz Valois tem uma rotina pesada. Acorda cedo diariamente para fazer fisioterapia (tem uma prótese no ombro esquerdo, sequela das lutas de jiu-jitsu) e logo depois, às 9 horas, vai para o gabinete. Só sai de lá depois de analisar todos os processos que lhe são encaminhados. Algumas vezes, chega a dar parecer sobre 150 casos em um único dia. “Desde que cheguei aqui, o prazo na minha vara é este: um dia”, afirma.
Em meio ao noticiário sobre a rebelião, voltou à tona uma investigação feita há sete meses pela PF, em que seu nome apareceu citado em uma gravação. Um advogado dizia que alguns presos torciam para que ele continuasse à frente da VEP. A polícia interpretou que Valois poderia ter ligação com uma das facções.
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O magistrado acha que a troca de experiências entre presos de Rio e São Paulo com os de outros estados nos presídios levou ao estágio atual de criminalidade.
1. Como o crime organizado ganhou essa amplitude nacional ?— Eu até fui contra o golpe que deram na Dilma, mas a culpa disso é do PT. Porque foi o PT que criou esse sistema penitenciário federal. Começaram a mandar presos de outros estados para essas prisões e eles se reuniram.