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Por DIRLEY FERNANDES*

A receita tem dois ingredientes: a oposição obstrui os trabalhos do Congresso para protestar contra a prisão de Lula e os parlamentares da base aliada não comparecem porque estão dedicados à campanha eleitoral ou emendando os feriados. Com isso, se vota muito pouco, seja na Câmara ou no Senado. Na quinta-feira, o presidente da primeira Casa, Rodrigo Maia, chegou a ameaçar cortar o salário de quem faltar às votações. "É obrigação de todos os 513 deputados estar no Plenário", disse ele, sem medo do óbvio e sem conseguir votar Medidas Provisórias (MPs) que trancam a pauta. E assim vai se encerrando uma legislatura (o período de mandato do conjunto dos deputados e senadores) que é séria concorrente ao posto de pior de todos os tempos. "Tudo indica que se não tiver sido a pior, é certamente uma das piores legislaturas de toda a nossa História. A votação, na Câmara, do impeachment da Dilma foi o exemplo máximo disso", diz o cientista político Paulo Sergio Peres, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

A votação da autorização para o impeachment, no qual deputados soltaram confetes no plenário e mandaram abraço para os filhos, descortinou o baixo nível da legislatura na Câmara. No entanto, a própria eleição para a presidência da Casa do peemedebista Eduardo Cunha, deputado de pouco brilho que conseguiu apoio graças a troca de favores e ajuda financeira aos colegas, indicava o que viria. "O viés fisiológico de Cunha chegou ao ponto de sacrificar o papel institucional de presidente da Casa, revelando um político predatório. Mas ele tinha o apoio da maioria dos deputados e se portou como despachante de interesses particulares de seus colegas", diz o também cientista político Claudio Couto, da FGV.

Couto credita a instabilidade do país nos últimos anos, em boa medida, à atuação do Congresso. "O governo da presidente Dilma caiu, não só por isso, mas em boa parte, por causa dessa postura", diz, citando as pautas-bomba criando despesas para o Executivo com a finalidade de barganhar vantagens. "Isso é mais que oposição. É chantagem que produz instabilidade política permanente. Com Cunha no comando, a Câmara sabotou não só os outros poderes ou o governo ao qual se opunha, mas sabotou a própria trajetória", diz Couto.

"A atuação do Congresso contribuiu para piorar o quadro ou pelo menos dificultar a busca de soluções da nossa crise econômica", acredita Peres. Para o pesquisador, o abandono dos trabalhos legislativos esse ano já está em marcha. "Eles precisam, desesperadamente, assegurar sua reeleição e, com isso, o foro privilegiado e, talvez, uma blindagem do Parlamento contra a Justiça".

Couto, no entanto, ressalva que "não dá pra imaginar a democracia sem Poder Legislativo". "O Congresso tem um papel importante; os partidos, também. O problema é que os políticos em geral e os partidos estão todos desmoralizados".

(* Colaborou a estagiária Marianna Lopes)

Veteranos veem quadro cada vez pior
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Chico Alencar (Psol-RJ) chegou à Câmara dos Deputados em 2003. Está em sua quarta legislatura e, para ele, o Congresso atual foi "dominado pelos interesses ocultos das grandes corporações, que compraram projetos de leis, blindaram parlamentares e modificaram medidas provisórias". Professor de História por profissão, ele lembra Ulysses Guimarães, o qual dizia que "uma legislatura é sempre a pior, até vir a próxima".
"As assembleias legislativas não foram muito diferentes em matéria de pequena política, de 'toma lá, dá cá'. A síntese disso tudo foi essa janela de transferência partidária, quando 85 parlamentares trocaram de partido e o que mais recebeu adesões foi o mais investigado na Lava Jato, o PP. É quase um deboche com a população", diz.
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Júlio Delgado (PSB-MG) lembra que, como tudo o mais no cenário político, a atuação do Congresso nos últimos anos foi pautada pelos desdobramentos da Lava Jato. "Foi muito díficil fazer qualquer coisa que pudesse representar evolução para o povo", admite o parlamentar, que chegou ao Congresso em 1999. "Tivemos foi uma involução no quesito trabalhista. Foram tirados direitos e garantias dos trabalhadores e da sociedade".
Para o parlamentar, a imagem do Parlamento, de fato, está no chão. "Nas eleições de 2010, o Tiririca falou 'pior do que está, não fica', mas ficou".
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Roberto Freire (PPS-PE), outro veterano, prefere defender o Congresso. "A crise da política brasileira é generalizada, cumprimos com o papel. Enquanto você tiver um Congresso aberto, funcionando, você tem a liberdade do cidadão e da cidadã garantida".
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