Rio - Luciele Laurentino, de 28 anos, cresceu em Bezerros, no agreste pernambucano. Naquela cidade precária, a jovem estudava em turno único num colégio municipal. E, à tarde, trabalhava na roça com os avós. Tinha nisso a única perspectiva de vida, sem almejar sonhos maiores. Até que apareceu a escola de tempo integral. E Luciele, alimentada por novos conhecimentos, passou a alçar voos mais altos. "A principal diferença é que tinha acompanhamento de perto. Cuidaram da minha defasagem de aprendizado. Minha perspectiva de vida passou a ter um novo norte", argumenta.
O governo estadual de Pernambuco, no Nordeste brasileiro, adotou em 2005 um modelo inovador de ensino em tempo integral, que agora o país tenta reproduzir com a Reforma do Ensino Médio, sancionada em fevereiro pelo governo federal. O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) pernambucano disparou de lá para cá, e outros estados passaram a se interessar pelo modelo. Luciele, que cursou Geografia na Universidade Federal de Pernambuco e mestrado em Engenharia Florestal na Espanha, hoje trabalha no ICE (Instituto de Corresponsabilidade Pela Educação), ajudando na implantação dessas escolas.
A Lei 13.415/2017, que trata da Reforma do Ensino Médio, estabelece uma política de fomento a esse tipo de modelo educacional, com investimento de R$ 1,5 bilhão até 2019. A ideia é atender à meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE), lançado em 2014. Segundo suas diretrizes, 50% das escolas e 25% das matrículas no país nos ensinos Infantil, Fundamental e Médio devem estar em tempo integral até 2024. No caso do Ensino Médio, a intenção é chegar à carga horária de 1,4 mil horas anuais, quase o dobro das 800 horas de hoje. Após discussão no Senado, os parlamentares estabeleceram ainda que todas as unidades de Ensino Médio cheguem ao montante de, no mínimo, mil horas anuais num prazo de até cinco anos. Uma forma de acelerar o processo.
O Ministério da Educação (MEC) criou o Programa de Fomento à Implementação de Escolas em Tempo Integral, a fim de gerar 500 mil vagas. Pretende, com isso, tirar o atraso brasileiro nesse quesito: atualmente, pouco mais de 5% das unidades estão no regime de dois turnos, o que vai de encontro com a lógica adotada em países desenvolvidos. "Considero, sem dúvida, a ampliação da carga horária fundamental para melhorar a formação não só dos jovens, mas também das crianças do Ensino Fundamental. A maioria dos países que têm educação de alta qualidade investe em escolas com horário integral", aponta a professora Marieta Moraes, coordenadora do FGV Ensino Médio.
Investimento de R$ 2 mil por aluno
Depois de discutido pelos senadores, o fomento federal, que duraria quatro anos, terá de ficar em vigor por uma década. O investimento de R$ 1,5 bilhão até 2019 equivale a R$ 2 mil por aluno anualmente.
Entre as ocupações que vão nortear a nova carga horária, haverá aulas adicionais para atividades inovadoras, eletivas interdisciplinares e práticas em laboratório. As vantagens do tempo integral ficam evidentes em indicadores, como a evasão escolar, a reprovação e até no Enem.
Além disso, defendem especialistas, manter os jovens na escola faz com que eles não fiquem entregues às ruas por tanto tempo.
Secretário de Educação durante o processo de implantação do modelo pernambucano, Mozart Neves Ramos, da Fundação Ayrton Senna, destaca alguns aspectos para o bom desempenho do modelo: participação da sociedade, organizada em conselho; novo modelo pedagógico; novo modelo de gestão. "Já no primeiro ano, dados do Ginásio Pernambucano (primeira escola a aplicá-lo) mostraram resultados substancialmente melhores (em termos de evasão escolar e desempenho no vestibular, por exemplo)."
Vontade política é fundamental
O modelo pernambucano tem outro fator primordial para o sucesso: vontade política algo que faltou ao Rio, terra dos abandonados Cieps, na década de 1980. Implementado pelo governador Jarbas Vasconcelos (PMDB) em 2005, o tempo integral pernambucano teve continuidade com os governos de Eduardo Campos (PSB), João Lyra Neto (PDT) e Paulo Câmara (PSB), que entenderam o que deveria ser o óbvio: Educação é política de Estado, não de governo.
Na próxima matéria da série sobre a reforma do Ensino Médio feita pelo DIA, que será publicada na sexta-feira, a reportagem abordará a definição do ensino técnico profissionalizante como um dos cinco 'itinerários formativos' que o aluno poderá escolher antes de iniciar os estudos.